sábado, fevereiro 27, 2010

Esqueletos e afogamentos.

A poesia deve sair
Como um soco
Ou então estaremos mentindo.
Como as pessoas que escrevem como se fossem
arquitetos
Medindo, escolhendo, apagando
Imaginando o que outras pessoas
Dirão ao ver o que eles
Fizeram.
Mas existem aqueles que escrevem
como caçadores no encalço
Da aurora.
Golpeando a caneta, o teclado
Com a poesia brotando das suas entranhas
Jorrando e gritando
Como um afogado que procura
Uma ultima visão
Do luar.

Clareira

Um dia eu encontrarei alguém

Que não terá o travo de amargura no sorriso

Que tenho observado em todas as pessoas.

Um certo dia eu o verei

Olhando o sol da tarde

Refletir-se em um beija flor de vidro.

Tirando um cigarro, ajeitando a roupa

Esperando um ônibus ou simplesmente

Parado na esquina.

Sem fúria,

Sem cansaço,

Com o gesto firme

De um anoitecer macio.

Nós iremos nos notar

E entender

Sem dizer nada.

Somente nessa hora

Todo esse horror fará sentido.

Esclarecendo

Qualquer coisa significa qualquer coisa
Quando se quer acreditar.
Quando se precisa duvidar
Quando se deseja mais controle
Para redimir-se de uma vida amarga.
Mas as coisas não assim tão simples
Meu amor.
E eu já ando destroçado desde que
Vi a luz do dia.
Deixo o troféu da glória para quem procura
Paraísos,
Abandono a luz da festa sem esperar
Aplausos,
Não estou caçando estrelas, nem colecionando
Amores
Apenas sigo vivendo os meus dias
Com uma mão aberta para alegrias
E uma mala pronta para despedidas.
Encontro-me no ponto em que não existem
Exigências,
Desprezando enxovalhos e ignorando o que desprezo
Para prosseguir imaculado
Vertendo minha seiva enquanto houverem
Cânticos, encanto e amor.

15 primaveras

As tardes aos 15 anos

Eram de isolamento e gibis.

Alguns garotos namoravam:

O Adelmo,

O Delmário

E outros.

Para mim sobrava a solidão

E os livros.

Rabiscos inúteis em folhas de papel de pão

Pois o dinheiro do velho era pouco

Para um caderno idiota.

Haviam os valentões da escola,

Bons de bola e capoeiristas,

Com seus palavrões, transgressões, orgias

E garotas permissivas que gostavam de foder

Pelo cú.

EU tinha uns poucos fracassados amigos

Que até hoje se escondem na casa dos pais

e temem a vida que lhes pregou essa peça.

E u não tinha famillia,

Meu pai estava morto,

Minha mãe, uma neurótica

Dormindo com comprimidos e os ratos em cima

Da pia.

O velho fez o que pôde, ou não,

Mas fez mais do que deveria.

O alimento era esmola, o afeto era raro

Vivia invisível transitando entre pessoas

que possuiam uma vida.

As tardes aos 15 anos

Eram muito, muito infelizes

Como não deixou de ser desde então.

Um oco no centro do peito

De onde brotam palavras que não dizem nada

a ninguém

Só a mim.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

O grande poeta

O grande poeta que ninguém conhece
não paga as próprias contas
o grande escritor que será reconhecido
mora com os pais
e já possui 200 seguidores
em seu caderno
de lamentos.
Para as coisas que não conseguiu
para a desculpa de não haver sequer tentado
para divagações insanas de quem nunca arriscou
porra nenhuma.
"Talvez mamãe segure as pontas."
Ele pensa, mas não fala sobre isso.
Nunca confie em um sujeito
que não considera a hipótese
da fome,
que nunca viu-se na sarjeta,
que permanece apoiado em quem despreza
ou ama.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

"O punhal da dor está em nós, muito antes de distinguirmos fantasia de sensação"

R.D Laing

Convite a atenção.

Estarás em perigo
Diante de facas a espreita
E de amores insanos reivindicando
Sua morte.
Estarás em perigo por esqueceres as chaves
Ou por levar as muitas lembranças
Da dor e da perda
contigo.
Sua pele estará exposta
Seu peito estará a mostra
E apenas a embriaguês de beijos e corpos
Afastará o tremor de suas mãos.
Pois Estarás em perigo
Sempre estarás em perigo
Mesmo com a sombra dos pais
Regando com dinheiro e palavras
O seu caminho de festas
Mesmo com a renuncia em preces
Mesmo com o cuidado extremo
Mesmo dormindo 8 horas por dia
Evitando o álcool
O adultério
E a sabedoria.
Estarás em perigo,
como um pássaro sem asas
Atravessando
O asfalto.

domingo, fevereiro 21, 2010

Se você nasceu nisto.

Se você nasceu entre os escombros de uma família arruinada

Sem meias na janela, bolsa de estudos ou chuva

De prata no quintal

E continuou seguindo apenas por desatenção da morte,

Certamente ainda poderia ser muito pior.

Se você nasceu em um lugar onde faz muito calor,

Onde as pessoas falam muito e não dizem coisa alguma

Onde os carros são ensandecidos, as escolas são inócuas

O governo é incompetente, a ignorância e a barbárie

São veneradas nas lições dos pais e nos cumprimentos

Dos estupradores.

Se você nasceu em um lugar onde as mulheres dançam alegremente

Se xingadas de cachorra, de puta, de vadia estúpida que eu vou foder e depois

Lançar a um imenso depósito de lixo.

Se você nasceu e não recebeu as lições que lhe fariam

Apreciar esta produção de horror,

Se você nasceu em meio a vendedores de chiclete

pregando salmos em coletivos cheios de baratas,

cercado de pela musica cantada que lembra espancamento, mutilação e ódio

tudo menos alegria,

as sílabas das canções vão lhe lembrar a frustração

de uma multidão que foi mastigada pela boca desdentada

do destino.

Se você nasceu em meio a tudo isso

E em meio a muito mais que isso

Inclusive a pretensão dos semideuses que assistem

Da platéia o espetáculo

Enquanto destilam marijuana alternativa

Ou uísque 12 anos de direita e mais dinheiro

Vindo do emprego assegurado por concurso,

Do dinheiro assegurado pelo empregado sem alma que

Esqueceu de seu futuro nas batucadas

De esquinas e cachaça.

Se você nasceu em um lugar onde as pessoas reproduzem filhos como ratos

E os lançam em meio ao mundo

Sem provê-los, sem prevê-los, apenas por um requinte de deleite e crueldade.

Se você nasceu em um lugar assim, em uma época assim, se você nasceu assim,

então é melhor ter muito cuidado

Cada novo amanhecer será

Uma nova jornada de terror.

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Aprendizado.

Tinha peitos bonitos
E trepava como ninguém.
A bunda dela tremia entre meus dedos
Quando um deles escorregava
Para lá.
Nossa foda era das melhores.
Apesar algumas vezes
Eu estar mais preocupado
Com os meus
Pensamentos.
Era um choque de dois corpos movidos
Por duas fomes, dois selos
Sobre uma carta para ninguém.
Ela tinha um sorriso e talvez escrevesse poemas
Tinha pontas de vestido rasgado no porão
E uma linda vagina que tremia como
O solo de ilhas tropicais
Em um terremoto infinito
iamos além,
uma vez
e de novo
e de novo
e de novo.
Eu às vezes fico distante e perco as coisas
Mais importantes
Mais eu estava ali com ela
E o segredo de seu cheiro
Ensinou-me acerca do amor.
Ensinou-me acerca do amor.

Viver é atravessar um rio de merda tentando chegar limpo do outro lado.

Tomé empilhava caixas. Uma após a outra ele montava pequenas torres nos fundos do depósito do supermercado. Fazia aquele trabalho há algum tempo. Era mecânico e repetitivo. Enquanto empilhava aquelas caixas sonhava com praias, garotas e algum tipo de respeito mas nem imaginava como se poderia conseguir aquilo naquelas circunstâncias . Às vezes , entre um carregamento e outro, ia ao banheiro e aproveitava para fumar um cigarro. Naquele dia havia acabado de fazer isso quando foi chamado ao RH.

Tomé desceu as escadas que ao contrário do lugar em que trabalhava eram limpas e refrigeradas. Andou mais alguns metros até chegar a sala do RH onde uma dona branca, muito maquiada, coberta de bijuterias e um longo nariz de pássaro lhe sorriu apontando um assento.

- Sente-se senhor Tomé.- Disse o pássaro – o senhor aceita um café?

-Não, muito obrigado.

- Bom, não precisa ficar com medo, é uma entrevista de rotina, para avaliar o grau de satisfação de nossos funcionários. Vou lhe fazer algumas perguntas. Seja sincero tá?

- Claro dona.

E ela começou. Se ele gostava do trabalho. Se pensava em promoção. Se o salário satisfazia suas necessidades básicas. Procurou não hesitar demais. Silêncio nestas horas é uma confissão. Tomé lia Marx, Adam Smith, Bakunin e Proudhon mas respondeu a tudo de forma convincente e risonha. O trabalho era ótimo. Em todos os aspectos. Bom mesmo. O salário também era o bastante para o que precisava.

Saiu da entrevista se sentindo muito mal, mas parecia-lhe que tinha convencido o pássaro.

Terminou o batente e mudou de roupa. No caminho até o ônibus imaginou como seria bom encontrar uma garota diferente. Alguém que não lhe cobrasse coisa alguma. Que apenas lhe desse o corpo, o sorriso e o seu tempo sobre a terra sem lhe oferecer risonha uma lamina de barbear para a extirpação do orgulho. Subiu no mesmo ônibus de sempre, cercado das mesmas caras amassadas e sentou-se no mesmo banco de todos os dias. Desceu também no mesmo lugar e viu a fachada da casa alugada em que morava sem perceber que ela estava ficando cada dia mais velha e descascada.

Entrou pelo portão de zinco a abriu a porta de madeira. Na sala sua mulher assistia a uma novela. Naquele momento desenrolava-se uma cena em que a atriz principal descobria que era traída por seu marido. Tomé escorregou pela sala após um “boa noite” mecânico, respondido de forma também mecânica.

- Amor! – Sua esposa gritou da sala enquanto Tomé virava uma cerveja recém saída da geladeira – Se chateia se eu lhe fizer uma pergunta?

- Não, pode falar – Tomé deu outra golada, esvaziou a garrafa, dando um suspiro de olhos fechados desta vez.

- Você me ama de verdade? Quer dizer, você pensa em outras garotas, sente ou já sentiu vontade de dormir com outra mulher? Se isso acontecer é melhor acabar, não importa o quanto seja bom viver com você.

Tomé parou para pensar pela segunda vez. Não podia hesitar. Já tinha lido Carl Rogers, R.D Laing, Freud, Reich, Stirner e Sartre mas respondeu sorridente que jamais tal coisa lhe havia passado pela cabeça. Deu outra golada. Sua mulher continuou assistindo a novela e Tomé entrou no banheiro. A água do chuveiro lhe caiu sobre a cabeça. Ele se sentiu limpo pela primeira vez naquele dia.

domingo, fevereiro 14, 2010

Acaso!

Um velho amigo.

Hoje estive com um velho amigo

Em todos os sentidos.

Ele está em um ponto da vida

Em que a morte não é apenas uma

Possibilidade lógica.

Hoje estive com um velho amigo.

Um homem sincero

Confuso embora contido e de pé

No posto que escolheu para atravessar

Esse mundo.

Ele dividiu comigo seus sonhos e dúvidas

E eu dividi com ele os meus

Um velho amigo

Bem velho

75 ou mais

E muito sincero, inseguro e consciente

De que tudo que temos são horas, dias, dores e gozos

E o resto são ferramentas.

Pois eu fiquei com esse meu amigo a quem já

Não via a algum tempo

E nos ouvimos e não nos demos respostas

Mas saí dali bem melhor

Espero tê-lo ajudado também.