quinta-feira, setembro 30, 2010

Mais uma sobre os 80

E foi a minha primeira festa. Meus tênis eram o que sobrou dos tênis de meu primo, pintados para encobrir o desgaste. A música era o melody new wave década de 80 com aquele globo de prata no teto pendurado. A camisa era um tanto encolhida pois já a utilizava há uns 5 anos. O amigo que me conveceu a ir era o Angelo. Um sujeito enorme, bom de briga mas por outros motivos tão quebrado quanto eu, ou mais. Hoje é pastor evangélico...é, acho que ele era bem mais partido que eu mesmo. Mas ele se dava bem com as garotas pelo menos, e não tinha medo da face carrancuda dos caras da favela. Eu tinha medo de tudo. A festa rolou e eu fiquei no canto todo o tempo. Aos poucos as pessoas foram se armando, como dizíamos na gíria da época, e eu fiquei parado ali no canto. Nem dinheiro pra encher a cara eu tinha. No final havia uma garota parada lá no canto. Bem feinha. Ela me olhou e me viu ali parado e sozinho. Há aquela altura o Angelo já estava com as calças nos joelhos. Eu estava esperando uma deixa pra ir embora, talvez ler o evangelho segundo o espiritismo antes de dormir. Mas ela se aproximou e me chamou pra dançar. Não imaginava sequer como se fazia aquilo. Mas tentei. Ela desistiu de me fazer tentar saímos e nos beijamos. O beijo dela parecia um copo de vidro frio e oco, mas os seios eram fartos. Para um adolescente aquilo era importante. Não fui amamentado quando criança e essas coisas marcam. Ainda fiquei com a Patricia alguns meses. Não fizemos sexo. Ela era virgem e jogava futebol o que tornava seus músculos e demais tecidos muito resistentes para um aparelho ainda em fase de testes. Terminamos quando conheci a evangelica que me deu a primeira ejaculação intra-orgânica de minha vida. Também rasgou as minhas costas de lado a lado. Mas isso é outra história.

Arte

Uma antiga arte que perdi,
Um talento heróico esquecido entre as vassouras
Que eu usava para varrer as pontas de cigarro
E os sorrisos de desdém das mulheres lindas.
Uma vontade nobre que caiu em algum lugar
Entre os horrendos cagalhões enormes que eu via toda noite
Depois que suspirava fundo, colocava a farda
e me relembrava do que me levou até aquele ponto.
Caído entre aqueles baldes, perdido no quarto da despensa
Coberto de sabão em pó e lama
Olhando em volta e tremendo
Talvez relendo lao-tsé.
Essa coisa breve, esse sopro lindo
Ficou lá.
Toda noite quando chego em casa,
Quando ligo a televisão, o computador, atendo o telefone
Vou dar aula na universidade onde garotos sadios e amados
Esperam que eu lhes diga
Eu lembro que aquilo está lá
Pensando em mim.
É uma vertigem...
Isso quase me dá força
E quase me destrói.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Sigo

Eis uma palavra sobre o que eu penso de tudo:

Eu sigo.

Completamente imerso na trama das coisas,

o mistério para mim é o som de uma vida que se esconde do incerto

E a morte uma flor sem perfume.

As coisas chegam e se vão, a dor é bebida nos goles

A alegria é permeada de dúvidas

O atrito dos dias é uma coisa confusa.

Quando as palavras fantásticas deixaram

De ter sentido para mim?

Amor, Deus, tragédia, infinito,

Sílabas organizadas sobre o desejo

De ser algo mais ou ser tudo.

Um desejo que não me basta,

Sigo em frente, não me iludo.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Metempsicose Cínica

Um dia eu fui um monge em Bombain

E me contorcia entorpecido de Alah

Dava corpo em verso as visões, Rishi

E tentava superar as contradições do meu Torah

Também já me vesti de Dharmapada

E caminhei orando do Tsé até Ganges

Transportando Sunyata e Amitaba

Adorando Brahma que tudo em si abrange

Já fui sacerdote silencioso na Alemanha

Ouvi Ekhart pregar os seu louco sermão

Bebi na América o suco de uma planta estranha

Que deixou nas portas da extrema comunhão

De tanta andança, tanta busca, sequei o meu ardor

Tomo alguns goles, crio os filhos, sigo em frente

E se algum cristão me aparece louvando o senhor

Sorrio, e me afasto da criança inconseqüente.

terça-feira, setembro 14, 2010

A vida pode ser uma coisa estranha que nos acontece

Ou que nós somos.

Um surto de cotidiano que seguimos, uma trajetória cega que sorrimos

Uma queda pesada no porão.

Quase sempre é nada disso, muito menos

Meros acenos sorridentes em direção ao sol poente

Que nos ignora como faz a multidão.

A vida pode ser a coisa errada que acontece a um menino

Maltratado, a uma mulher abandonada, a aquele velho que mora

Na escada

O único caminho que nós conhecemos,

Um golpe de pistola que assusta

Um sono doce que aos poucos esquecemos.

A vida pode ser nossa quinhão de pena, de medo, de desvelo,

De bravura

O monstro escondido as escuras

Que nada mais é senão nossa verdade

Para redimir Friedrich

Mas dizei, que poderá ainda fazer
uma criança, que nem sequer pôde
o leão? (...)
Inocência é a criança, e esquecimento;
um novo começo, um jogo, uma
roda que gira por si mesma, um
movimento inicial, um sagrado dizer
“sim”.
Sim, meus irmãos, para o jogo da criação
é preciso dizer um sagrado
“sim”; o espírito, agora, quer a sua
vontade, aquele que está perdido para
o mundo conquista o seu mundo.”
(Nietzsche, 1885: 44)

Estar vivo

Estar vivo é aceitar a sentença do instante
é ter sopro de sonhos, é imitar o imenso.
Estar vivo é aceitar que não somos os outros,
não olhar para os lados
nem atormentar os caminhos com tenebrosas canções.
Estar vivo é ter o condão de enganos, é ousar-se a transgredir
e não carregar consigo o remorso.
Estar vivo é olhar a estrada sem pensar em chegadas,
em combater sem descanso e descansar sem rancores
dar-se e tomar-se com os mesmos silêncio
pois quem muito fala
precisa convencer a si mesmo que vive.
Viver é dedicar-se ao declinio
aceitar a fração de deleite
e buscar no torpor o olvido
mas nunca deixar-se consumir
pela inveja.

Quebrado

Tudo está quebrado,
como quebrados estão nossos olhos
insônes.
Nosso passo passado de amizade
perdida
as mãos para a vida e o resto.
Tudo está definitivamente
quebrado.
Nada para reunir os pedaços
no filme parado
a bala ainda voa
para a testa
mas todavia ninguém morre na festa.
Tudo quebrado
Os céus estão quebrados
as montanhas quebradas
o sorriso das crianças que não nasceram
estão todos quebrados
tudo
tudo
tudo
quebrado.
E os pedaços se perdem na sucessão
dos instantes
entre sonhos
delírios
flagrantes
levados na ventania
enquanto tento apenas me erguer.
enquanto também precisamos viver.
mesmo fingindo que não está
tudo quebrado.
Reduzido a poeira arrogante
que exige bem mais
do que nunca foi o bastante.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Rio

Ela agora encontra-se em algum ponto

Entre o verbo caído e a sentença sem chão

Entre o contexto inscrito nos medos

Entre o oceano a o infinito do céu.

Eu penso nela que nem face possui,

Não tem ancas ou mechas mais inebria

O que penso,

como um tormento de sentimentos sedosos

com dedos de lindo futuro.

Ela agora tem meus sonhos sem forma

Sem memória ou zelo,

Telas cobertas de olvido

onde se desdobra pra mim.

Transita, equaciona e se divide

Em rostos, palavras, temores,

Questões inacabadas

e uma dor de ser eu.

Uma folha de prata refletida

Na língua fina do rio

Onde deslizas

Em outra direção.