terça-feira, dezembro 25, 2012

Um conto de Natal


Nem tudo foi ruim em minha adolescência. Por exemplo, nos finais de semana eu ia nadar na pequena península chamada “baia dos tainheiros”  e depois  jogar voley na areia imunda da pequena praia que terminava nos pés da igreja de nossa senhora do Lobato. A agua já não era muito limpa naquela época, mas era a única opção de diversão para mim e para dezenas de outros jovens pobres em um bairro que não tinha sequer uma praça ou uma quadra de esportes. Era muito bom exibir o que eu achava que eram os meus dotes de nadador para as garotas. Claro, eu nadava tão bem quanto um macaco se afogando, mas eu não sabia disso. Claro que eu não impressionava ninguém, mas a expectativa de ser focalizado por um par de olhos femininos era muito boa. Um dia até consegui beijar uma garota na praia, quer dizer, quase beijar. Nesse dia eu estava com a máscara de mergulho do meu tio que eu havia pegado sem permissão. Me exibia com a máscara  diante dos olhares extasiados dos outros meninos. Até uma linda garota, com traços de índia, cabelos lisos e negros, me pediu para experimentar. Era minha deixa. Sugeri, grande capitalista que sou,  que permitiria que  ela usasse os óculos se me desse um beijo. Ela concordou, mas o beijo teria que ser embaixo d’agua para seus pais não perceberem.  Sem alternativas eu  aceitei , mas  a coisa toda foi bem complicada. A água era meio marrom e, como tinha emprestado a máscara  pra ela,  não dava pra enxergar nada lá embaixo. Quando eu mergulhava não conseguia unir nossos lábios no tão desejado beijo. Ela vinha ao meu encontro e eu me desviava tentando ir ao encontro dela. Uma breve alegoria do que seria a minha vida afetiva depois de adulto. Quando finalmente conseguimos juntar nossas bocas, o  nervosismo foi tão grande que dei um solavanco no rosto dela e a máscara de mergulho se perdeu no fundo lamacento da maré. Minha tarde havia acabado. Com o peito em frangalhos fui para casa imaginando como iria explicar ao meu tio que havia perdido a sua máscara de mergulho que ele sequer sabia que estava em minhas mãos.  Pior, havia perdido uma das poucas chances que até então tivera para beijar uma garota.

Uma outra chance dessas só ia acontecer no Natal. Apesar de detestar festas de final de ano em 1990 eu fazia parte de um pequeno grupo de dança. Alguns colegas haviam se juntado para ensaiar coreografias com musicas dos anos 60. Foi uma das poucas épocas de minha vida em que eu estava plenamente integrado com a sociedade, em que vivia cercado de amigos descolados, em que eu via garotas e cogitava a possibilidade de beijar várias delas. Na verdade havia uma menina em especial que parecia querer me beijar e apesar de estarmos em plena década de 90, para meus padrões retrógrados, um beijo ainda era muita coisa. Seu nome era Tatiane e era linda como um pôr do sol sobre um milhão de girassóis. No pleno esplendor de seus 16 anos ela era uma preciosidade. Loura, de cintura fina, seios pequenos, olhos levemente puxados e lábios bem desenhados que se abriam em um sorriso devastador para meu pobre coração de menino atormentado. A grande oportunidade de beijá-la iria aparecer no baile de natal onde o nosso grupo de dança iria se apresentar.  Mas havia um empecilho: o traje para a festa.  Acho que falei em outro lugar que eu só ganhava trajes  novos no natal, de modo que meu guarda-roupa se resumia na posse de uma ou duas calças jeans, três camisas, um par de sapatos (geralmente com o solado furado ou descolando) umas 4 cuecas (me envergonho de  comentar as pequenas dificuldades oriundas desse detalhe)  e 3 bermudas. Eu tinha uma tarefa terrível pela frente, convencer minha velha à me dar roupas de natal que servissem para o baile. Minha relação com minha mãe nunca foi das melhores, é verdade, mas nessa específica situação ela foi bem sensível e concordou em cooperar. No final de semana anterior ao da festa percorremos juntos toda a extensão da barroquinha e da baixa de sapateiros procurando uma combinação de calça-sapato-camisa-preço que servisse para os meus propósitos e para os dela também. Não foi fácil, mas achamos alguma coisa. Era óbvio que por aquele preço algo tinha que dar errado, mas eu não tinha condições de pensar nisso naquele momento. No dia do baile eu estava elétrico. Era a primeira vez que Juan Leon estava no centro da cena e não pelos cantos maldizendo o destino. A coreografia começou; ia tudo bem. As pessoas olhavam atentas os meus movimentos precisos como os de um Barishnikov da favela. Era a redenção. Imaginava-me dentro de “Os Embalos de Sábado à noite” e eu era o “Tony Maneiro”; a minha Olivia Newton John me sorria e dançava comigo colocando seu braço suave em torno do meu pescoço; eu era o homem seguro que a conduzia pelo salão. Em um dos movimentos da dança eu levantei a perna um pouco mais e a calça rasgou-se no fundo com um ruído desconcertante. Os demais não perceberam em função da altura da música, contudo eu sabia. O solado do sapato também começou a descolar mas com uma resignação estóica eu consegui manter o sorriso de plástico no rosto até terminar a dança sob aplausos. O pessoal foi para a mesa reservada para o grupo, elogiar-se mutuamente e colher os louros de suas performances. Eu me arrastei até o ouvido de Tatiane e lhe disse baixinho:  -Tenho que ir embora. Ela me olhou decepcionada e aquilo também devastou meu coração. Era a primeira vez que uma garota bonita esperava algo de mim além da distância. Mas não suportaria deixa-la saber do pequeno incidente com minhas calças e sapatos. Disse que havia torcido o tornozelo e por isso  estava andando daquele jeito curioso, parecendo um velho marreco. Despedi-me dos demais e fui para casa sozinho. Estrelas curiosas me olhavam da distancia. Acima delas alguém devia estar se divertindo muito. 

quinta-feira, dezembro 06, 2012


O fio  do seu riso me excita
Mel fresco banhando formigueiro
Minha boca saliva, o peito treme,
como amor apaixonado no chuveiro.

O desdém do seu olhar me estimula
me sacode as vértebras e o chão
ondas de luz derretendo esferas
flores flamejantes, lava vulcão.

Tigresa,


Se vieres descansar da ventania
na maciez desarrumada do meu leito
minha poesia te acolheria 
e afiarias tuas garras no meu peito.