sábado, fevereiro 02, 2008

sobre os dias.

Os dias têm sido quentes e abafados, e como não existem coisas importantes acontecendo, só resta ir vivendo um dia de cada vez, com certa apreensão em relação ao futuro, como não pode deixar de ser. Posso dizer que em geral tudo ultimamente tem tido gosto de sola de sapato. A magia e o encanto já aconteceram, mas são cada vez mais raros. Talvez isso não seja um fato em si, algo intrínseco a realidade, mas apenas uma esquisitice minha. Não há como ter certeza. A televisão é uma coisa absurda, estúpida mesmo. As poucas coisas relevantes que se vê nela são feitas lá fora. O realismo politicamente correto da mentalidade brasileira ainda persegue os fantasmas de suas contradições insuperáveis. As coisas cafonas cheias de chavões que é possível ver na televisão brasileira são somente reflexos das conversas que sou obrigado a escutar toda vez que estou no coletivo ou em um barzinho tentando tomar meu porre sossegado. Uma preocupação estúpida com a vida alheia, uma moralidade medieval com todas as taras e aberrações que o moralismo provoca. Outro dia no ônibus a caminho do trabalho, inadvertidamente ouvi uma garota contando para amiga que ela tinha tatuado o nome do namorado na xoxota, enquanto a colega do lado se queixava do homem dela que já não fodê-la todo dia, como fazia antes. É verdade que essas coisas acontecem lá fora, então que se dane no final das contas cada u vive sua vida. Eu também sigo vivendo a minha, com toda falta de brilho que ela tem, mas tentando manter o estilo, e meus preconceitos também.
No trabalho a coisa não tem sido fácil. Para sobreviver eu tive que aprender a fazer dolorosas concessões, enfrentando um lado da vida que para mim é o mais seco e absurdo. Trabalhar em um call center, por exemplo, expondo-se a todas as tendências patológicas das pessoas. Toda loucura, solidão, abandono, carência e tirania jorrando através de um fone de ouvido. O prurido, irritação e vaidade deles infiltrando-se insidiosamente em seu ouvido e enterrando-se no cérebro como um arame farpado enferrujado. “Podia ser pior”, você pode estar pensando. Eu poderia estar carregando fardos fedorentos de farelo, coberto de sangue de boi em um açougue ou limpando latrinas transbordantes de merda. Já fiz isso tudo, e posso dizer que nesses trabalhos eu tinha pelo menos o último recurso da dignidade de um homem: ficar calado. Os outros rapazes e garotas também não gostam do que fazem. É difícil imaginar que alguém possa gostar disso. Mas eles têm pelo menos o atenuante de apreciar a auto-exposição afinal é o que faz o tempo todo. Expõem-se com suas opiniões apressadas, sobretudo, com sua exigência de atenção constante. A completa incapacidade de ficar calado. Mas no final não muda muita coisa, é sempre a mesma fome e carência de auto-respeito. Por outro lado também conheci algumas pessoas que não se misturavam com esse caldo e que nem por isso tinham mais brio. Era só um tipo de gente mesquinha que se levava muito a sério, que não tinha senso de humor. Tudo que diziam e faziam tinha que ser congruente com seus valores. Se estiverem em um papo descontraído e rolasse um baseado, diziam horrorizados: “não, eu não fumo”. E não era como se simplesmente não tivessem vontade de fumar aquele baseado, eles não “fumavam baseado”, era sua essência, sua lei. Isso os distinguia dos outros decaídos fumadores de maconha. Ainda que se dissessem liberais, pobres irmãos. Existem todos os tipos de devotos erguendo deuses de barro para do alto de suas cabeças sentirem-se superiores, estáveis e seguindo um caminho seguro. “Sinto muito” me disse uma senhora outro dia “mas só transo por amor”. “E se provarem que o amor não existe, que esse papo de amor é só propaganda de novela, você para de trepar?” Eu lhe perguntei. Não consegui a trepada é verdade, e ainda ganhei uma inimiga. Faz parte do jogo. Como já me acostumei com a maior parte das conseqüências do meu caminho torto, também já não me frustro muito com isso tudo. Gosto da minha vida e do que me tornei, e isso embora não pareça não está em contradição com tudo que disse. É que simplesmente não gosto de me gabar das minhas riquezas. Afinal é mais fácil ser compreendido a partir das desgraças. O que eu gosto e valorizo na minha vida eu guardo para mim. Tudo faz parte de um grande jogo e cada um está somente do lado de si mesmo. Algumas pessoas demoram a se tocar com relação a isso e acabam pisoteadas pelo movimento alheio ou sufocadas pela própria incapacidade de se movimentar sozinhas, encontro exemplos disso todos os dias. Gente que fala sozinha, que só anda em grupo, que são vazias como um copos virados. Brrr.... Sinto calafrio só de pensar. Mas são essas pessoas que compõem e média psicológica da humanidade, e é melhor saber conviver com isso, ou a vida pode se tornar bem amarga, e isso é uma coisa que ninguém com saúde quer, não é?

Um comentário:

jorginho da hora disse...

Li tudinho, com muita atenção. Vejo sem nenhuma surpresa que temos, em relação a vida, as mesmas impressões; com uma diferença: Eu nunca fui romantico, e por isso não sofro do mesmo desencanto.