sexta-feira, abril 27, 2012

Retirada.


Foi através de um jornal
Geralmente tão feio, tão sórdido
E humano
Que me veio uma lição de coragem
Na forma de um suicídio.
Quem se Mata geralmente é estúpido
Apressado, endividado ou simplesmente
Vaidoso
Mas aquele abandono da vida
Era diferente:
Uma velha de mais de 100 anos
Resolveu que já estava na hora
E matou-se.
Um tiro.
Uma decisão em
Uma manhã fria
Depois do café
E acabou.
Não tinha paixões
Não estava sofrendo
Lutou o que havia
Para ser lutado
Deu cabo de sua própria
Cabeça...
Que lindo!
A coisa mais perfeita
Honesta e sincera
Que já vi um ser humano fazer.
Morreu no próprio quarto
Com um bilhete onde dizia:
“Cansei!”
Depois de ler a notícia
Entornei  5 garrafas de vinho
E tive pesadelos terríveis
À noite.
Pela manhã me senti bem mais leve
e o horizonte me pareceu
bem mais claro.

terça-feira, abril 24, 2012

algo


O que faltou para ser algo mais?
O que ficou dessa palavra vazia?
O que eu fui quando eu ainda não era
Alguém?
Os cravos e as laranjeiras não floresceram
No outono
As horas doces
só foram
Serões de espera infinita
E minha voz ficou gasta
Meu coração ficou
Pérfido
Porque nunca aprendeu
O amor.
Essa sensação de ser outro
De pressentir o apoio
Pro salto
de ter o abraço
para onde fugir.
O mundo é uma coisa deserta
As pessoas são fantasmas
De gente
O amor é uma cadeira de ferro
E meu peito é um relógio exausto.
Hoje pressenti um espasmo
E nunca me senti tão sozinho.

Pressentimento frio.


Minha casa desajeitada
Com muitos livros,
Poucos Barulhos
Onde me escondo
Onde me esquivo
Onde escrevo canções de amor
Onde evito
os sinais do horror.
Minha casa tem cantos frios
Brisas geladas e pensamentos
Muitas leituras interrompidas
Vozes das  almas
Já esquecidas.
Meu quarto de cansaço e Luz,
Minha paixão,  que nada seduz.
Minhas origens, tão complicadas;
Fio de sangue, marcando a estrada.

domingo, abril 15, 2012

Óleo quente, metafísica e ressurreição.

Eram dias em que eu andava cansado demais para concatenar especulações metafísicas. A patroa de mal humor há algum tempo andava me vigiando os bolsos e resmungando suspeitas sobre suspeitas, no trabalho todo dia o serviço aumentava e mesmo assim os boatos sobre demissões se renovavam há cada semana. O Ezequiel gostava de conversar enquanto carregava os pacotes de carvão para dentro do cilindro do filtro, onde o óleo da mamona passava por um processo de limpeza antes de se misturar com a soda cáustica.

- A realidade existe ou é um sonho?

Ezequiel interrompia o silêncio (quer dizer, o barulho) da fábrica com essas perguntas cretinas sem nenhuma razão específica. Às vezes eu precisava de alguns minutos antes de me dar conta do que ele estava falando.

- Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

-Mas é uma questão crucial! Sabe, os budistas tibetanos dizem que se entoarmos o mantra correto na hora da morte...

-Ezequiel, por favor! Sobreviver já é complicado demais sem essas suas perguntas. Pegue outro saco de carvão e vá colocar no cilindro, é a sua vez agora.

Ele dava um risinho com o canto da boca e descia as escadas para colocar mais carvão no filtro. Estava convencido de que eu era um místico enrustido. Imbecil. Para mim ele era apenas mais um sujeito procurando por um bote salva vidas ao invés de aprender a nadar. Eu ficava na refinaria de olho na pressão do óleo quente. Isso sim era importante. Um colega nosso, o Prospício, perdeu o controle da pressão e um dos filtros estourou cobrindo o sujeito de óleo fervente. Pobre diabo. Nunca mais iria conseguir encontrar nada que quisesse trepar com ele sobre a face da terra. É isso que acontece com quem se distrai. A menos que você tenha um papai e uma mamãe fazendo linha de frente para você, é crucial nunca ficar desatento. Essa sim é uma lição que vale a pena ensinar. Preocupe-se com o próprio couro, a menos que alguém esteja fazendo isso por você. É o diferencia os sobreviventes desses menininhos e menininhas encantadas, sonhando com marijuana, revolução, nirvana e amor eterno.

O alarme da bomba de óleo tocou: era hora de folgar as prensas, separar as imensas placas de metal e raspar a borra quente que ficava presa nas lonas do filtro. A borra era uma espécie de lama endurecida, preta e quente, que raspávamos com uma espátula para dentro de uma imensa tigela que ficava embaixo dos filtros. Depois retirávamos tudo com uma pá para um carro de mão e jogávamos no lixo o material. Isso tudo era feito entre as 10 da noite e às 06 da manhã. Não tínhamos sonhos. Eu viva um dia de cada vez, e quando sobrava alguns trocados enchia a cara de cachaça vagabunda e ia dormir. Ezequiel ia a um puteiro e deixava tudo com as garotas que aceitavam as mixarias que ele podia pagar.

Um dia Ezequiel não foi trabalhar. Fiquei preocupado. Eu sabia que faltar ao trabalho significava demissão. O patrão, um cearense tosco que se chamava Nero, não assinava nossas carteiras, não nos dava uniformes, e demitia por atraso, falta, corpo mole ou simplesmente por não ter ido com a cara do sujeito. Ezequiel não foi mais trabalhar e eu não o vi mais durante muito tempo. Um dia descobri que Ezequiel havia entrado para o MST. Continuava um sujeito esquisito, sem noção da estrutura prática da realidade, mas pelo menos agora ele estava usando isso a seu favor: montado em uma máquina partidária Ezequiel descobriu como transformar o deslumbramento idealista em um modo de ganhar dinheiro. Um dia meu dente, um dos últimos 5 que eu ainda possuía na parte superior da arcada, inflamou e eu fiquei com a cara inchada como se estivesse com uma bola de golfe na boca. Não fui trabalhar e me demitiram. A mulher foi embora na semana seguinte, um motorista de ônibus havia lhe oferecido condições mais interessantes de existência: achei muito razoável da parte dela. No meio de toda aquela crise, desempregado, sem mulher, banguelo, eu ficava em casa comendo arroz com ovo cozido durante a semana inteira: Uma vez por mês minha mãe conseguia um quilo de frango que eu dividia em minúsculas porções e por isso durava uns 10 dias. Cheguei a pesar 7 quilos. Comecei a ler os livros que Ezequiel havia deixado comigo. Trigeirinho, Paiva Neto, Paulo Coelho, Osho, Kardec e todas essas coisas começaram a me parecer razoáveis. De repente minha miséria já não era assim tão miserável. Aliás, eu começava a me achar um sujeito muito melhor que a maioria. Passei a frequentar um centro espírita e rapidamente me integrei na coisa toda. Em face da minha situação de penúria uma das dirigentes do centro me auxiliava com uma sexta básica e algum trocado de vez em quando. Minha ex-mulher me visitava às vezes e eu lhe pregava imensos sermões metafísicos. Ela dividia minha cama comigo e depois voltava para o motorista. Eu me sentia culpado e passava o dia seguinte inteiro entoando mantras, mas na semana seguinte ela sempre voltava. Um dia ela apareceu grávida, disse que queria voltar e eu deixei. Claro que eu me separei um pouco depois. Mas o mais importante é que aquela criança mudou toda a lógica de meu raciocínio. O além não iria dar de comer aquela criança e nem eu conseguiria fazer isso se continuasse correndo atrás dele. Pensar desse modo fez toda diferença pra mim.