domingo, outubro 30, 2011

Perfeição

Algumas palavras, alguns versos tortos.
A tarde se arrasta sob o asfalto e os sons
das famílias batem nas suas janelas
como aves estraçalhadas pela luz dessas coisas
que não podes dar jeito.
O amor não é um convite
a paz não é uma opção
enquanto acumulam-se as garrafas vazias
os livros por ler,
as objeções ao destino
e os beijos não dados
os versos se reproduzem infestando
as páginas em branco
até então tão perfeitas

quarta-feira, outubro 26, 2011

Sem controle.

Não temos controle. A vida segue um fluxo cuja causalidade complexa nos escapa e nossos planos são apenas desculpas honrosas que servem apenas para salvaguardar nosso auto-respeito. Claro, algumas coisas pequenas podem ser controladas. Pode-se evitar, como razoável segurança, certos males como a gripe, a caspa e doenças venéreas. Contudo nas questões essenciais, nas questões que envolvem a certeza acerca do resultado de muitos de nossos mais nobres esforços estamos todos na sombra, tateando e repetindo para nós mesmos que temos certezas. Podemos admitir tudo isso sem muita dor quando o que está em questão são coisas ínfimas e secundárias, mas quando o destino nos obriga a reconhecer que aqueles motivos que constituem o cerne de nossos propósitos, a razão causal de nossos sacrifícios, o mundo se desagrega em um caos. É assim que me encontro agora, mais uma vez ameaçado da privação da pouca sublimidade que preservei ao cinismo. A pior das suspeitas é a de que o deserto não acaba onde nossa vista alcança.

terça-feira, outubro 18, 2011

Eu & você

Se seu coração fosse uma sede de vida
meu coração seria uma pedra de sal,
um buraco negro que mastiga a si mesmo
enquanto devora toda a luz sideral.

Se seu sonho fosse uma lei coerente
meu amor seria uma perversão terminal
uma violência de noite de núpcias
que se alimenta da perversão conjugal.

Se você fosse, do outro lado do medo,
uma certeza, uma palavra, um tratado,
eu seria a mudez sem segredo
de um violento animal descarnado

sábado, outubro 01, 2011

Falta de imaginação.

As coisas em geral deixaram tão pouco em mim para ser amado que me surpreendem os esforços de outras pessoas para esperar algo mais que cansaço destes meus dias no mundo. Todos eles vão achar que é exagero, mas as provas estão espalhadas por toda parte. É verdade também que tenho as costas bem revestidas e uma resistência quase espartana ao flagelo, isso me trouxe até onde estou; mas não serviu para reflorestar o deserto. Em geral não tenho muita imaginação, nem fantasias, sonhos ou utopias, assim como um velho beduíno atravessando um jardim de cactos e escorpiões meus pensamentos desconfiam uns dos outros e de modo nenhum conseguem cooperar para produzir, mundos, pessoas, aventuras e ilusão. A desconfiança, a dúvida, a perene e judia sensação de que um Golon mesquinho me espera por detrás dos arbustos me veda o acesso à inspiração, ao bom humor...ao agrado das multidões. Mas ainda assim algumas almas esperam algo de mim, e eu não consigo entender esse gesto, sem o qual no entanto não sobreviveria; e no entanto não posso corresponder a esse movimento por total cansaço e falta de imaginação. Um sobrevivente de si mesmo tem dificuldade em viver com aqueles que nunca morreram para suas próprias almas. As vezes me perguntam sobre o suicídio. Respondo que acho uma idéia imbecil: o mundo não é assim tão interessante a ponto de me levar ao suicídio como medida de retaliação. Se as pessoas se matam, eu penso, é porque esperam que suas mortes provoquem alguma comoção nos que ficam. Não tenho imaginação o bastante para imaginar que minha morte possa alterar algo na ordem das coisas. Seria como a queda de um copo, o cancelamento de um vôo, um verão sem sol; depois de passadas as poucas e obrigatórias manifestações de luto tudo seguiria normal e cegamente como sempre foi. Meu ego é apenas o ponto de tensão para o qual convergem meus conflitos e isso não diz respeito a nada nem a ninguém: é apenas uma fatalidade.

No entanto não invejo as pessoas presas e arrastadas nas teias da busca de relevo, admiração e aplauso. Me parece uma vida tormentosa. As famílias são armadilhas terríveis das quais dificilmente escapamos ilesos. A falta de alguma coisa desse tipo não deixa de ter o seu mérito, ou não; mas prefiro ficar a distância, isolado, sustentando apenas a relações inevitáveis que o acaso me legou por capricho. Algumas são brilhantes e infinitas que me acalentam em meio a bruma e a cinza, algumas são oscilações confusas que ora me fazem acreditar que se pode viver como eu vivo e ora exigem de mim uma mutação impossível; outras são apenas caos, confusão e loucura. Uma Geena de faces horrendas com palavras desconexas, espasmos críticos e violência involuntária. Mas eu já sobrevivi a estes e muitos outros horrores, eu ainda tenho algumas cartas na manga, e talvez ainda consiga reverter o ritmo que as coisas tomaram antes que todos desistam disso que o mundo deixou do que eu era.