sábado, junho 11, 2011

Vai ser assim.

Então vai ser assim. Sem dinheiro, mais isso já não é nenhuma novidade. Os deuses não colocam escudos sobre costas eretas e o que eles chamam de amor é algo que nunca irá florescer por detrás das muralhas que levantaste contra ataques. As coisas não irão mudar. Essa é uma constatação que se faz quando se chega a casa dos 30 e os 40 estão cada dia mais perto. Você já considerou as hipóteses, perdeu alguns anos submetendo-as a empiria e ao jogo especular da razão. Um sujeitinho quebrado. Os amigos trepavam contentes nos muros de outrora enquanto você lia o Gita. E agora eles vêm para querer me falar de alma, Deus e outras panacéias que sequer beberam direito. Com 25 anos você ainda não conhecia o deleite inefável escondido no derrretimento de uma xota. Conhecia as paixões, já havia trepado em vagões suburbanos de trem e pulado a janela da vizinha para passar a manhã inteira fodendo. Mas não sabia como fazê-las gozar. Não conhecia a crueldade indispensável do coito e por isso a sua ternura era patética e vã. Agora tens quase 40. Teu peito confuso tem quinquilharias inúteis e seu pensamento é uma caldeira a serviço do nada. Mas mesmo assim, às vezes, você, ouve canções emanando das coisas e se deleita em uma cega confiança na vida. Mas já não se espanta há algum tempo, nem se apaixona, treme ou suspira senão de pavor diante do abismo onde ficaste um bom tempo. Com a mesma obstinação de uma erva daninha você resistiu até agora contrariando as expectativas.

Hoje você passou com sua filha em frente a uma loja onde viveu a sua primeira experiência profissional. Um dos seus ex-colegas de trabalho estava na entrada do prédio. Você Pensou em cumprimentá-lo, mostrar a ele que sobreviveu, que estava muito mais inteiro do que na época em que ele e os outros tentavam te esmagar com piadas sobre sua magreza, com galhofas pelas roupas amassadas, com maldades e fofocas pelo seu despreparo. Não o fez, entretanto. Preferiu evitar a mímica social que fingiria saudade, bons tempos e boa sorte à frente. É assim. Você prefere poupar a energia que poderia ser gasta com os esforços por redenção, ou vingança. Você quer se afastar do passado, não é? Você quer ser outra pessoa, recriar-se das cinzas do que ficou para trás e por isso me acompanha nessas lembranças. Mas é tão difícil encontrar um padrão que dê conta das mutações que sofreste. Não encontras palavras que sirvam para te enunciar para os outros. Colocam camisas em teus ombros, mas elas não servem. Querem te encaixar em modelos feitos para casos comuns, querem agarrar-te mas estás besuntado de questões e vagueza. A teia ordinária que ordena as vidas não sustentou tua queda. Como podes ter um sentido para palavras tecidas com a seiva das famílias, dos cuidados e repressões que não ocorreram em ti? E no entanto sabes amar, não é? De um modo confuso a palavra ainda faz sentido pra ti. Mas quando você a dilui no caldo fervilhante do caos, quando não te agarras a sede da posse, quando queres o sopro inefável da vida dançando entrelaçada com a morte...as pessoas dizem que não sabes amar. E segues assim aturdido. Cuidadoso com os negócios e desorganizado com o resto. Acalentando sonhos adolescentes no peito, com sabedorias remotas no lixo, filho dileto do acaso.