terça-feira, dezembro 25, 2012

Um conto de Natal


Nem tudo foi ruim em minha adolescência. Por exemplo, nos finais de semana eu ia nadar na pequena península chamada “baia dos tainheiros”  e depois  jogar voley na areia imunda da pequena praia que terminava nos pés da igreja de nossa senhora do Lobato. A agua já não era muito limpa naquela época, mas era a única opção de diversão para mim e para dezenas de outros jovens pobres em um bairro que não tinha sequer uma praça ou uma quadra de esportes. Era muito bom exibir o que eu achava que eram os meus dotes de nadador para as garotas. Claro, eu nadava tão bem quanto um macaco se afogando, mas eu não sabia disso. Claro que eu não impressionava ninguém, mas a expectativa de ser focalizado por um par de olhos femininos era muito boa. Um dia até consegui beijar uma garota na praia, quer dizer, quase beijar. Nesse dia eu estava com a máscara de mergulho do meu tio que eu havia pegado sem permissão. Me exibia com a máscara  diante dos olhares extasiados dos outros meninos. Até uma linda garota, com traços de índia, cabelos lisos e negros, me pediu para experimentar. Era minha deixa. Sugeri, grande capitalista que sou,  que permitiria que  ela usasse os óculos se me desse um beijo. Ela concordou, mas o beijo teria que ser embaixo d’agua para seus pais não perceberem.  Sem alternativas eu  aceitei , mas  a coisa toda foi bem complicada. A água era meio marrom e, como tinha emprestado a máscara  pra ela,  não dava pra enxergar nada lá embaixo. Quando eu mergulhava não conseguia unir nossos lábios no tão desejado beijo. Ela vinha ao meu encontro e eu me desviava tentando ir ao encontro dela. Uma breve alegoria do que seria a minha vida afetiva depois de adulto. Quando finalmente conseguimos juntar nossas bocas, o  nervosismo foi tão grande que dei um solavanco no rosto dela e a máscara de mergulho se perdeu no fundo lamacento da maré. Minha tarde havia acabado. Com o peito em frangalhos fui para casa imaginando como iria explicar ao meu tio que havia perdido a sua máscara de mergulho que ele sequer sabia que estava em minhas mãos.  Pior, havia perdido uma das poucas chances que até então tivera para beijar uma garota.

Uma outra chance dessas só ia acontecer no Natal. Apesar de detestar festas de final de ano em 1990 eu fazia parte de um pequeno grupo de dança. Alguns colegas haviam se juntado para ensaiar coreografias com musicas dos anos 60. Foi uma das poucas épocas de minha vida em que eu estava plenamente integrado com a sociedade, em que vivia cercado de amigos descolados, em que eu via garotas e cogitava a possibilidade de beijar várias delas. Na verdade havia uma menina em especial que parecia querer me beijar e apesar de estarmos em plena década de 90, para meus padrões retrógrados, um beijo ainda era muita coisa. Seu nome era Tatiane e era linda como um pôr do sol sobre um milhão de girassóis. No pleno esplendor de seus 16 anos ela era uma preciosidade. Loura, de cintura fina, seios pequenos, olhos levemente puxados e lábios bem desenhados que se abriam em um sorriso devastador para meu pobre coração de menino atormentado. A grande oportunidade de beijá-la iria aparecer no baile de natal onde o nosso grupo de dança iria se apresentar.  Mas havia um empecilho: o traje para a festa.  Acho que falei em outro lugar que eu só ganhava trajes  novos no natal, de modo que meu guarda-roupa se resumia na posse de uma ou duas calças jeans, três camisas, um par de sapatos (geralmente com o solado furado ou descolando) umas 4 cuecas (me envergonho de  comentar as pequenas dificuldades oriundas desse detalhe)  e 3 bermudas. Eu tinha uma tarefa terrível pela frente, convencer minha velha à me dar roupas de natal que servissem para o baile. Minha relação com minha mãe nunca foi das melhores, é verdade, mas nessa específica situação ela foi bem sensível e concordou em cooperar. No final de semana anterior ao da festa percorremos juntos toda a extensão da barroquinha e da baixa de sapateiros procurando uma combinação de calça-sapato-camisa-preço que servisse para os meus propósitos e para os dela também. Não foi fácil, mas achamos alguma coisa. Era óbvio que por aquele preço algo tinha que dar errado, mas eu não tinha condições de pensar nisso naquele momento. No dia do baile eu estava elétrico. Era a primeira vez que Juan Leon estava no centro da cena e não pelos cantos maldizendo o destino. A coreografia começou; ia tudo bem. As pessoas olhavam atentas os meus movimentos precisos como os de um Barishnikov da favela. Era a redenção. Imaginava-me dentro de “Os Embalos de Sábado à noite” e eu era o “Tony Maneiro”; a minha Olivia Newton John me sorria e dançava comigo colocando seu braço suave em torno do meu pescoço; eu era o homem seguro que a conduzia pelo salão. Em um dos movimentos da dança eu levantei a perna um pouco mais e a calça rasgou-se no fundo com um ruído desconcertante. Os demais não perceberam em função da altura da música, contudo eu sabia. O solado do sapato também começou a descolar mas com uma resignação estóica eu consegui manter o sorriso de plástico no rosto até terminar a dança sob aplausos. O pessoal foi para a mesa reservada para o grupo, elogiar-se mutuamente e colher os louros de suas performances. Eu me arrastei até o ouvido de Tatiane e lhe disse baixinho:  -Tenho que ir embora. Ela me olhou decepcionada e aquilo também devastou meu coração. Era a primeira vez que uma garota bonita esperava algo de mim além da distância. Mas não suportaria deixa-la saber do pequeno incidente com minhas calças e sapatos. Disse que havia torcido o tornozelo e por isso  estava andando daquele jeito curioso, parecendo um velho marreco. Despedi-me dos demais e fui para casa sozinho. Estrelas curiosas me olhavam da distancia. Acima delas alguém devia estar se divertindo muito. 

quinta-feira, dezembro 06, 2012


O fio  do seu riso me excita
Mel fresco banhando formigueiro
Minha boca saliva, o peito treme,
como amor apaixonado no chuveiro.

O desdém do seu olhar me estimula
me sacode as vértebras e o chão
ondas de luz derretendo esferas
flores flamejantes, lava vulcão.

Tigresa,


Se vieres descansar da ventania
na maciez desarrumada do meu leito
minha poesia te acolheria 
e afiarias tuas garras no meu peito.

quinta-feira, novembro 22, 2012

Desculpas de um louco.


Eu agora estou fingindo que sou forte, que não vou me importar. Desde que foi embora  ela não tem mais inspiração para escrever uma linha, eu sei. Conheço o editor do jornal no qual ela trabalha. Antes era uma produção frenética. Um poema por dia. Um conto por semana. Tinha planos para o seu terceiro romance. Disse-me que eu destruí sua vida, que eu trouxe fogo loucura e maldade. Tudo mentira, eu trouxe foi poesia para ela. Isso. Eu trouxe inspiração e uma nova perspectiva sobre tudo. Estou dizendo essas coisas para mim mesmo para me convencer de que tenho razão. Essas coisas não chegam de graça. Ela também teria que fazer suas concessões. A poesia é um pássaro que jamais irá voar em linha reta. Ela deveria saber disso, mas não sabia. Estou muito ansioso. Gostaria que ela estivesse aqui, com seu brilho, seu sorriso e sua força. Mas a poesia, a vida,  a tarefa de me manter vivo e inteiro, tudo isso era mais importante. Um dia, por exemplo, estávamos transando quando repentinamente me veio à cabeça uma ideia para um novo romance. Imediatamente broxei porque a corrente da vida passou a escoar por outros canais. Levantei da cama deixando-a ainda esperando pelo meu próximo movimento e corri para a escrivaninha para digitar meu próximo conto, ambos nus ainda, eu e o conto. Agora estou indo trabalhar e meu emprego não tem nada de literário. Apenas gente impaciente querendo seu pedaço suculento de carne moribunda. A minha esposa também não entende. Quer simplificar tudo em causa própria. Um amor deveria bastar, ela pensa desse jeito, e não está sozinha nesse pensamento. Pessoas tacanhas. Cérebros de avestruz. Não percebem, não sentem,  que a fome de vida  gritando no peito como é como  um porco sendo esfolado. Não se contêm, não fica parada. Eu estou agora contando os trocados o cobrador me olha na cara e deve achar que não posso pagar a passagem. Mas eu pago. Que decepção para esse sujeito mesquinho que gostaria de  me esmagar dessa vez. Eu passo por uma senhora de amplas medidas, ela me olha de canto de olho, me acha desprezível, eu sei. Acho que eu gostaria de ter algo para o quê rezar. Esforço-me para imaginar um Deus no qual valha a pena acreditar, mas não consigo. Fecho os olhos: Só me vem à cabeça minha mãe na cama de um hospital miserável que a fez esperar por exame que nunca veio. Vem-me à cabeça sua morte. Vem-me à cabeça sua vida sem sentido, pulando de marido em marido enquanto os filhos eram relativamente abandonados. Pobres sementes entregues ao acaso de um solo violento. Nem no abandono fomos completos. Isso é triste. Abro os olhos. Desisto de rezar. O som do cara ao meu lado está alto. O que ele ouve é lixo, mas ele acha que todo mundo gosta de lixo, que o lixo é uma coisa legal. Então ele distribui lixo para todo lado. É assim que as pessoas tentam ser legais. Eu não sabia ser legal. Isso sempre foi um problema. Não sabia adivinhar o próximo movimento, o próximo lance, o que as pessoas gostariam de ouvir. Quando tentava fazer isso eu me tornava patético, risível, estúpido. Agora eu aprendi. Agora eu sei ser legal. Você precisa ver como me tornei um sujeito legal. “Olá senhora fulana” “Bom dia senhora Betrana”, “Muito obrigado por me ferrar senhor fulano”. Ah, por dentro eu rio e desprezo, como são estúpidos!
Mas, falando de novo daquela paixão, ela sim foi estúpida! Eu lhe dei a rara oportunidade de lançar um olhar para o outro lado do muro, mas ela só queria uma aliança. Que bobagem carola! Como é que se pode extrair arte verdadeira das entranhas de uma igreja? Um cadáver cantando? Ah, mas me faça um favor! Porque vocês não vestem logo um manto sacerdotal e dedicam-se à nosso senhor? Fidelidade, casamento, dar satisfações à família? Frio ou quente, não é isso? Senão vos vomitarei da minha boca! Não sou eu que digo, é o próprio e sagrado evangelho! Mas ela queria ser morna. Queria a loucura entre as paredes de um condomínio e depois de me apresentar às amigas. Por isso saiu por aí gritando feito uma louca que eu a destruí. Mas veja, mesmo nesse momento eu enchi a vida dela de poesia. Os seus últimos contos foram sobre a minha imaculada pessoa. Mas não é assim. Eu a queria aqui. Sim. Estou apenas me desculpando, desculpe. Sou louco. Sou louco. Sou louco. 

sábado, novembro 10, 2012

Mantra da incerteza.


Eu gosto dos súbitos instantes em que você percebe que está no meio da multidão e, no entanto, sozinho. Talvez exista algo de patológico nesse prazer espontâneo, é bem verdade. Contudo, não temos muitas escolhas quando nosso estado de espírito não nos parece resultado de outras escolhas. Eu assisto estupefato o espetáculo das massas aglomeradas em torno de cantores, times de futebol e lugares de recreação e não compreendo nada. Não reprovo a ninguém. Nada me parece baixo ou vulgar. Contudo, não os compreendo assim mesmo. A previsibilidade me assusta. Temo ser flagrado sendo óbvio como se isso fosse um crime e, no entanto, não posso negar que existe alguma obviedade nisso também. Mas isso é só um jogo de palavras. Os jogos, os esportes, as religiões, aldeias, ideologias, rituais familiares, convicções...tudo que dota a alma de um verniz de estabilidade e segurança que me causa repulsa. Gosto das coisas imprevisíveis, dos amores cegos, das paixões sem expectativas, dos lugares para os quais ninguém olha, dos caminhos abandonados do recorte desassistido de uma árvore contra um céu sem atrativos. Não entendo também porque cheguei nesse ponto. Não pretendo me justificar. Nem sei por que escrevo agora. Talvez em função de um estado de espírito passageiro, do qual não me lembrarei dentro de alguns minutos, que leva os meus dedos a se movimentarem sobre o teclado. Se você está lendo essas linhas agora isso também é por puro acaso, porque não penso nem por um segundo em lhe agradar com o que escrevo. E se você não lê isso só confirma o fato de que sou bem sucedido em minha desatenção às suas expectativas. Se nada na natureza tem finalidade, porque haveria a arte, ou a vida,  de ter um sentido? Esse é o motivo, penso, para existirem tantas perguntas e tão poucas respostas plausíveis. Encontro, quando não estou imerso no desespero, um valor infinito na incerteza e em tudo que é frágil. Não preciso de metafísica nenhuma para isso. Só preciso sentir e deixar que um sentimento dê lugar ao outro como um rio poderoso a arrasta em si tudo que existe. A multidão parece não perceber, mas não quero condená-los. Quero apenas me afastar deles para não reter o ritmo incessante dos meus fluxos e refluxos. Quero ser meu estar, meu infinito ir e vir que me enlouquece, me extasia e que talvez me destrua, mas é tudo que tenho de mais valiosos, mais nobre, mais simples. 

segunda-feira, outubro 29, 2012

Pressentimento.

Não me fales das coisas doces, alegres
que meus dedos trazem marcas de tinta
como garças que já foram brancas e leves
cobertas do óleo  que o oceano inteiro  pinta

Talvez um dia a chuva lave, as asas, 
como uma noite de tempestade que termina
com um amanhecer suave sobre as casas
e o riso alegre na brincadeira das meninas.

Mas até lá, cada um com o seu fardo,
devo me aceitar como eu sou
confuso poeta do riso mal-formado


Algo germina em nossa vida
uma semente de amanhã que não brotou
e que nos pede uma breve acolhida.

domingo, setembro 09, 2012

Do outro lado da rua.



Elas estão por aí
deslizando suaves, com seus longos,
leves vestidos,
dizendo coisas engraçadas e
exigindo tão pouco.
Em algum lugar
em algum momento
olhando para alguém
virando a página de um livro
com dedos mágicos
e uma ansiosa vontade de
ser diferente.
Posso vê-las, com os olhos luzindo
os lábios famintos
a cintura inquieta
e alguma capacidade
de amar.
Sim, eu tenho certeza
que elas estão por aí.
Talvez bebendo em bares
que eu não frequento
conversando com amigos
que eu não conheço
assistindo filmes que não
sei que existem
indo a shows enquanto
eu fico em casa.
Perdido para todas
elas,
com minha cerveja,
meus males,
tantos e inúteis poemas.
enquanto elas estão por aí
em algum lugar pelo qual
eu jamais passarei....

quarta-feira, agosto 08, 2012

Nemêsis


Nós ficamos parados pensado
Que viver não tem consequências
e que as pessoas irão entender nosso brio...
Quando o cheiro das coisas femininas
 grudado na cama
não deixar espaço para o encantamento
com Mozart.
Quando as horas imensas de solidão e vazio
Se arrastarem por debaixo da porta
Com sorrisinhos maldosos de escárnio.
Quando estivermos loucos, desempregados, velhos
Sedentários
E movidos por uma compulsão para a morte
Que só se detêm por
Vergonha.
Por não querer lutar nem admitir a derrota
Por desprezar as regras do jogo e não conseguir viver
Sem o prêmio
Por onerar as energias do corpo com fantasias infantis
Souls de Al green, Vitrines de Ruban
E delírios místicos de um Krishnamurti sereno...
Pétalas afiadas de fogo enfiadas em nossa medula
Maldita
Maldita
Maldita

As noites serão longas e o sono
Nosso inimigo
Pagaremos com sangue a coragem de viver
Por inteiro.

Regojizo dos insetos infames
Aleluias para o lixo da terra. 

quarta-feira, julho 18, 2012

finitude.

Dessa vida, nada fica
de tão rica.
esgota-se, escorre, gasta
pois basta.
para um homem seu agora
onde edifica
observa 
e passa.

quinta-feira, julho 05, 2012

Cactos

Há cactos insones, no deserto
que florescem sem alarde
para a areia
assim como borbulham
covardes
um milhão de paixões
em minha veia.

sexta-feira, junho 29, 2012

Apesar disso tudo.


Há tantos espaços rondando as esquinas
Há tantos abismos encobertos com
Som
Muitas peles cuidadas, muitos sorrisos tratados
Muitos carros, muitas escolas,
Edifícios, viagens, trabalho
Ciência
E um imenso terror que ninguém
se atreve a encarar.
É algo sem nome e frio
que fala ao meu ouvido
em sonhos
dos quais só acordo
entre gritos
.
 Por isso nas noites vazias
em que minha mulher adormece
eu ando pela casa
procurando palavras
Para me proteger das visões
Para exorcizar esse espectro
Para esquecer os caixões
Para não lembrar
Dos esgotos que passaram
por sobre
todos os meus brinquedos..

Mas apesar disso tudo
Entrevejo flores sutis
Que resvalam nos pés
Da futuro
Depois desses dias
Tão feios.
Por isso eu me banho
Entre nuvens
Por isso eu espero
Por ti.

sexta-feira, maio 25, 2012

Preço do tédio.



Exorcizar o tédio 
com a paz de um 
sopro,
mesmo que o medo
me venha à cama
eu pago agora
o preço
dessa luz 
cigana
para apaziguar

minh'alma

Que se desfaz
em lama.

sexta-feira, abril 27, 2012

Retirada.


Foi através de um jornal
Geralmente tão feio, tão sórdido
E humano
Que me veio uma lição de coragem
Na forma de um suicídio.
Quem se Mata geralmente é estúpido
Apressado, endividado ou simplesmente
Vaidoso
Mas aquele abandono da vida
Era diferente:
Uma velha de mais de 100 anos
Resolveu que já estava na hora
E matou-se.
Um tiro.
Uma decisão em
Uma manhã fria
Depois do café
E acabou.
Não tinha paixões
Não estava sofrendo
Lutou o que havia
Para ser lutado
Deu cabo de sua própria
Cabeça...
Que lindo!
A coisa mais perfeita
Honesta e sincera
Que já vi um ser humano fazer.
Morreu no próprio quarto
Com um bilhete onde dizia:
“Cansei!”
Depois de ler a notícia
Entornei  5 garrafas de vinho
E tive pesadelos terríveis
À noite.
Pela manhã me senti bem mais leve
e o horizonte me pareceu
bem mais claro.

terça-feira, abril 24, 2012

algo


O que faltou para ser algo mais?
O que ficou dessa palavra vazia?
O que eu fui quando eu ainda não era
Alguém?
Os cravos e as laranjeiras não floresceram
No outono
As horas doces
só foram
Serões de espera infinita
E minha voz ficou gasta
Meu coração ficou
Pérfido
Porque nunca aprendeu
O amor.
Essa sensação de ser outro
De pressentir o apoio
Pro salto
de ter o abraço
para onde fugir.
O mundo é uma coisa deserta
As pessoas são fantasmas
De gente
O amor é uma cadeira de ferro
E meu peito é um relógio exausto.
Hoje pressenti um espasmo
E nunca me senti tão sozinho.

Pressentimento frio.


Minha casa desajeitada
Com muitos livros,
Poucos Barulhos
Onde me escondo
Onde me esquivo
Onde escrevo canções de amor
Onde evito
os sinais do horror.
Minha casa tem cantos frios
Brisas geladas e pensamentos
Muitas leituras interrompidas
Vozes das  almas
Já esquecidas.
Meu quarto de cansaço e Luz,
Minha paixão,  que nada seduz.
Minhas origens, tão complicadas;
Fio de sangue, marcando a estrada.

domingo, abril 15, 2012

Óleo quente, metafísica e ressurreição.

Eram dias em que eu andava cansado demais para concatenar especulações metafísicas. A patroa de mal humor há algum tempo andava me vigiando os bolsos e resmungando suspeitas sobre suspeitas, no trabalho todo dia o serviço aumentava e mesmo assim os boatos sobre demissões se renovavam há cada semana. O Ezequiel gostava de conversar enquanto carregava os pacotes de carvão para dentro do cilindro do filtro, onde o óleo da mamona passava por um processo de limpeza antes de se misturar com a soda cáustica.

- A realidade existe ou é um sonho?

Ezequiel interrompia o silêncio (quer dizer, o barulho) da fábrica com essas perguntas cretinas sem nenhuma razão específica. Às vezes eu precisava de alguns minutos antes de me dar conta do que ele estava falando.

- Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

-Mas é uma questão crucial! Sabe, os budistas tibetanos dizem que se entoarmos o mantra correto na hora da morte...

-Ezequiel, por favor! Sobreviver já é complicado demais sem essas suas perguntas. Pegue outro saco de carvão e vá colocar no cilindro, é a sua vez agora.

Ele dava um risinho com o canto da boca e descia as escadas para colocar mais carvão no filtro. Estava convencido de que eu era um místico enrustido. Imbecil. Para mim ele era apenas mais um sujeito procurando por um bote salva vidas ao invés de aprender a nadar. Eu ficava na refinaria de olho na pressão do óleo quente. Isso sim era importante. Um colega nosso, o Prospício, perdeu o controle da pressão e um dos filtros estourou cobrindo o sujeito de óleo fervente. Pobre diabo. Nunca mais iria conseguir encontrar nada que quisesse trepar com ele sobre a face da terra. É isso que acontece com quem se distrai. A menos que você tenha um papai e uma mamãe fazendo linha de frente para você, é crucial nunca ficar desatento. Essa sim é uma lição que vale a pena ensinar. Preocupe-se com o próprio couro, a menos que alguém esteja fazendo isso por você. É o diferencia os sobreviventes desses menininhos e menininhas encantadas, sonhando com marijuana, revolução, nirvana e amor eterno.

O alarme da bomba de óleo tocou: era hora de folgar as prensas, separar as imensas placas de metal e raspar a borra quente que ficava presa nas lonas do filtro. A borra era uma espécie de lama endurecida, preta e quente, que raspávamos com uma espátula para dentro de uma imensa tigela que ficava embaixo dos filtros. Depois retirávamos tudo com uma pá para um carro de mão e jogávamos no lixo o material. Isso tudo era feito entre as 10 da noite e às 06 da manhã. Não tínhamos sonhos. Eu viva um dia de cada vez, e quando sobrava alguns trocados enchia a cara de cachaça vagabunda e ia dormir. Ezequiel ia a um puteiro e deixava tudo com as garotas que aceitavam as mixarias que ele podia pagar.

Um dia Ezequiel não foi trabalhar. Fiquei preocupado. Eu sabia que faltar ao trabalho significava demissão. O patrão, um cearense tosco que se chamava Nero, não assinava nossas carteiras, não nos dava uniformes, e demitia por atraso, falta, corpo mole ou simplesmente por não ter ido com a cara do sujeito. Ezequiel não foi mais trabalhar e eu não o vi mais durante muito tempo. Um dia descobri que Ezequiel havia entrado para o MST. Continuava um sujeito esquisito, sem noção da estrutura prática da realidade, mas pelo menos agora ele estava usando isso a seu favor: montado em uma máquina partidária Ezequiel descobriu como transformar o deslumbramento idealista em um modo de ganhar dinheiro. Um dia meu dente, um dos últimos 5 que eu ainda possuía na parte superior da arcada, inflamou e eu fiquei com a cara inchada como se estivesse com uma bola de golfe na boca. Não fui trabalhar e me demitiram. A mulher foi embora na semana seguinte, um motorista de ônibus havia lhe oferecido condições mais interessantes de existência: achei muito razoável da parte dela. No meio de toda aquela crise, desempregado, sem mulher, banguelo, eu ficava em casa comendo arroz com ovo cozido durante a semana inteira: Uma vez por mês minha mãe conseguia um quilo de frango que eu dividia em minúsculas porções e por isso durava uns 10 dias. Cheguei a pesar 7 quilos. Comecei a ler os livros que Ezequiel havia deixado comigo. Trigeirinho, Paiva Neto, Paulo Coelho, Osho, Kardec e todas essas coisas começaram a me parecer razoáveis. De repente minha miséria já não era assim tão miserável. Aliás, eu começava a me achar um sujeito muito melhor que a maioria. Passei a frequentar um centro espírita e rapidamente me integrei na coisa toda. Em face da minha situação de penúria uma das dirigentes do centro me auxiliava com uma sexta básica e algum trocado de vez em quando. Minha ex-mulher me visitava às vezes e eu lhe pregava imensos sermões metafísicos. Ela dividia minha cama comigo e depois voltava para o motorista. Eu me sentia culpado e passava o dia seguinte inteiro entoando mantras, mas na semana seguinte ela sempre voltava. Um dia ela apareceu grávida, disse que queria voltar e eu deixei. Claro que eu me separei um pouco depois. Mas o mais importante é que aquela criança mudou toda a lógica de meu raciocínio. O além não iria dar de comer aquela criança e nem eu conseguiria fazer isso se continuasse correndo atrás dele. Pensar desse modo fez toda diferença pra mim.

quinta-feira, março 15, 2012

Jihad

Vou fuzilar o céu
com meu olhar cinzento
enquanto o arado de minha palavra
tenta extrair poesia
do cimento.
Vou namorar uma certeza
e fazer versos para o papelão
carregado como ouro por àqueles
que como a minha alma
não tem pão.
Vou me conciliar com o momento
aceitar, dócil e suave, o seu conselho
enquanto preparo um atentado sanguinário
para explodir em cacos
o seu espelho.

terça-feira, março 13, 2012

Breve canção para depois de amanhã




Estamos esperando pelo fim dos trovões,
pela trégua dos golpes
pela radiosa manhã,
quando amaremos sem peso
e dividiremos os beijos
entre jardins de hortelã.

A paz germinará do horror
do pó destas guerras nascerá
o amor.

sábado, março 10, 2012

A vida não tem senso de humor.

As vezes você tem sono. Deita-se na cama porque pode senti-lo, entre o queixo e o tórax emanando um suave torpor que chega aos seus olhos no modo de um peso, uma areia, imagens. Mas então você fecha os olhos e o sono desaparece. Em seu lugar ficam as cenas, as vezes do dia vívido, as vezes da vida sonhada, as vezes do mundo malquisto; o fato é que você não dorme. No entanto é tarde e você sabe que precisa dormir porque amanhã precisa levantar logo cedo. Mas essa subjetividade pré-filosófica tem seus próprios mandados e não tem nenhum senso de humor. O humor é uma coisa que as pessoas inventam para se defender do próprio desespero. A ansiedade está lá e você sabe que existem pensamentos rondando que precisam ser evitados. Imagens do cadáver de sua mãe sob o mármore do necrotério, a último emprego que te demitiu, a aluguel que vence em 1 dias e que você não sabe como vai pagar. Não existem, que eu saiba, formulas para lidar com os pesadelos. Por isso as pessoas não falam umas com as outras sobre a maioria dos sonhos, sobre os pensamentos que as assaltam quando intentam dormir. Você e eu sabemos que não estamos dispostos a ser despidos dessa capa de heroísmo e liberdade que ostentamos na luz. Toda noite eu penso, por exemplo, na morte. Não exatamente com medo de morrer, mas porque existe algo nela que as explicações religiosas e metafísicas não me parecem dar conta. Eu falo da experiência, do cheiro, do gosto, da sensação do meu eu no instante da morte. Minha carne tão óbvia equivale ao bife de alcatra que agora sangra em cima da pia...ou não? Ah, essa faca amolada do fato cru e sem poesia que me persegue e me alcança quando intento dormir. A vida não tem senso de humor.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

As pegadas do pégaso escarlate - Um tratado sobre o Brio

Andando por uma praia deserta para tentar cauterizar mais uma chaga que me supurava no peito eu me deparei com uma garrafa que trazia dentro dela um papel. Pensei que talvez fosse uma mensagem de um naufrago, mas na verdade parecia um velho pergaminho, escrito em latim, que precisei da ajuda de um amigo da faculdade, especialista em filosofia romana, para traduzir o texto todo. Algumas partes ainda estão ilegíveis e talvez as publique depois. Seguem abaixo os trechos que consegui traduzir. O texto parece ser composto de aforismos soltos, com uma certa ordem temática. O autor se auto intitula Dom Germano, Leão de castela Velha. Um monge português, da época da expulsão dos mouros, ao que tudo indica. O texto é um pouco piegas e sacerdotal demais para o meu gosto. Bom, deixo aos leitores a responsabilidade em julgá-lo.

As pegadas do pégaso escarlate - Um tratado sobre o Brio

Não digas o que os outros querem ouvir, se você não quer se reduzir apenas o que eles se limitam a ser.

Não temas pelo que perdes em função da lealdade ao que a vida te tornou; a dor que se segue ao exílio fortalece as colunas do espírito.

Quem não te aprecia pela aridez que te cerca não sobreviveria sem crises nos desertos que tens que atravessar, portanto, existe sabedoria na lei da solidão que te cobre.

Ninguém estava contigo quando teu passo atravessou o abismo e portanto nunca encontrarás compreensão sobre a terra. Espera pelo milagre do entendimento, mas não condicione tua luta a ele.

Crê no amor, se ele vem iluminado pela saúde das coisas que se sabem relativas, mas não te aflijas por aqueles que procuram no amor um castelo contra tempestades. Eles foram criados em masmorras e agora não concebem a vida sem paredes.

Tua suavidade é o fruto raro que brota nas mais altas cordilheiras do seu pensamento. Quem não possui paciência, tato e força o bastante só poderá acreditar que és amargo. Não te inquietes.

Os que são como tu não te encontrarão, os que não são te cercam por todos os lados, e se eles te amam é porque tomam sua sombra por sua pessoa.

Como todos, tu também não sabes para onde estás indo, mas tens consciência do fato e eles não. A morte para ti é bem mais que uma palavra e a solidão é bem mais que o afastamento dos corpos. Sede firme como o velho arvoredo que se ergue confiante nas próprias raízes e bebe da seiva de sua curta estadia: o resto são apenas vislumbres.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Sobre as razões da mulher.

-Tantos mistérios, as mulheres...

- O que queres dizer com isso? Não leste Oscar Wilde?

-Todos os pensadores são machistas, pois a mulher só se revela na linguagem do símbolo, da arte e da poesia...

-Assim como o mistério e o segredo servem aos propósitos do totalitarismo...

- Mas uma verdade de Homens!

-Não, não; essa é feminina, Foi Hanah Arendt quem disse. E eu completo: O mistério é o recurso das pessoas que tem medo das consequências da verdade.

-E que verdade seria essa?

-Eu é que vou saber? Sei das minhas.

-E quais seriam?

-Que a vida é combate e não um sarau de poesia. A própria poesia se quiser fazer sentido deve traduzir e favorecer as razões do combate, caso contrário é um estorvo. Queremos, sobretudo, sobreviver e nos afirmar. A cultura fornece as armas e nós nos formamos através do seu uso. Pactos e alianças, amizades e amores, são sempre possíveis. Contudo, o que eles visam é sempre a auto afirmação em detrimento de qualquer tipo de hipotético entendimento. Honestidade para mim é não criminalizar ninguém por procurar o próprio gozo de um modo diferente do meu. As mulheres, em sua maioria, querem casar, fidelidade e filhos. Os homens? Mérito, reconhecimento, façanhas. São intrinsecamente e biologicamente determinados dessa maneira? Não. Mas a cultura lhes deu essas armas e vejo como algo impossível julgá-las a partir de critérios impessoais. Mas, reconheço, essa é mais uma verdade de homens.

- Tua visão das coisas me parece crua, machista e cruel...

-Me responde uma coisa...como era tua mãe?

-Candida, protetora, uma santa mulher.

-Está explicado. É a voz dela que fala pela sua boca.


domingo, fevereiro 26, 2012

Canção para as guerrilhas contra o medo.

Nada vem no vento desse lado
tudo que amamos corta
com o fio
da palavra
"nunca mais"!
Nós não sentimos com a pele
ou com os sapatos
nós estamos todos
perturbados
com a invisível tempestade
que nos cobre a alma.
Pessoas desaparecem
sem deixar vestígios
existem lágrimas e abraços
por detrás da porta
foices e masmorras copulando
com jardins de afeto
e uma fada tenebrosa
segurando a chave.
Precisamos, tu e eu,
estrangular o sonho
estraçalhar o medo
e sugar a seiva
de nossas madrugadas.
Precisamos suportar o peso
destas placas
que trazem letras vergonhosas
e pedidos de perdão.
precisamos conciliar adagas
com uma borboleta
intacta
que convida para o precipício
ou para o estranho limbo
onde encontraremos
paz.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Aos incautos.


As palavra que escrevo nesse blog querem ser lidas. As musicas que eu coloco nesse blog querem ser ouvidas. Os lamentos que escoam desse blog, que correm pelas ruas, que supuram nas esquinas querem despertar a piedade. O tesão frustrado que move os péssimos versos desse blog querem seu harém. Esse blog é uma lamuria, uma fanfarronada, um gesto vergonhoso que traria risos a boca desdentada de um mendigo. Mas esse blog não implora, não pede comentário e vai continuar se abarrotando das inutilidades que são destiladas pelo meu pensamento. Muito úteispara mim, elas são a esquiva e o golpe certo, a dança de Muhamed Ali e o soco de uma polegada do B. Lee. Acima de tudo ó incautos...Esse blog não barganhacomentários.
Existe um certo tipo de liberdade em ter provado do mais aflito desespero: quando se escapa disso com vida já não existe muita coisa que possa lançar trevas no horizonte.

domingo, fevereiro 12, 2012

A poesia é para essas coisas ardentes.

A poesia é para essas coisas ardentes

Que o mundo ignora com risos

Cada palavra é um grito

transformado em ouro

a poesia é a pirâmide onde adoramos a dor.

Oceano de imagens remotas

Sonhos de afeto inconcluso

A poesia é o grito sem som

De alguma coisa

Que nunca estará totalmente

Na luz.

É claro que estamos sozinhos

É óbvio que a alegria é um vulto

Mas a poesia participa dos golpes

Que conseguimos acertar

Na aflição.

Desde que nos percebemos

Errados,

E que somos pinos quadrados

Empurrados para encaixes redondos.

A poesia é a asa partida,

A magia que nem sempre acerta

A poesia é minha margem deserta

Onde chego quando naufrago

Do mundo.

sábado, fevereiro 11, 2012

Encontro de estação.

Paguei a conta e saí dali correndo. Não existe nada pior para mim do que perceber que as pessoas tentam me chamar a atenção. Me sinto acuado, acusado, sentenciado a ter que dar uma fatia de meu eu servida em uma bandeja brilhante e suntuosa. Mas não foi somente por esse motivo que eu resolvi pagar a conta e ir embora. A patroa certamente já devia ter chegado em casa e provavelmente já estava especulando sobre minhas primaveras: essa minha inconstância ainda me condenará à forca. Fato é que já havia deixado de sonhar. Tinha que pagar as contas (certo, isso nunca foi um problema para você, mas para mim é uma constante). Além do mais, tem toda essa dor que você precisa saber impor para usufruir de alguma alegria nessa vida. Sim, a crueldade é um dom indispensável. Claro, douramos sempre a pílula. Dizemos que não se trata de crueldade. “veja bem as coisas são assim, eu me apaixonei.” Besteira! É impossível colher um grão de alegria sem plantar mil sementes de tragédia, e veja que hoje ainda estou bem otimista. Bom, se estou ou não errado também não me importo mais em descobrir. Aprendi a ficar seco, a ser nobre e simples, e me preocupar apenas com o essencial. Não para ter um troféu ou um bater de palmas: elogios me dão vertigens e cãibras no intestino. Tudo que eu quero é poupar a energia, é me concentrar num alvo e tentar não errar em algo bem prosaico. Comer, beber, fumar, ser um pai razoável, um marido não muito escroto e depois morrer sem ovações e nem alarde; simplesmente desaparecer como se nunca houvesse existido.
Mas então desci pela rua meio zonzo pelo álcool e vi uma senhora, muito bonita, encostada em uma canto da rua, sendo abordada por um trombadinha. Não sou um tipo heroico, nem covarde, apenas um desses sujeitos que se tornaram imprevisíveis por não achar a morte um mal negócio. Fui na direção dos dois e ao me ver o trombadinha saiu correndo. A dona, uma mulher madura e muito bonita, estava visivelmente transtornada. Não parecia rica, nem pobre. Apenas uma mulher muito bonita salva por um sujeito muito feio.
-Ai, meu deus moço, não sei como agradecer. Aquele ladrão ia me levar a bolsa com documentos celular...
E começou a falar incansavelmente, e como gostava de falar! Eu apenas concordei com fazendo observações soltas sobre os riscos que o lugar oferecia, sobre a pobreza generalizada de Salvador etc. etc e etc.
Ela gostou de minha conversa intelectualizada e pessimista. Descobrimos que frequentávamos, sem nunca termo-nos vistos, lugares em comum. Me ofereci para acompanha-la até o seu carro e ela me ofereceu uma carona. Lia budismo e já havia sido casada com um sujeito que, assim como eu, também era professor de filosofia. Trocamos telefone e nos encontramos outras vezes. A coisa fluiu e lá no fundo do despenhadeiro de minha alma seca algo começou a se inflamar. Ela não se sentia a vontade com o fato de eu estar casado e a princípio se esquivou. Depois a coisa toda aconteceu e nos vimos diversas vezes, sempre muito mágico, intenso e verdadeiro. Mas as vezes ela não via as coisas desse jeito e me ligava louca cheia de impropérios para dizer a meu respeito.
-Canalha! Porque você não confessa logo que só quer me usar?
-Mas como assim baby?
-Como assim? Como assim? Vá para o inferno! Vá tomar...
E desligava em seguida ficando semanas sem me procurar, sem me dizer uma só palavra. Um dia ela não ligou mais. Desapareceu como uma miragem no meio do deserto, sem deixar lições ou cicatrizes. Era muito lindo e de fato ela me fazia sentir vivo de um modo incomum, mas simplesmente isso não me pareceu suficiente para destroçar uma outra vida. Claro, não estou disposto a correr para a montanha, e sem alguma transgressão e gozo é impossível realizar as metas mínimas dessa vida. Mas minha alegria é contingente, como tudo, apenas o fato incontestável da sobrevivência e da lealdade se impõe: não quero ser senão aquilo que posso me tornar sem sustos. Enquanto isso estarei atento a reinvindicações do acaso.

Medo.

Sentado sob a foice
deixo-me estar
cansado.
Sob o sarcasmo do garçom
minha cerveja me apoia
com um afago.
Sou o que sobrou dos precipícios
afastado, fervilhando e sem segredo
meu desejo é o ponto cego
entre a sua aurora
e o medo.

terça-feira, janeiro 31, 2012

Madrugada.

Existe uma fenda fétida que se abre
Nas madrugadas
Uma sensação de abismo que me acompanha
Sem redenção
Um pouco semelhante aos recessos de um
Outono
Folhas partidas e flores
De plástico sobre um caixão.
Tenho tantas canções que não posso
Nem sei compor
Pesos de muitos anos, labores de judeu errante
Afagos estrangulados e margaridas
Materialistas
e muitas palavras doces para
substituir o amor.
Nos meandros de minha escolha
Surpreendo alguns meninos,
Atalho velhas bondades que se fizeram
Malvadas,
Bebo na escuridão do meu veneno nocivo
E morro sem novidades
Sem pai,
sem mãe,
sem amor
Sem nada.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Hoje eu perdi meu girassol sem sorrisos.

Hoje eu perdi meu
girassol sem sorrisos
que beijei na noite passada
como um anjo
sem saber que era um último
Adeus.
hoje eu vim
do plantio das lembranças
tentando mastigar taoismo e
tragédia
em um só coração solitário
que nunca mais terá abrigo
na terra.
Mas se as flores forem
sensatas,
se o vento possuir um corcel
meu girassol passo-a-passo
irá reflorir entre estrelas.
Com um sorriso refeito
de moça,
encantada novamente e
linda.
Se existir um deus nos espaços,
se os pássaros entenderem da dor
meu girassol ficará guardado
na luz.
Minha presença
que deixo seguir,
serena memória de amor.

domingo, janeiro 22, 2012

Porque as ruas estavam dançando quando eu saí do espelho?

Porque as ruas estavam dançando
quando eu saí do espelho?
Mãe, eu que havia estado estado contigo
enquanto perdida entre os caminhos da alma
você não me sorriu
ou notou.
Cinderela costurada entre sondas
também não compreendi
seu amor.
Eu possuía apenas minhas pernas,
meu fardo, algumas moedas,
cigarros,
e um passado sem canções
de ninar.
Eu apenas andava entre os carros,
apenas tinha vergonha do choro
apenas odiava tanto a Deus
que a face da terra incomodava
minha pele.
Eu não era um homem,
eu não estava entre os outros,
havia depositado minha senha
sobre sua testa
partida.
Sobre esse estranho cuidado opaco
sobre o recipiente vazio
de onde escapam gemidos.
Eu não era um homem,
eu nunca fui um menino,
eu sempre escorreguei entre os
cantos
tentando evitar novas dores.
Eu tenho pena dos postes,
eu lamento pelo sorriso
das putas
eu me devastaria sorrindo
para aniquilar da existência
essa coisa que se perpetua
entre espasmos.
Eu pensava, soluçava e sorria
em meio a frenética rua
que procurava me conter e domar
enquanto você comtemplava
o Lobato,
Periperi,
e remédios,
tudo seguindo sem rumo, sem flores,
como um rio entorpecido no inverno.
Alguma coisa em meu peito
espera
algo aqui dentro ainda pode
partir
enquanto lhe olho e reflito
e o mistério do mundo
é solidão minha mãe.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Banquete

Śentado em um trago
calado
me percebo entre escombros
de vida
e algumas máscaras
partidas
para esconder a carcaça.
Trago uma caixa oca
entre os braços
e um nome geralmente maldito
para um sonho
singelo
em pedaços.
Tudo que aprendi do amor
se resume em sangue
e navalhas
o aprendizado da queda
em etapas
esse banquete de exigência
e batalha.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Eu sinto.

Não sinto saudade dos meus
dias de infância,
não sinto saudade.
Das horas tristes inventando brinquedos,
do abandono no quarto onde iriam
Me arrancar as amídalas
Da visita breve da mãe
Com um carro de bombeiros de plástico
Muito mais falso que a obrigatória
Visita
Não sinto.
Não sinto saudade,
Da mocidade,
Da puberdade sem namoradas
Ou sonhos,
Da vagabundagem sem destino
Ou honra
Dos amigos fracassados e parvos
Tão decaídos que conseguiam
Me ter por herói.
Não sinto saudade.
Não sinto saudade dos arcanos,
Dos mistérios inefáveis dos anjos,
Do sentido ideal de ser pleno
Da compreensão telúrica do nada
Daquela miséria travestida de luz.
Eu
não
sinto...
Meu passado é algo que tento
inventar de outro jeito
para saber que fiz o melhor.
exceto por um breve intervalo sem tempo
tocado pela mão do acaso
iluminado pelo poder do seu riso,
pela harmonia do olhar
Do conforto infinito do abraço
Da melancolia que confortou
Meu cansaço
Eu sinto
Que de algum modo inefável
Tudo aconteceu por você.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Sobre a palavra.

Amor é uma palavra bonita,
para sintetizar uma lista imensa
de vícios feios
e fracos.
Sua pele enrijecida
haverá de resistir
seu dedicação
a guerra
deverá sobreviver.
Forte
seguro
exato
pois o deserto não
perdoa
os que esquecem
do combate.

Não há espaço na vida
dos que lutam
para o que exige
devoção
e culpa.

Toda beleza que preciso
guardarei nestes porões
vigiados por demônios de granito
rebrilhando como o infinito.

Retorno.

Então eu retorno para mim:
terminada a curta estadia
entre tormento e paixão.
As palavras duras e fortes,
as acusações criminosas
todas as coisas feias
e más
que acontecem no fim.
Existem algumas lições que
um homem cansado não deveria esquecer;
a lei das sangrentas trincheiras
e as noites amargas de luto
para enobrecer algo amargo
é preciso muito mais que
palavras.
No final existe a cerveja,
existem os poemas
existe a jornada pelo
interior do deserto
e o pequeno girassol que carrego.

No final existo somente
nesse espaço silencioso e vazio
pasmo, carregado e ferido
que denomino curiosamente
de EU.

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Serenata e luto.

O peso exato do vento tem um nome,
e a cor das coisas se dissolve
no painel confuso das memórias que cultivo
para não perder o que deixaste em mim
de eterno.
A deriva nesse mar de atalhos,
Combatendo nessa guerra de contrários
Com as mãos sedentas de algo sóbrio
Como a polpa do carinho que sorvi
Contigo.

A noite se estende até o oceano
Os meus livros de estudo silenciam
E eu compreendo que também não
Tenha sido
A ocasião propícia para sermos NÓS.
Mas agora que não há razões
Agora que estás distante
Agora que luz perene dos seus olhos
Me deixou
Eu sento, sem metáforas, e acendo um cigarro
De luto por mim mesmo
E vazio de tudo
Menos de ti.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Sobre flores e guerrilhas.

Se o azul do céu tivesse som
E Se eu absorvesse a lição das rochas
Poderia haver compreensão
Para o sentido desses dias
e eu poderia esquecer tudo que houve
E seguir como seguia sem saber de ti.
Extático, informe e complacente
Mastigando a medula dos momentos
Para tentar sobreviver.

É certo que tens suas razões
É razoável que as estrelas queimem
que os vulcões consumam
que a substância do universo seja
furiosa.
Mas estou exausto...
E no que deveria ser e foi oásis
Não suportei encontrar mais aflição.
Pois eu cheguei inadequado, trôpego
E cansado
E você foi brisa, completude e brio
Sensação de aurora e fruta fresca
Madurês perfeita para saciar
No estio.

Mas os campos foram devastados
E minhas crianças calcinadas
Viram a madrugada aparecer em meio
A gritos.
Meu terror insone, teu peito destroçado,
Sua expectativa morta, meu pobre anelo
Enlameado por palavras de desdém.
Eu sei que me tens por homicida
Irmão de porcos, devorador,
Mas eu de ti só levo gestos soltos,
Desconexos;
Visões de mortos, luta armada,
Paz de afeto, lições de amor.

De tudo isso, não sei o que ficou
como pode a primavera suscitar vulcões?
como pode a lei das flores degolar bebês?
Pasmo eu sigo com essas questões
nessa hora fúnebre em que a luz se apaga.