As coisas em geral deixaram tão pouco em mim para ser amado que me surpreendem os esforços de outras pessoas para esperar algo mais que cansaço destes meus dias no mundo. Todos eles vão achar que é exagero, mas as provas estão espalhadas por toda parte. É verdade também que tenho as costas bem revestidas e uma resistência quase espartana ao flagelo, isso me trouxe até onde estou; mas não serviu para reflorestar o deserto. Em geral não tenho muita imaginação, nem fantasias, sonhos ou utopias, assim como um velho beduíno atravessando um jardim de cactos e escorpiões meus pensamentos desconfiam uns dos outros e de modo nenhum conseguem cooperar para produzir, mundos, pessoas, aventuras e ilusão. A desconfiança, a dúvida, a perene e judia sensação de que um Golon mesquinho me espera por detrás dos arbustos me veda o acesso à inspiração, ao bom humor...ao agrado das multidões. Mas ainda assim algumas almas esperam algo de mim, e eu não consigo entender esse gesto, sem o qual no entanto não sobreviveria; e no entanto não posso corresponder a esse movimento por total cansaço e falta de imaginação. Um sobrevivente de si mesmo tem dificuldade em viver com aqueles que nunca morreram para suas próprias almas. As vezes me perguntam sobre o suicídio. Respondo que acho uma idéia imbecil: o mundo não é assim tão interessante a ponto de me levar ao suicídio como medida de retaliação. Se as pessoas se matam, eu penso, é porque esperam que suas mortes provoquem alguma comoção nos que ficam. Não tenho imaginação o bastante para imaginar que minha morte possa alterar algo na ordem das coisas. Seria como a queda de um copo, o cancelamento de um vôo, um verão sem sol; depois de passadas as poucas e obrigatórias manifestações de luto tudo seguiria normal e cegamente como sempre foi. Meu ego é apenas o ponto de tensão para o qual convergem meus conflitos e isso não diz respeito a nada nem a ninguém: é apenas uma fatalidade.
No entanto não invejo as pessoas presas e arrastadas nas teias da busca de relevo, admiração e aplauso. Me parece uma vida tormentosa. As famílias são armadilhas terríveis das quais dificilmente escapamos ilesos. A falta de alguma coisa desse tipo não deixa de ter o seu mérito, ou não; mas prefiro ficar a distância, isolado, sustentando apenas a relações inevitáveis que o acaso me legou por capricho. Algumas são brilhantes e infinitas que me acalentam em meio a bruma e a cinza, algumas são oscilações confusas que ora me fazem acreditar que se pode viver como eu vivo e ora exigem de mim uma mutação impossível; outras são apenas caos, confusão e loucura. Uma Geena de faces horrendas com palavras desconexas, espasmos críticos e violência involuntária. Mas eu já sobrevivi a estes e muitos outros horrores, eu ainda tenho algumas cartas na manga, e talvez ainda consiga reverter o ritmo que as coisas tomaram antes que todos desistam disso que o mundo deixou do que eu era.
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