terça-feira, fevereiro 28, 2012

As pegadas do pégaso escarlate - Um tratado sobre o Brio

Andando por uma praia deserta para tentar cauterizar mais uma chaga que me supurava no peito eu me deparei com uma garrafa que trazia dentro dela um papel. Pensei que talvez fosse uma mensagem de um naufrago, mas na verdade parecia um velho pergaminho, escrito em latim, que precisei da ajuda de um amigo da faculdade, especialista em filosofia romana, para traduzir o texto todo. Algumas partes ainda estão ilegíveis e talvez as publique depois. Seguem abaixo os trechos que consegui traduzir. O texto parece ser composto de aforismos soltos, com uma certa ordem temática. O autor se auto intitula Dom Germano, Leão de castela Velha. Um monge português, da época da expulsão dos mouros, ao que tudo indica. O texto é um pouco piegas e sacerdotal demais para o meu gosto. Bom, deixo aos leitores a responsabilidade em julgá-lo.

As pegadas do pégaso escarlate - Um tratado sobre o Brio

Não digas o que os outros querem ouvir, se você não quer se reduzir apenas o que eles se limitam a ser.

Não temas pelo que perdes em função da lealdade ao que a vida te tornou; a dor que se segue ao exílio fortalece as colunas do espírito.

Quem não te aprecia pela aridez que te cerca não sobreviveria sem crises nos desertos que tens que atravessar, portanto, existe sabedoria na lei da solidão que te cobre.

Ninguém estava contigo quando teu passo atravessou o abismo e portanto nunca encontrarás compreensão sobre a terra. Espera pelo milagre do entendimento, mas não condicione tua luta a ele.

Crê no amor, se ele vem iluminado pela saúde das coisas que se sabem relativas, mas não te aflijas por aqueles que procuram no amor um castelo contra tempestades. Eles foram criados em masmorras e agora não concebem a vida sem paredes.

Tua suavidade é o fruto raro que brota nas mais altas cordilheiras do seu pensamento. Quem não possui paciência, tato e força o bastante só poderá acreditar que és amargo. Não te inquietes.

Os que são como tu não te encontrarão, os que não são te cercam por todos os lados, e se eles te amam é porque tomam sua sombra por sua pessoa.

Como todos, tu também não sabes para onde estás indo, mas tens consciência do fato e eles não. A morte para ti é bem mais que uma palavra e a solidão é bem mais que o afastamento dos corpos. Sede firme como o velho arvoredo que se ergue confiante nas próprias raízes e bebe da seiva de sua curta estadia: o resto são apenas vislumbres.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Sobre as razões da mulher.

-Tantos mistérios, as mulheres...

- O que queres dizer com isso? Não leste Oscar Wilde?

-Todos os pensadores são machistas, pois a mulher só se revela na linguagem do símbolo, da arte e da poesia...

-Assim como o mistério e o segredo servem aos propósitos do totalitarismo...

- Mas uma verdade de Homens!

-Não, não; essa é feminina, Foi Hanah Arendt quem disse. E eu completo: O mistério é o recurso das pessoas que tem medo das consequências da verdade.

-E que verdade seria essa?

-Eu é que vou saber? Sei das minhas.

-E quais seriam?

-Que a vida é combate e não um sarau de poesia. A própria poesia se quiser fazer sentido deve traduzir e favorecer as razões do combate, caso contrário é um estorvo. Queremos, sobretudo, sobreviver e nos afirmar. A cultura fornece as armas e nós nos formamos através do seu uso. Pactos e alianças, amizades e amores, são sempre possíveis. Contudo, o que eles visam é sempre a auto afirmação em detrimento de qualquer tipo de hipotético entendimento. Honestidade para mim é não criminalizar ninguém por procurar o próprio gozo de um modo diferente do meu. As mulheres, em sua maioria, querem casar, fidelidade e filhos. Os homens? Mérito, reconhecimento, façanhas. São intrinsecamente e biologicamente determinados dessa maneira? Não. Mas a cultura lhes deu essas armas e vejo como algo impossível julgá-las a partir de critérios impessoais. Mas, reconheço, essa é mais uma verdade de homens.

- Tua visão das coisas me parece crua, machista e cruel...

-Me responde uma coisa...como era tua mãe?

-Candida, protetora, uma santa mulher.

-Está explicado. É a voz dela que fala pela sua boca.


domingo, fevereiro 26, 2012

Canção para as guerrilhas contra o medo.

Nada vem no vento desse lado
tudo que amamos corta
com o fio
da palavra
"nunca mais"!
Nós não sentimos com a pele
ou com os sapatos
nós estamos todos
perturbados
com a invisível tempestade
que nos cobre a alma.
Pessoas desaparecem
sem deixar vestígios
existem lágrimas e abraços
por detrás da porta
foices e masmorras copulando
com jardins de afeto
e uma fada tenebrosa
segurando a chave.
Precisamos, tu e eu,
estrangular o sonho
estraçalhar o medo
e sugar a seiva
de nossas madrugadas.
Precisamos suportar o peso
destas placas
que trazem letras vergonhosas
e pedidos de perdão.
precisamos conciliar adagas
com uma borboleta
intacta
que convida para o precipício
ou para o estranho limbo
onde encontraremos
paz.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Aos incautos.


As palavra que escrevo nesse blog querem ser lidas. As musicas que eu coloco nesse blog querem ser ouvidas. Os lamentos que escoam desse blog, que correm pelas ruas, que supuram nas esquinas querem despertar a piedade. O tesão frustrado que move os péssimos versos desse blog querem seu harém. Esse blog é uma lamuria, uma fanfarronada, um gesto vergonhoso que traria risos a boca desdentada de um mendigo. Mas esse blog não implora, não pede comentário e vai continuar se abarrotando das inutilidades que são destiladas pelo meu pensamento. Muito úteispara mim, elas são a esquiva e o golpe certo, a dança de Muhamed Ali e o soco de uma polegada do B. Lee. Acima de tudo ó incautos...Esse blog não barganhacomentários.
Existe um certo tipo de liberdade em ter provado do mais aflito desespero: quando se escapa disso com vida já não existe muita coisa que possa lançar trevas no horizonte.

domingo, fevereiro 12, 2012

A poesia é para essas coisas ardentes.

A poesia é para essas coisas ardentes

Que o mundo ignora com risos

Cada palavra é um grito

transformado em ouro

a poesia é a pirâmide onde adoramos a dor.

Oceano de imagens remotas

Sonhos de afeto inconcluso

A poesia é o grito sem som

De alguma coisa

Que nunca estará totalmente

Na luz.

É claro que estamos sozinhos

É óbvio que a alegria é um vulto

Mas a poesia participa dos golpes

Que conseguimos acertar

Na aflição.

Desde que nos percebemos

Errados,

E que somos pinos quadrados

Empurrados para encaixes redondos.

A poesia é a asa partida,

A magia que nem sempre acerta

A poesia é minha margem deserta

Onde chego quando naufrago

Do mundo.

sábado, fevereiro 11, 2012

Encontro de estação.

Paguei a conta e saí dali correndo. Não existe nada pior para mim do que perceber que as pessoas tentam me chamar a atenção. Me sinto acuado, acusado, sentenciado a ter que dar uma fatia de meu eu servida em uma bandeja brilhante e suntuosa. Mas não foi somente por esse motivo que eu resolvi pagar a conta e ir embora. A patroa certamente já devia ter chegado em casa e provavelmente já estava especulando sobre minhas primaveras: essa minha inconstância ainda me condenará à forca. Fato é que já havia deixado de sonhar. Tinha que pagar as contas (certo, isso nunca foi um problema para você, mas para mim é uma constante). Além do mais, tem toda essa dor que você precisa saber impor para usufruir de alguma alegria nessa vida. Sim, a crueldade é um dom indispensável. Claro, douramos sempre a pílula. Dizemos que não se trata de crueldade. “veja bem as coisas são assim, eu me apaixonei.” Besteira! É impossível colher um grão de alegria sem plantar mil sementes de tragédia, e veja que hoje ainda estou bem otimista. Bom, se estou ou não errado também não me importo mais em descobrir. Aprendi a ficar seco, a ser nobre e simples, e me preocupar apenas com o essencial. Não para ter um troféu ou um bater de palmas: elogios me dão vertigens e cãibras no intestino. Tudo que eu quero é poupar a energia, é me concentrar num alvo e tentar não errar em algo bem prosaico. Comer, beber, fumar, ser um pai razoável, um marido não muito escroto e depois morrer sem ovações e nem alarde; simplesmente desaparecer como se nunca houvesse existido.
Mas então desci pela rua meio zonzo pelo álcool e vi uma senhora, muito bonita, encostada em uma canto da rua, sendo abordada por um trombadinha. Não sou um tipo heroico, nem covarde, apenas um desses sujeitos que se tornaram imprevisíveis por não achar a morte um mal negócio. Fui na direção dos dois e ao me ver o trombadinha saiu correndo. A dona, uma mulher madura e muito bonita, estava visivelmente transtornada. Não parecia rica, nem pobre. Apenas uma mulher muito bonita salva por um sujeito muito feio.
-Ai, meu deus moço, não sei como agradecer. Aquele ladrão ia me levar a bolsa com documentos celular...
E começou a falar incansavelmente, e como gostava de falar! Eu apenas concordei com fazendo observações soltas sobre os riscos que o lugar oferecia, sobre a pobreza generalizada de Salvador etc. etc e etc.
Ela gostou de minha conversa intelectualizada e pessimista. Descobrimos que frequentávamos, sem nunca termo-nos vistos, lugares em comum. Me ofereci para acompanha-la até o seu carro e ela me ofereceu uma carona. Lia budismo e já havia sido casada com um sujeito que, assim como eu, também era professor de filosofia. Trocamos telefone e nos encontramos outras vezes. A coisa fluiu e lá no fundo do despenhadeiro de minha alma seca algo começou a se inflamar. Ela não se sentia a vontade com o fato de eu estar casado e a princípio se esquivou. Depois a coisa toda aconteceu e nos vimos diversas vezes, sempre muito mágico, intenso e verdadeiro. Mas as vezes ela não via as coisas desse jeito e me ligava louca cheia de impropérios para dizer a meu respeito.
-Canalha! Porque você não confessa logo que só quer me usar?
-Mas como assim baby?
-Como assim? Como assim? Vá para o inferno! Vá tomar...
E desligava em seguida ficando semanas sem me procurar, sem me dizer uma só palavra. Um dia ela não ligou mais. Desapareceu como uma miragem no meio do deserto, sem deixar lições ou cicatrizes. Era muito lindo e de fato ela me fazia sentir vivo de um modo incomum, mas simplesmente isso não me pareceu suficiente para destroçar uma outra vida. Claro, não estou disposto a correr para a montanha, e sem alguma transgressão e gozo é impossível realizar as metas mínimas dessa vida. Mas minha alegria é contingente, como tudo, apenas o fato incontestável da sobrevivência e da lealdade se impõe: não quero ser senão aquilo que posso me tornar sem sustos. Enquanto isso estarei atento a reinvindicações do acaso.

Medo.

Sentado sob a foice
deixo-me estar
cansado.
Sob o sarcasmo do garçom
minha cerveja me apoia
com um afago.
Sou o que sobrou dos precipícios
afastado, fervilhando e sem segredo
meu desejo é o ponto cego
entre a sua aurora
e o medo.