quinta-feira, setembro 19, 2013

O velho.

- Seja doce, mas também tente ser firme. - o velho dizia -  Na dúvida sobre ser firme ou doce sempre prefira ser firme.

Ela me dizia essas coisas entre uma baforada e outra do cachimbo de madeira enquanto apertava e enrolava uma madeixa do cabelo branco cada dia mais ralo.

Os velhos são maus conselheiros, meu filho. Os pais são suspeitos aos olhos dos filhos. São sombras do passado sobre o futuro, e o passado é sempre muito cruel . A imaginação precisa ignorar um pouco o passado para se lançar em direção ao futuro. Por isso os velhos são maus conselheiros aos olhos dos jovens, por isso os jovens são estúpidos aos olhos do velho. O passado é feito de dores, o futuro é tecido com sonhos. Os velhos aprenderam a ser firmes, os jovens gostam de orgulhar-se de sua doçura. O velho já foi jovem e o jovem vai envelhecer. O passado e o futuro dançam abraçados a todo momento. Tente ser doce, mas seja firme também. Não fraqueje, não oscile, não se abra, mas, mesmo tempo, tente não ser cruel ou indiferente. Simule um outro você que seja sensível e mantenha-se, no entanto, guardado e imaculado para não envelhecer com a morte dos sonhos. Vida a vida dos outros mas não espere muito dessa vida. Deixa sua doçura secreta, imaculada, guardada por dois serafins furiosos, e jamais deixe alguém passar por esses portões. Lá no fundo do vale deixe seu sonho. No mais seja firme e seja doce, mas não confunda nenhuma das suas coisas com o que você é realmente.

Eu não entendia o que o velho me dizia. Aquilo parecia-me muito complicado e secreto. Eu gostava de conversar com o velho. Os outros meninos não gostavam. Diziam que o velho era chato, dramático ou louco. Eu não achava. Gostava de conversar com o velho. Mas naqueles dia suas palavras me deram medo. Não dormi naquela noite. Soube que o velho tinha morrido alguns dias depois. Não fui ao enterro, mamãe não deixou. Nunca mais encontrei quem falasse  comigo como o velho falava. De algum modo que ainda não compreendo sentia que algo nele se parecia comigo. Depois que o velho se foi nunca mais consegui perceber esse tipo de identificação com ninguém.

sábado, setembro 07, 2013

Breve Tratado Sobre a Decomposição da Luz.



Já tive muitos momentos horrendos
Mas também dias de sol
Muito breves.
Eles chegaram e se foram
Como garrafas arrastadas pela maré
Para sempre.
Ela gostava de me ver acendendo um cigarro
Gostava de me ver escrevendo,
careca e barrigudo,
Achava charmosa minha decadência.
Possuía um par de oceanos furtivos
Tinha um ar de quem escondia um segredo
Sabia me cativar pelo toque
E fazia essa fúria constante dormir.
Um dia ela se foi sem alarde
Silenciou sem escândalo:
Desapareceu,
Saiu correndo,
Se foi.
Como tudo de doce que eu tive
Ela também escapou bem a tempo
Hoje, quando acendo um cigarro
(mas esse é o meu menor defeito)
Ainda lembro-me dela sorrindo
Extasiada e repleta
De amor.
Sim, ela  tinha o dom precioso
De ver aquilo que eu gostaria de ser.