quinta-feira, outubro 25, 2007

A estupidez de um dia

Enquanto a garota toma banho e se prepara para dar o fora eu fico estirado esperando que ela saia para conseguir respirar ar puro. Foram sessenta reais jogados fora em troca de uns quinze minutos de um gozo superficial e incompleto e um sentimento de impotência e frustração que se segue a relações desse tipo. Acho que a palavra imoral não se aplica no caso pois nós dois concordamos com os termos da negociação, e se seguirmos uma linha de raciocínio adotada pelo utilitarismo valor de moral de uma relação deriva de sua utilidade para a sociedade, e o que seria mais útil para uma sociedade de pessoas frívolas e cruéis que a possibilidade de uma relação temporária e baseada apenas na satisfação de necessidades imediatas? Cometo uma falácia? Pouco me importa. É assim que me redimo perante minha própria consciência pelos minutos anteriores sobre esta cama de motel barato. Cochilo um pouco quando acordo a garota já deu o fora. Levanto-me e vou me lavar na esperança de também limpar a alma que foi derrotada diante das justas reivindicações do corpo. Alma? Será?
Desço as escadas do motel assobiando qualquer coisa do Elvis, não por acaso a ingenuidade dele, e as orgias que ele depois promoveu em Grace Land me fazem lembrar meu passado de pai de família honesto, espirita empenhado e cidadão preocupado com casa, dinheiro... Dinheiro que agora uso para pagar um motel onde tentei minimizar as tensões do meu desejo em seu longo combate com as possibilidades da vida real. Dinheiro que me custa várias horas carregando fardos, perambulando a cata de serviços, dinheiro...
Uma chuva fina cai sobre a cidade e as pessoas com seus guarda - chuvas correm de um lado para o outro. Sorte de quem tem para onde ir quando chove o que não é o caso de uma família de sem – teto apertando-se o máximo possível debaixo do toldo de uma loja. Que ponte de comparações é possível construir entre seres nestas condições e os pançudos ricaços em suas luxuosas mansões? Ambos os casos causam-me tristeza e revolta e diante dos dois eu e toda humanidade estamos impotentes.
Os ricos não se convencerão de sua doença e os miseráveis precisam de bem mais que esmola e caridade. Encosto-me ao pára-peito de um prédio tentando abrigar-me da chuva que parece piorar a cada minuto. Meus sapatos vão se encharcando e minha calça jeans ( a única que tenho) já está úmida, daria dez anos de minha vida por um cobertor e um copo de vinho, coisas neste momento mais importantes para mim que a iluminação ou o reino dos céus.
Num breve intervalo de tempo percebo algo de estranho acontecendo em minha frente, uma senhora acuada a um canto da rua entrega sua bolsa a um rapaz quase colado a ela, ele olha para os lados assustado: é um assalto.
Meus nervos entram em estado de alerta e algo em meu coração começa a gelar, não sei se é medo, raiva ou desejo de estar enganado, porém, para minha infelicidade não estou e o homem corre na minha direção. O que eu tenho com isso? São só uns trocados a velha vai ficar bem. O homem passa zunindo por mim e contrariando todos os princípios de auto-preservação eu o agarro pela gola e ele vai ao chão, só que antes de cair me agarra e eu rolo com ele pela lama. Enquanto o chão se aproxima eu me pergunto por que fui tão estúpido, uma voz me responde que eu estava cansado de ficar só olhando fingindo que não é comigo, antes da voz dizer outra coisa um estampido ecoa na noite. Ele estava armado, algo em minha barriga começa a queimar, ainda consigo acerta-lhe um soco que o desacorda antes da vista começar a rodar, minha vida inteira desfila diante de meus olhos. Vejo meu avô me ensinando a contar, o nascimento de minha filha, minha separação, as noites de bebedeira e então, tudo se apaga.
Pessoas falando coisas incompreensíveis, luzes por todos os lados, o chão se movendo, um choro abafado distante e tudo se apaga novamente. Quando recobro definitivamente a consciência olho para o lado e vejo uma linda enfermeira mexendo em alguns aparelhos.
- Bom dia, senhor Leon, como está se sentindo?
- Eu estou no céu? Você é um anjo?
Ela não diz nada só balança a cabeça e sai. Enfermeiras, devem ser frígidas e masoquistas ou não suportariam ver tanto sangue e continuar sorrindo como fazem. A porta se abre novamente e minha ex-esposa entra chorando com minha filha nos braços. Acho que gostaria de ter ela mesmo feito o serviço.
- O que você quer fazer? Deixar sua filha órfã?
- Não, mais algumas pessoas tem se esforçado bastante para isso.
A pequena Tina sorri como se nada tivesse acontecido e principia com seu imenso estoque de perguntas, que o médico não me deixa responder, pois tira as duas da enfermaria e depois voltando-se para mim pergunta:
- Como se sente filho?
- Já estive pior doutor.
- O que você fez foi uma ação muito nobre.
- E estúpida também.
- Mas agora você vai ficar bem, não se preocupe.
- Obrigado doutor, mas eu duvido muito.
Os médicos sempre acham que possuem solução para tudo que entra no seu consultório, ou simplesmente não se importam? Não lhes tiro a razão, para conviver no dia a dia com exibição da face grotesca da vida devem precisar deixar algo morrer dentro do peito.
Lá fora a lua já brilha de novo no céu, pela janela do quarto vejo seu brilho, os prédios acendendo as luzes, os maridos cansados chegando a casa para o abraço dos filhos e o calor das esposas... Fecho os olhos relaxo e deixo o dia acabar.

"Homos decadentes"

Aprendi com a experiência a perceber quando a noite deu o que tinha que dar e a desistir de tentar prolongá-la através da madrugada a custa de pileques, cansaço e vexame. Tanto na guerra como na vida é importante saber a hora de recuar e viver um dia de cada vez. Por volta das onze horas da noite de qualquer sábado geralmente já estou tão bêbado quanto Buckowski. E percebo quase sempre que o álcool não compensa isso não me impede de beber no sábado seguinte levado pela velha compulsão de repetir os fracassos na esperança de algum dia ver a alvorada surgir na minha noite escura, entretanto tudo isso é só pendor poético e romantização. Eu não sou tão ébrio quanto gostaria nem tenho esperança alguma de que algo de novo possa mudar o atual rumo das coisas, no final de uma garrafa de vinho isso fica bem evidente. Dou uma olhada em volta e não vendo nenhuma beldade disposta a esquentar a cama de um escritor fracassado que já passa dos trinta me levanto meio cambaleante e lentamente abro caminho através do cardume humano que pulula na praça.
Carros, música, bundas e desespero sorridente zombam de minha trajetória. De repente uma voz familiar grita atrás de mim:
- Onde pensa que vai, seu banto? – Aguço o olhar e vejo vindo em minha direção duas figuras incomuns e conhecidas.
- Eu pensei que você já tivesse sido mandado para as minas de carvão do congo – Respondo-.
Frederico, o poeta Nerudiano, parceiro de outros carnavais e ex-rastafari espalha pelo seu rosto magérrimo (uma espécie de mistura de Gandi com Herman Hesse de pele morena) seu sarcástico riso enquanto seu companheiro Gustavo, um grande companheiro de abismo, me oferece um de seus entusiasmados abraços.
- Seu sacana, por onde tem andado? – Ele pergunta quando termina sua apologia.
- Fugindo dos pedagogos e assassinos – Exclamo olhando para Frederico.
- Você é mesmo um problema, então coloca os pedagogos no mesmo plano dos assassinos?
- Gustavo pergunta
- Não, os assassinos são mais sinceros- respondo.
Gustavo balança sua juba presa por uma tiara enquanto ergue diante de seus olhos de Garfield uma garrafa de vinho quase cheia e sorri. Essa vai ser uma noite difícil.
- Acho que não vou beber mais – Tento salvar o que me resta de bom senso.
- De jeito nenhum – Gustavo sanciona – Hoje é até o dia amanhecer.
- Vamos lá Leon, afinal há quanto tempo os três cavaleiros do apocalipse não se encontram? Afiei minhas esporas e vim para morder o pescoço de qualquer franguinha – Frederico olha para as meninas que passam ajeitando os óculos.
- Acho que já fomos um tanto longe demais numa mesma direção pra conseguirmos qualquer sucesso, nesse campo – Não concorda Gustavo?
- Que nada cara! Basta querer, sabe como é “chegar junto” - O otimismo dele encontra motivos, em sua própria condição, não na nossa.
Eu e Frederico nos embrenhamos pela densa floresta das idéias, da observação, da busca. Ignorando por alguns instantes os profundos complexos que nos levaram até elas e tentando redimir o passado, as dores e decepções com a conquista de certa grandeza no presente, conquista essa, cada vez mais difícil levando-se em consideração os valores que norteiam a vida de nossos contemporâneos. Após alguns instantes a alegria improcedente de Gustavo nos abandona e Frederico exclama:
- Está ficando cada vez pior Leon, as pessoas estão ficando doentes e a minha solidão cada vez pior, é difícil sustentar a existência de auroras quando a noite de faz tão longa.
- Segura a onda cara, se você vacilar agora eles vão pisar na tua garganta. Tenho tentado matar os monstros na medida em que vão aparecendo, não deixando que se reproduzam e aproveitando os momentos doces e lindos dos intervalos .
- E é muito belo quando isso acontece, você já percebeu Leon? Aquele momento em que o pensamento se dilui em sensação? E o tempo abraça suavemente o espaço? A garota do lado, a idéia intensa na cabeça, o caminho diante dos pés....
- Claro Frederico, mas... Estamos um tanto quanto inspirados hoje não? Afinal o que nos trouxe aqui foi outra coisa mais concreta.
- Ah sim, concreta... Quente e úmida também.
Mas não atingimos nossos objetivos pessoais conscientes, quanto aos inconscientes que se pode dizer? A praça aos poucos vai se esvaziando e as garrafas de vinho também. Muitos garotões arrastam suas presas enquanto são eles próprios arrastados pela vida, para a morte de olhos vendados como porcos. Amparados um no outro um poeta e um escritor exibem embriaguez, vômitos e risos já que não puderam exibir seus talentos, mais um dia nasce sobre as coroa sangrenta dos vencedores.

terça-feira, outubro 23, 2007


Uma audiência

A entrevista foi marcada para as oito, porém chego mais cedo, com o específico propósito de impressionar pela pontualidade. Tolice, ninguém percebe nem mesmo a secretária loura de óculos e decote violento, gostosa demais para ser interessante, do tipo que não goza, pede o extrato bancário para saber o que dizer depois da transa.
Alguns caras chegam depois de mim para o teste, uns dez e todos com caras horríveis e gestos de exagerado cuidado ou descontração forçada. Cada vez que meu olhar se cruza com o de algum deles procuro desviar rápido, evito assim uma interlocução indesejada feita de representação e senso comum. O que teria eu para falar com esses caras? Devem ter esposa chata que reclama por causa do copo fora do lugar e pede separação todo domingo à noite, amigos que os convidam para a pelada de final de tarde e cervejinha barulhenta em pocilga de esquina ou pastor evangélico para vender paz de espírito e auto - estima. Não, conheço bem esses mal entendidos sociais, além de muito desagradáveis não acrescentam nada nem a eles nem a mim “ cada macaco no seu galho” filosofa a sabedoria popular com muita propriedade.
É curioso perceber como essas pessoas facilmente se aproximam uma das outras, após alguns minutos várias linhas de conversação foram estabelecidas. Depois de uma hora parecem grandes amigos, se ficassem mais uma hora acabariam marcando um churrasco entre suas famílias e apenas eu e a loura gostosa não seríamos convidados, ela pelo orgulho de seus dotes físicos e eu pela minha chatice silenciosa. A porta se abre e uma outra mulher, também linda, sai e fala algo com a loura tão baixo que não consigo ouvir. Todos se calam e ficam esperando começar o chamado para a entrevista. Eu sou o primeiro e ao ouvir meu nome levanto-me e tenho a impressão de que todos os olhares estão sobre mim, caminho até a porta e antes de empurrá-la respiro fundo quase chego a desejar que Deus me ajude. Meu desespero, todavia não chega a esse ponto.
A sala é sobriamente decorada e sentada na mesa a linda (por que só existem mulheres bonitas em agências de emprego?) de cabelo preso em rabo- de- cavalo escreve algo, ou finge que escreve:
- Com licença.
- Entre e sente-se, Sr. Leon.
Com todo cuidado eu puxo a cadeira e sento, tentando demonstrar tranqüilidade e esconder o que sinto a respeito de toda sua fingida cordialidade.
- Você é casado?
- Separado.
- Tem filhos?
- uma filha de quatro anos – A cada pergunta respondida ela baixa a cabeça e escreve algo; como adivinhar o que ela quer ouvir? Afinal de contas ninguém está interessado em verdades, numa agência de empregos, aqui o que importa é ser aceito ou rejeitado para o jogo de ratos, e eles fazem as regras.
- O que você espera desse emprego, Sr. Leon?
Que raio de pergunta é essa? Espero conseguir me alimentar dar a despesa de minha filha, pagar o aluguel e talvez tomar um vinho e fumar uns cigarros. Sei porém o que ela quer ouvir.
- Ora, o que todo mundo quer, um salário.
- Disso nós sabemos Sr. Leon, o que não sabemos é o que você espera que a empresa faça por você: ela sorri complacente e gesticula num gesto amplo como se espalhasse pétalas de flores, nesse exato momento minha cabeça começa a rodar. Preciso do maldito trabalho, a pequena precisa, mas preciso também não perder a noção de quem sou, se isso acontecer já era sanidade... Tenho que encontrar um meio termo.
- Olhe senhorita, sou experiente em diversas ocupações, domino bem a linguagem e não tenho medo de trabalho pesado, isso é o que tenho a oferecer, agora acredito que o que a empresa pode fazer por mim é me pagar pelo meu trabalho.
- Mas e seu desenvolvimento pessoal, crescimento profissional, promoções, carreira. A respeito de sua realização, você acha que a empresa pode ajudá-lo a atingir isso? – Ela me olha nos olhos sorrindo, eu levanto a cabeça respiro fundo e digo:
- Acho que não senhora, essas coisas pretendo atingir sozinho, isto é, na suposição de que sejam atingíveis.
A entrevista continua, ela faz outras perguntas e continua fazendo suas misteriosas anotações, mas o tom de sua voz muda e eu percebo que já não sou mais uma possibilidade. Ela emite alguns comentários sobre a vaga e o salário, com um certo desdém, e no final repete o conhecido adágio “não se preocupe, nós lhe ligamos” e me manda porta afora. Fim de jogo, não sou aproveitável por não estar dobrado o bastante para caber no bolso do patrão. Sem ganchos(será?) nas costas e sem dinheiro para o aluguel e para a desepesa da pequena. Na áfrica nesse exato momento crianças são devoradas por abutres, alguém está descendo de um helicóptero que custa alguns milhares de dólares em Malibu ao LADO DE UMA LOIRA PEITUDA, e tudo parece muito estúpido. Um imenso acidente, sem importância mesmo. Do outro lado da rua um sujeito em trapos caga de´spreocupadamente sob o olhar estupefato de respeitaveis cidadões. Arvores secas e sem gritos, ereções involuntarias e sem gesto, Minha hemorroida que começa a doer...onde estão os brigadeiros? sorrisos inefaveis? solidões desconhecidas pela minha rota errada? pelo meu bastão de fogo? As crianças sendo torturadas? maniácos na condução das coisas? e tudo andando como deveria desde o inicio especulado e o controle imovel que não há. Aumento minha compreensão dos mecanismos, acendo aquele cigarro já citado, entro no ônibus e a vida me refuta.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Outra sobre açougues

Eles falam muito na clara intenção de fazer o tempo passar mais rápido, e para quê?
Amanhã estarão aqui comigo novamente cortando arrumando e embalando carnes ou levando-as ao balcão onde os braços esperam seu pedaço de alcatra ou contrafilé. O frio também incomoda e os impede de ficar em silêncio um só minuto, mesmo eu geralmente misantropo e taciturno vejo-me obrigado a partilhar da algazarra e espojar-me na lama da imbecilidade coletiva. Os defeitos unem mais que as virtudes, é um fato, e a necessidade dobra os belos retratos que pintamos tão cuidadosamente.
O movimento repetitivo da embalagem de carnes me endurece os dedos, os rostos sem alma dos clientes ricaços me enrijecem a alma e bebem meu ânimo como um milhão de sanguessugas. Eu escondo-me debaixo de uma glacial indiferença, é a única maneira de esvair-me por completo.
O trabalho maçante deixa na minha mente um ranço de apatia e desprezo. O sujeito que trabalha do meu lado no final de uma esteira rolante pesando os cortes e levando-os ao balcão já perdeu qualquer traço de dignidade há muito tempo e só falta dar o pescoço para os clientes pisarem. Seu olhar meio vesgo não tem brilho e lembra alguém com síndrome de down.
Procuro ser o mais mecânico e artificial possível para com todos que vejo do outro lado do balcão e ignorar seus olhares sedentos, doentes, buscando meticulosamente o melhor pedaço, a melhor oferta, o bife mais suculento todos querendo sempre as doces polpas da vida, um bando de abutres beliscando a carcaça.
- Meu filho consiga-me um osso do patinho – Uma velha absurdamente pintada e embebida em litros de perfume tão enojante quanto sua voz suplica com olhar compassivo.
- Um momento senhora – A minha voz sai como sempre, mecânica e artificial e eles nem percebem. Já perderam há muito tempo à capacidade de diferenciar um ser humano de uma máquina.
Após várias horas de massacre da minha auto - estima desço para o refeitório, mas sinceramente meu organismo encontra-se em tal conflito com minha cabeça que quase não sinto fome, azar dele só tenho uma hora de almoço e a comida terá que descer assim mesmo. Metade do supermercado encontra-se almoçando e o inferno de Dante pareceria um jardim de infância perto da visão abjeta dos funcionários deglutindo seu repasto como bois complacentes. As mulheres não se diferenciam muito dos homens, exceto pelas formas. Suas vozes, brincadeiras e valores são os mesmos. Passa pela minha cabeça até a hipótese de mijarem em pé também e se masturbarem olhando revista de homem pelado. Não, isso não, devem sentir-se muito excitadas diante de um carro importado.
Após o almoço vou trocar de roupa para dar o fora e um chipanzé do meu lado reclama do custo de vida.
- Tudo aumentando! O gás, a luz, a água; o governo não toma nenhuma providência – Ele grita.
- Ora- eu falo sorrindo enquanto penteio o cabelo – Você não tem de reclamar. Jogo de futebol todo domingo, cervejada no sábado, trio elétrico na avenida, deveria estar satisfeitíssimo. Eu é que estou fodido já que não gosto de nada disso e ainda pago o mesmo preço.
- Então você não vive, é um vegetal. – Ele vocifera de olhos vermelhos em fúria.
- Eu concordo, mas cá entre nós, não é muito melhor ser um repolho, batata ou uma alcachofra que um imbecil?
Deixo a resposta no ar e caio fora antes que ele decida resolver a disputa na porrada, preciso deste emprego e o aluguel está prestes a vencer. O sol vespertino saúda minha liberdade efêmera e eu me esforço para tentar enxergar algo de bom e amplo por trás dos olhares estreitos e cruéis, mas só consigo enxergar o reflexo de minha própria insensatez.

Na casa do filósofo

Na época em que eu morava no centro da cidade, em um apartamento minúsculo que dividia com uma senhora, costumava sair do trabalho mais cedo as sextas - feiras para encontrar-me com alguns amigos da velha boemia, na casa do Léo - Filósofo. Eram encontros fantásticos, o Léo era um excelente anfitrião e embora sempre reclamasse da bagunça que a rapaziada promovia, não conseguia esconder a satisfação em dividir seu vinho, seus livros e suas idéias... E era tudo da melhor qualidade. A única coisa que o Léo não dividia era a mulher. Uma senhora corpulenta, de ancas enormes, de pele negra que brilhava e rosto de poucos amigos. Era evidente a insatisfação dessa senhora diante das nossas visitas, e várias vezes a ouvimos comentar atrás da cortina que dava acesso a cozinha:
- Esse bando de vagabundos! Só falam besteira! Parece até que querem dar a bunda pro Léo.
O nosso filósofo fingia que não percebia o mau humor da esposa, mas sua opinião acerca do caráter dela ficava explícita em sentenças do tipo:
- Uma intelectual não sabe foder, ou é frígida e seca demais ou ninfomaníaca e desgovernada; Lawrence é que tinha razão, só às negras sabem gozar.
Dava uma baforada no cigarro um gole na cachaça e passava ao assunto seguinte, sempre dando tudo por muito certo e demonstrado, por mais complexa que fosse a questão.
- O cara que não cuida do corpo, veja só... O cara que só sabe pensar... O corpo atrofia, ele fica doente mesmo pequenininho assim – Fazia um sinal unindo o polegar e o indicador – Por outro lado o cara que é só corpo, que se acha o “ “homão”, caga no pau também porque não se liga, sacou – Estalava os dedos – Perde o “time” – E dando o veredicto sentenciava – O lance é não ter centro, sacou? Sem centro...isso aí : sem centro.
E nesse ritmo a tarde terminava e entrava a noite com a cachaça e o papo rolando. As estantes cheias de livros, revistas e discos nos olhavam impassíveis e nas paredes as manchas dividiam espaço com frases pintadas à grafite do tipo:
- “Todo mundo quer uma pica, não importa pra quê”.
“ “Deus é o existirmos “e isso não ser tudo”“.
““ O homem “é um ser que diz que o homem é um ser que diz...”
Ocasionalmente o encontro era cancelado porque o Léo estava quebrando o pau com a patroa, que berrava feito louca, nós ouvíamos a briga de longe e nem chegávamos perto da casa. Um dia ela deu o fora com um vizinho, menos inteligente e mais positivo. Nosso filósofo ficou arrasado, na primeira sexta–feira após a separação fomos a casa dele e levamos uma bebida e um livro do Nietzsche. Ao ver o presente ele olhou de canto de olho e disse:
- Obrigado Juan, mas não quero ler essa merda; de que me vale a filosofia de um sujeito que nunca soube o que é ter uma mulher tremendo encima do pau? Pra depois ver essa mulher te jogando na cara que você não sabe foder? É fácil criticar o mundo dos outros, quando se está escondido atrás da fronteira.
E dizem que o lance foi punk. Deve ter sido duro para o Léo reconhecer que ele era mais filósofo do que gostaria de admitir. E reconhecer que não importa qual fardo ele fosse obrigado a carregar ia continuar sendo o “ “Léo - Filósofo”. De qualquer maneira com a partida de sua patroa nossas reuniões não ocorreram mais. O Léo não ficava mais em casa e vivia jogado pelas ruas, também já não lia mais nada e tinha abandonado a faculdade de filosofia.
Um tempo depois fiquei desempregado, pois a fábrica de farelo fechou e voltei ao subúrbio. Não tive mais notícia do nosso filósofo, todavia lembro dele com saudade. Espero que ele tenha achado seu caminho nas trevas, e toda vez que me é colocada a opção entre ser “ eu” mesmo no inferno ou qualquer outra pessoa em algum paraíso encomendado, não titubeio escolho a mim, e torço pra encontrar com o Léo no fundo do poço.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Ode a Helio Mariano

HELIO MARIANO EU TE CONHEÇO.
Te conheço quando odia fere o flanco
e a manhã trespassa o peito oco
que arrastas ao mundo humano
com acordes noturnos do lousiana e ecos brandos
de qualquer alan wilson.
Helio mariano,eu te conheço.
quando tua punjança e vigores
coam pelos poros em esforços singulares.
pois ,como eu, és oriundo da esparta
e amas as mulheres e os combates
mas tens espirito...
tenso como a corda de teu arco
inquieto como a larva do amanhã
cinza como os olhos de legolas
Helio mariano eu te conheço,
e segui contigo a senda escura
onde fui o nove dedos
e teu foi o valor quando caí
fossas medonhas de lama e dor
suor para regar as flores do inferno
com buck,burroughs,dom juan....quase genet
fugas breves pelos bambuzais da esperança
dois beats loucos,anjos desfigurados,
em pleno pais piada de de macacos e gente tosca.
Helio mariano eu te conheço
no vALE DO CAPÃO,
quando fez-se a luz
e as aguas regaram nossa fé
e tua força sustentava mundos
helio mariano,nunca esqueças
ordeno que nunca esqueças
te proibo de que esqueças
até que rolem os astros sem centro sobre o umbigo carmico das coisAS
POIS ESTOU CONTIGO
mais do que tu mesmo
e minhas armas são tuas
e tua guera é minha
juntos golpearemos a mão da sombra e destronaremos o rei escuro
até que o verde,a relva,e a folha retornem
e placidos e serenos possamos amar nossas mulheres
e brandos cultivar nossos filhos e canções!!!

Nas encruzilhadas e viadutos.

A cidade lá embaixo me parece pequenina e inofensiva e as pessoas meras formigas agitando-se de um lado para o outro. Tanta gente, tantos rostos, vontades, sonhos e anelos e os nossos ainda parecem tão singulares e importantes. Os carros passam zunindo por mim e alguns idiotas buzinam dizendo gracejos, não me importo. A visão do alto deste viaduto proporciona-me um panorama interessante do mundo. Há um cemitério que recobre uma encosta a uns três quilômetros a esquerda de mim e na estreita avenida que a ele conduz, um pequeno cortejo funerário carrega os despojos mortais de alguém. Tão complexa e frágil é a vida que só mesmo algum tipo de estupidez congênita justificaria a força e a violência que usamos no dia a dia. Agora mesmo, bastaria um passo a frente e todas as minhas irrefutáveis certezas a respeito do depois viriam abaixo. Meu corpo se espatifaria lá embaixo e então? Não sei. Á tantos fatos a serem considerados, a própria coisa que chamamos consciência é tão variada e multiforme que pelo menos a mim não garante certeza alguma. No entanto a possibilidade não chega a me tentar. Há algo de eminentemente bom em viver, exceto em certos dias ou sob certas circunstâncias, não quero considerá-las agora, talvez se trate de estados patológicos da alma, embora eu saiba que isso não é bem verdade.
O vento me acaricia a face suavemente e um bem estar desconhecido me envolve. Deve ser por isso que o pensamento metafísico é tão sedutor muito embora quase sempre equivocado. Ele nos dá uma sensação de universalidade, transposição, segurança quase tão perfeita quanto a que relatam os usuários de LSD.
Num canto retirado e escondido abaixo do viaduto um grupo de adolescentes cheira cola de sapateiro em pequenos sacos plásticos, a alegria imbecil estampada em seus rostos não é muito diferente da que já observei em alguns fanáticos por televisão ou computadores, nela não há traço algum de atenção ou sensibilidade. Suas peles encontram-se escuras em função da grande quantidade de sujeira acumulada e os trajes rotos denunciam motivos que os sujeitam à tão evidente degradação.
Sua insólita confraternização, no entanto está prestes a ser interrompida. Da posição privilegiada na qual me encontro vejo vir vindo uma viatura policial aproximar-se dos garotos, abrirem suas quatro portas e liberar cinco ou seis seres supostamente humanos armados de metralhadoras, pistolas e fúria demente dispostos a terminar o serviço infame que a sociedade tinha começado. Mesmo não reagindo e erguendo os braços os quatro usuários ( que só estavam fazendo mal a eles mesmos) começam a ser submetidos a um espancamento generalizado. Meu Deus! Ninguém vai fazer nada? Parece que não. Aos poucos pessoas que passam pelo local deserto não se atrevem a intervir. Temem o poder destes senhores que ostentam uma força alicerçada no medo e na impunidade, somente eu como uma divindade impotente a tudo observo sem nada poder fazer. Será?
Um dos garotos chora convulsivamente enquanto recebe os tapas e os outros três ( possivelmente experimentados em situações desse tipo) nada dizem, esses apanham menos. Droga! Preciso fazer alguma coisa. Uma onda de insensatez suicida me toma, eu inflo os pulmões...
- Hei seus monstros, deixem os meninos em paz!
Eu grito e saio correndo dali com o coração na mão, ainda chego a ouvir alguns disparos para o ar; não me atrevo a olhar pra trás. Maldição, eu e minha boca. Por sorte um conhecido meu pára de carro ao meu lado e pergunta:
- Para onde vai com tanta pressa Leon, fugindo da polícia? – Ele ri de minha expressão assombrada.
- Isso mesmo, me ajuda? – Não espero a resposta dou a volta e ele abre a porta, em seguida sentencio.
- Corra como nunca correu em sua vida.
Nunca mais vi aqueles policiais ( ainda bem) mas as cenas que presenciei encontram ainda algum espaço entre os outros fantasmas que me atormentam e o choro daquele menino não sai mais de meus pesadelos.

Uma napoleão, um Bufão.

Não há sensação pior que a solidão e no entanto é a que mais me persegue. Ela sempre vem nos sábados e domingos à noite quando a alegria alheia incomoda a minha vaidade ou quando acordo na segunda pela manhã sem um tostão no bolso e com um imenso espaço do meu lado na cama. Nestas horas um frio que corta o muco do pulmão preenche todo o peito, os pensamentos tornam-se desesperados e inconstantes. A pior solidão que sinto, no entanto por mais contraditório que pareça, ocorre quando estou acompanhado. Eu a estou sentindo agora, enquanto apresento os meus textos e poesias a um conhecido, sentado numa mesa do bar e tomando um copo de vinho. Ele olha o primeiro texto, talvez esteja lendo só o primeiro parágrafo, passa para o segundo, terceiro e quarto e me entrega o maço de folhas, dá um risinho e diz vagamente:
-Parece bom...
Eu só posso pensar com isso que ele não tem a capacidade de avaliar o material e consequentemente fazer uma crítica pertinente. Meu desespero engole e elimina a possibilidade de disfarçar a sensação de isolamento e compreensão do fardo de estar só; quando não encontramos ninguém a nossa altura ( mesmo que ela seja das menores). O vinho continua a encher nossos copos, a conversa é que se torna vaga e fútil, com uma pergunta ou outra sobre dinheiro, trabalho, mulher... A vontade que me dá é levantar da mesa, mas permaneço ali, em silêncio ouvindo aquele papo chato e com a ferida me carcomendo as entranhas, droga! Qualquer um é capaz de dar uma opinião, mesmo que seja superficial e equivocada, tem observações a fazer diante do que lhe surge na frente, no entanto o cara só é capaz de dizer: “Bom”. Por quê? Será para não se dar ao trabalho de pensar a respeito ou por sentir-se de alguma maneira diminuído pela incapacidade de produzir algo semelhante? Não sei. Não me considero um bom escritor, nem um poeta razoável, e a avaliação que faço da criatividade da maioria das pessoas que me cercam também não é das melhores, mas pelo menos eu faço alguma avaliação merda ! Dou a cara pra bater, assumo os riscos. O problema é que lhes falta um fracasso advindo de uma grande tentativa e expressar-se, um sim afirmativo de uma tentativa bem sucedida.
Acho que ele percebeu o meu olhar cínico e desdenhoso e prepara-se para ir embora, eu não o impeço, chego até a ficar satisfeito quando essa solidão me atinge, falar exige um esforço imenso que me esgota e só faz piorar tudo. Ele levanta-se aperta minha mão e eu fico ali sentado bebendo no canto do bar olhando as folhas de papel em cima da mesa e perguntando a elas em silêncio: “para quê eu escrevi vocês?” elas não respondem, ficam apenas ali como se quisessem me dizer que existir lhes bastava, continuo bebendo cada vez mais até que o álcool transforma em fúria a minha tristeza. Eu pego uma das folhas subo na mesa diante dos olhos estupefatos do garçom e dos clientes e começo a recitar:


Há pontos de exclamação por toda parte !
Fincados na esquina do transito apressado
Com olhos bundas, peitos e caralhos
Se matando por um pedaço da carcaça fedorenta
E os vermes que nela se arrastam
Eu também quero o meu pedaço
E foda-se o sufrágio universal!
Um braço forte,uma palavra intensa ou somente
A alegria que todos querem, a felicidade que não podem esconder.
Por trás de seus focinhos nojentos...

Nessa altura o Garçom apavorado fez sinal para dois macacos imensos que começaram a vir em minha direção, enquanto o publico surpreso recebia a tudo em transe. Continuei:

Estampados, na revista caras, frios sobre a laje branca
Suavidade quente e linda do teu corpo...
Porquê não tive?
Ahh, sonho louco de uma utopia que me apodreceu
E ninguém acordou no dia seguinte.
Fui agarrado pela gola e forçado a descer da mesa. Um tapa me acertou a orelha e revidei com um soco direto de esquerda. Acertei em cheio mas o outro gorila me pegou pela cintura me jogando a uns dois metros pela porta afora. Cai na rua com fedor de urina e fiquei esparramado no chão rindo muito. Uns minutos depois levantei, com uma certa dignidade confesso. Fui para casa, um napoleão exilado.

segunda-feira, outubro 15, 2007

o vampiro

Árida, escura e tenebrosa a noite cai sobre a concreta cidade. Luzes, buzinas, gritos, rostos e anúncios espalham-se sobre a tela atenta de seus olhos que tudo observa do alto de um edifício. Sedento e furioso. Os seres humanos lá embaixo arrastam o fardo de suas vidas medíocres, insensíveis e estúpidas sem fazer idéia da dádiva em suas mãos enquanto a ele tudo foi negado exceto um par de olhos atentos e uma sede infinita de sangue. Mesmo a memória, faculdade tão preciosa para os destinos humanos lhe havia sido tirado e a única lembrança que restara foi a do momento em que os caninos agudos da bela mulher de seios fartos e olhar felino lhe penetraram o pescoço, desde então sua vida se resumia em repousar quando a sol cobre a cidade e sair às ruas à noite à procura de sangue fresco. O seu peito tinha perdido o mais leve sinal de afeto e o único sentimento que lhe havia restado era uma melancolia monótona cheia de tédio ou desespero que só cessava ao cravar suas presas famintas no pescoço liso de uma bela fêmea humana. Como o caçador que só pode enxergar sua presa com desdém, ele observava os trejeitos e maneirismos das pessoas e seus hábitos previsíveis, que os tornavam vítimas fáceis para a sua sede, isso quase dava-lhe prazer. Saber que bastava vestir a roupa da moda ou possuir qualquer dos bens considerados importantes para atrair a garota até o local adequado e então aliviá-la do pesado fardo da vida, era nesse exato momento que sua existência possuía significado e sentido, quando doce e cruelmente penetrava suas presas pontiagudas na laringe tenra e suculenta... no entanto o êxtase era tão breve que quase não compensava a imensa angustia da espera, a tentativa frustrada e o recuo inesperado!
Essa noite não era diferente das outras, senão pela lua prateada e silenciosa que tudo observava do céu, e mais uma vez ele saiu para caçar. Perambulou pelas ruas por horas até que pôde identificar uma vítima de pele clara como o leite fresco e cabelos escuros em caracol caindo sobre os ombros; sua boca se encheu de água e ela a seguiu por quarteirões, sorrateiro, silencioso e discreto.
Os amigos dela, na medida em que chegavam a seus destinos, a deixavam até que sozinha ela passou a andar rápido os últimos metros que faltavam até sua casa, como se pressentisse a aproximação de seu verdugo. Ao virar uma esquina comercial ela passou por uma rua mais escura na qual ele já esperava encostado a uma parede fumando um cigarro. Ao passar por ele um calafrio percorreu-lhe a espinha, ela já ia andando mais rápida, porém ouviu uma voz rouca e sensual chamar-lhe o nome.
- Marie – Ela assustada procurou os olhos do estranho que sabia seu nome e viu um par de pontos brilhando na escuridão, como um gato.
- Como sabes meu nome?- Ele sorriu sutilmente e abanou a cabeça.
- Que importância tem isso Marie? O que é um nome? Uma palavra que limita seu ser e dá as pessoas à ilusão de que te conhecem, eu sei mais que seu nome, eu conheço a linda mulher que o tem e que se esconde abaixo desse nome, inquieta e sedenta.
- Eu não o conheço! Preciso ir embora – Marie disse isso, no entanto, não se moveu algo em suas entranhas pedia que ficasse, algo que queria o que ele tinha para oferecer.
- E quem conhece Marie? Sua mãe? Seu pai? O que sabem eles dos seus temores, do medo da vida, do desejo que consome sua carne em fogo?
Ao ouvir estas palavras o corpo dela estremeceu e percebendo isso predador aproximou-se lentamente até ser capaz de sentir seu hálito quente e extasiado de sua presa. Ela encontrava-se sob o poder irresistível da plenitude do gozo que emana da morte. E ele sabia disso, tomou-a nos seus braços lânguida e permissiva, a puxou de encontro a seu corpo até senti-lo em cada centímetro, afastou seus cabelos sedosos sentindo o seu perfume suave e mordeu aquele alvo pescoço, enquanto ela soltava um baixo gemido de dor e prazer.
Sorveu o líquido vermelho enquanto a vitima estremecia em espasmos de gozo e morte e banhou-se na vida que roubava deixando o corpo inerte no chão. Ao erguer-se da presa sentiu o dia esgueirando-se por detras das nuvens, o mêdo da luz se apossou do seu coração e ele correu para as sombras em busca do repouso até que novamente a fome lhe arrastasse para mais uma caçada.

Carta a mãe (parte ll)

Com um salmo rubro de aflição
e desespero
eu quero estabelecer um ponto de retorno,
para ver tua chegada a um tempo ensandecido,
com tua mãe louca e suas visões de mortos,
com tua mãe estraçalhada em um leito abandonado
pelo pai ausente e suas prostitutas.
oh, mãe ! Eu conheço !
A mão que te talhou para a desgraça
e a bruma confusa na qual tentaste achar caminho.
Mas, ainda assim, te amo.
Pela dor sagrada
da cegueira que sofremos,
pelas setas dirigidas ao seu corpo atrofiado
e por aquelas ataduras que envolveram
os teus cancros de vergonha.
vergalhões enferrujados enterrados
na pele fina da consciência de si mesma.
Oh mãe, perdoa !
perdoa e vamos conversando até o ultimo portão
onde saltaremos de mãos dadas tulipas furiosas
desdenhando do descanso e da felicidade
até que o universo cesse esses espamos
que empapam teus cabelos de lagrimas sozinhas.
"todos a postos no ônibus do horror"
"paranoides olhos claros se esgueiram abaixo da mentira"
o principe chegou silencioso em seu brio inevitavel...
ele amou a tua chaga? ele tocou a dor da tua dor?
oh mãe, o que o fez chegar? para depois perecer em meio a calafrios
e delirios com demonios de fogo consumindo o infinito
para te abandonar na treva com uma pobre flor pequena
e a semente do que seria eu
triste entre fezes, morto entre vivos.
Mas, ainda assim, te amo.
E deixo esta oração como uma lápide
por sobre a podridão de nossa piedade.
doravante te amarei sem metáforas e vermes,
e o céu será azul a não haverão noites escuras
e as tempestades cantarão lindas canções de afeto
e habitaremos juntos os bosques do amor.

segunda-feira, outubro 08, 2007

O Estio e o fardo

Nasci nestas terras numa epoca em que a fartura e a paz eram imensas e que as pessoas alegres e amistosas recebiam seus vizinhos como irmãos. O trigo crescia farto nos campos e nos pastos o gado forte e vicoso tinha muito alimento nas imensas e verdeajntes pradarias. Felizes as crianças brincavam, em seus folguedos e seu riso claro e fresco enchia o ar de uma canção que tambem era de jubilo. As familias eram berços sagrados e os homens eram bravos e nobres e as mulheres humildes e doçes. Desses anos claros retenho uma vaga lembrança que todavia irriga o pensamento desses dias escuros como um veio escondido de agua sob torrido deserto. Não sei exatamente quando tudo começou a mudar .Em um determinado ano tivemos uma farta colheita e como mandavam nossas leis, fizemos sacrificios e entoamos salmos de louvor ao ser por sua bondade e pela fertilidade do chão.Em seguida vieram os dias de seca que sempre se seguiam aos de fartura mais tinhamos armazenado um grande estoque de provisões e com era hábito fizemos jejuns e penitência para que a terra voltasse a reflorir.Porêm o estio prolongou-se como nunca antes tinha acontecido, nem na mais remota das lembranças dos velhos, e seus anos foram tantos que a fé das pessaos nas tradições e nas leis se abalou.
O gado no campo antes tão gordo agora era esqualido e a ração logo acabou,os filhotes começaram a morrer como moscas e suas carcaças emchiam o campo com a asa agourentta dos urubus. Nossas mulheres começaram a clamar em suas altas vozes ao ser, no seu pranto o desespero anunciava traços de blasfemia pois seus filhos começavam a morrer de doenças que vinham no passo da miseria. Deus lhes havia dado as costas, assim pensavam.Os homens tentavam ser praticos e reunir os parcos recursos que lhes sobravam no sentido do melhor uso e economia, até que findassem aqueles dias terriveis. Mais quando seria? também eles lidavam com umas hipotese que era tudo que os deixava a salvo da loucura.E os dias não findavam. . .Somente umas poucas cabeças de gado permaneciam de pé, perfeitos fantasmas da morte que se precipitava sobre os pensamentos de todos.
Os templos ficaram desertos e as mulheres agora histéricas e melancólicas, de olhos tatuados pela insônia perambulavam pelas ruas arrastando atraz de si seus magros filhos em meio a miseria empoeirada, eles eram os únicos que ainda sorriam protegidos na atmosfera suave da infancia. Nos bares os homens sem trabalho e sem comida bebiam aguardente até tombar como cepos dementes chorando e profetizando ou rindo em delirios estupidos. Foi quando decidi que tinhamos que partir.Meus pais haviam morrido de pneumonia e tristeza e minha esposa se matara sem me dar filhos.Nada mais me restara naquelas altitudes e chegando ao meio da praça clamei a todos com essas paLAVRAS:
- terrra pereceu.Também a terra pode morrer. isso é uma coisa que os antigos não nos ensinaram. A terra deles morreu e precisamos buscar novos horizontes. Talvez um outro deus nos acolha, agora é preciso fazer do que nos resta do antigo misterio uma escada e uma estrada ou com ele abrir uma cova ! foi quando da multidão uma mulher gritou:
-Alem do horizonte há feras ! e um outro disse:
-Homens crueis nos virão matar!E uma mulher anlouquecida bradou:-
Deus está nos testando ,haverá de ouvir algum dia!!!
-Tudo isso pode ser, a partir de hoje a duvida andará sempre conosco e se deitará em nossa cama. Mas até quando vamos esperar? nossos tratados e ensinamentos falharam e se falharem novamente? vamos esperar pelo raio fatal como o carvalho fincado na tempestade?. A ÚLTIMA CENTELHA QUE TEMOS DE ESPeRANÇA DEVE ACENDER OUTRA Chama ou perecer tentando,quem vem comigo?
Nem todos me seguiram. Muitas familias preferiram ficar para traz,delas nunca mais tivemos noticias. Atravessamos desertos imensos e encontramos alguns vales ferteis com agua e comida mais não podemos ficar, outros tinham chegado antes e seus deuses negros não foram aceitos por meu povo. Nos tornamos nomâdes. Fizemos da andança um habito e do deserto um inimigo que aprendemos a respeitar. Nos tornamos secos e tristes e nossas festas nunca mais foram felizes como antes do estio. Nosso deus tornou-se a espada e a esperança de dias amenos acabou engolida pelo o medo do dia seguinte.

terça-feira, outubro 02, 2007

Mensagem

A doçura do sorriso dela,
Cavalga o vento do oceano.
O mar acaricia cada sonho que lanço,
De mim em sua direção.
Um dia claro com pessoas rindo,
Céu azul e o risco
De estar vivo por detrás de cada coisa...
Mas não precisamos falar disso,
Nem subtrair das centelhas do agora,
A parte infinita de cada circunstância.
Lanço-me para o futuro com as minhas esperanças
Para de mãos dadas no agora
Terminar o dia olhando o pôr do sol!

Um lance louco

O lance era dos melhores, nunca tinha encontrado alguém como ela. Leitora das coisas mais loucas, desesperada, sacana e de quebra linda. Nosso lance sempre foi meio imprevisível ela aparecia quando queria a gente conversava muito, ria trocava livro fumava uns cigarros a gente vezes se beijava desesperadamente, mas nunca transamos, naquela época eu trabalhava ainda no açougue e me ferrava 9 horas por dia, ela era massagista em uma clinica de estética a noite (pelo menos era o que ela dizia), então a oportunidade não rolava. Bom, a coisa foi fluindo de mansinho e quando dei por mim já tava amarradão na dela, e foi então que me ferrei. Passei a mandar várias cartas (que coisa careta) com poesias amargas ou cheias de tesão, que ela antes adorava, depois de duas ela não respondeu mais.
Fiquei como o náufrago que se demorou em uma ilha, acreditando que sempre ia passar um navio por ali. Só que os dias foram passando e a porra do navio não passava. A ilha antes um paraíso se tornara um deserto. Comecei a ficar angustiado, beber pra caralho, fumar muito. Não procurei mais emprego e ficava em casa ouvindo blues, deixando o cabelo e a barba crescer e o lixo se amontoando pelos cantos.
Um dia sai na rua pra comprar uns cigarros e uma garrafa de vinho e topei com ela conversando animadamente com um carinha uns 15 anos mais novo de cabelo comprido tipo metaleiro e um sorriso boçal no rosto. Merda, eu sabia que ela estava certa. Eu era um velho fodido, bebum, pobre, canalha e maluco. Só algum gênio schopenhauriano da natureza podia justificar minha tristeza, voltei para casa e minha navalha me sorria convidativa. Acho que cheguei a pegá-la e acariciá-la, mas não tinha coragem. Coloquei-a no canto. Sentei na poltrona e fiquei olhando a foto de minha filha dando uns goles no vinho. Eu não tinha nada, só ela, por pouco tempo, verdade. Logo, logo ela também iria voar e então quem sabe você e eu navalha querida possamos conversar.

o silêncio e as coisas

A praia era distante e suas dunas de areia alva erguiam-se por toda orla até sumir-se no horizonte onde começava a cidade e sua loucura. As pequenas montanhas, encimadas por coqueiros e cobertas em alguns pontos de vegetação rasteira, separava o mar de um longo e estreito rio com águas escuras e do alto era possível ver seu caudaloso percurso, quase se perdendo no infinito. O som do mar era a soma do ruído de todas as ondas, grande e pequenas, rebentando-se nas pedras.
Ouvindo-as atentamente separando o som aparentemente uniforme em suas partes integrantes a beleza se fazia presente, e o pensamento e suas inquietações silenciava-se, punha-se apenas a observar. Em um ponto do rio as pessoas, turistas e nativos, banhavam-se e faziam barulho perturbando a harmonia do local com seus estridentes gritos, porém em meio à imensa beleza daquela paisagem eles eram meras exceções, um pequeno tanque de confusão em meio ao imenso reservatório da paz e do silêncio.
Em constante relação com o meio social, e dele retirados todas as premissas de satisfação
as pessoas tornam-se cegas para tudo que ocorre fora de sua estreita esfera de interesses, e por isso o mundo se resume em adaptação e luta, permeados da frivolidade que atenua a tensão de se estar constantemente tentando condicionar a experiência. Todos, num nível maior ou menor, vivem dentro de um mundo subjetivo de temores e desejos e a comunicação só se faz possível muito imperfeitamente através dos símbolos que são as palavras e é nelas, na comunicação verbal, na relação social que se tenta diminuir a angústia de sentir-se só e incomunicável dentro do próprio mundo.
Nessa comunicação está alicerçada a maioria das premissas de satisfação humana.
Por causa das características dos mundos pessoais de cada um daqueles indivíduos o lugar de sua reunião tornou-se tão barulhento era talvez uma reação ao silêncio da natureza e o efeito que ele produzia em suas mentes sofridas e angustiadas.
A tarde foi descendo lentamente por sobre as dunas e o horizonte que agora trocava o azul celeste pelo manto rubro do entardecer. Cansadas de tanta agitação as pessoas retornavam aos seus lares para contar aos amigos suas aventuras. A noite aconteceu em silencio e as coisas ficaram em paz.

uma carta



Olá caro amigo, espero que os dias lhe tenham sido amenos ou prazerosos, espero ainda o teu retorno para tecermos novamente nossas considerações sobre as coisas a partir de nossa existência concreta. Tua ausência faz falta, pois escasseiam as pessoas honestas. Do canto de solidão que me reservou o destino, só muito distante chegam os ruídos do mundo, só vagamente me visitam as lembranças de um tempo de alegria e felicidade e da minha janela um pedaço de céu cinzento me observa com ironia.
Tenho me deixado deitar o dia todo, enquanto escoam os meses e nada realizo, nada torno concreto das idéias que me perturbam a cabeça, dizer que escolhi esse destino é uma crueldade, negar que o fiz é uma covardia. Nosso destino é conseqüência do que somos e isto é fruto do destino que nos levou a viver certas experiências e quem veio primeiro? O homem ou o destino?
Tendo ou não escolhido o que me tornei ( e isso só tem mérito jurídico) gostaria de fazer algo melhor com isso, mas faltam oportunidades ou estou tão cego pelos meus juízos que não as vejo em meio confusa neblina da existência ordinária.
O emprego, com o qual tenho sustentado a mim e a minha filha, estraga-me o corpo, e há dias nos quais nem consigo fechar as mãos e mesmo assim levo uma vida miserável com uns poucos livros dando mofo e um colchão jogado ao chão a guisa de cama. Minha filha, doce brisa sobre o deserto do meu peito, vive com a mãe uma vida talvez pior que a minha cercada pela ignorância e pela truculência de uma pessoa mesquinha e vulgar.
O tempo permanece. Nós passamos, arrastando a decomposição do corpo e do intelecto esperando que além do tempo, do corpo e do intelecto haja um ponto de síntese positiva para todas estas experiências negativas, desse ato de fé depende o que resta da minha sanidade, do meu amor pelas pessoas. Ainda espero egoisticamente sincero por dias melhores para minha filha e para mim. Que haja a maldade eu entendo o que não admito é vê-la atingindo os que se esforçam para acertar mais acrescento o fato à lista das minhas ignorâncias. Aguardo noticias suas e pensamentos teus. Não te desejo sorte, mas persistência e atenção.

Teu amigo

Juan Leon.