Eu gosto dos
súbitos instantes em que você percebe que está no meio da multidão e, no
entanto, sozinho. Talvez exista algo de patológico nesse prazer espontâneo, é
bem verdade. Contudo, não temos muitas escolhas quando nosso estado de espírito
não nos parece resultado de outras escolhas. Eu assisto estupefato o espetáculo
das massas aglomeradas em torno de cantores, times de futebol e lugares de recreação
e não compreendo nada. Não reprovo a ninguém. Nada me parece baixo ou vulgar.
Contudo, não os compreendo assim mesmo. A previsibilidade me assusta. Temo ser
flagrado sendo óbvio como se isso fosse um crime e, no entanto, não posso negar
que existe alguma obviedade nisso também. Mas isso é só um jogo de palavras. Os
jogos, os esportes, as religiões, aldeias, ideologias, rituais familiares,
convicções...tudo que dota a alma de um verniz de estabilidade e segurança que
me causa repulsa. Gosto das coisas imprevisíveis, dos amores cegos, das paixões
sem expectativas, dos lugares para os quais ninguém olha, dos caminhos abandonados
do recorte desassistido de uma árvore contra um céu sem atrativos. Não entendo
também porque cheguei nesse ponto. Não pretendo me justificar. Nem sei por que
escrevo agora. Talvez em função de um estado de espírito passageiro, do qual
não me lembrarei dentro de alguns minutos, que leva os meus dedos a se
movimentarem sobre o teclado. Se você está lendo essas linhas agora isso também
é por puro acaso, porque não penso nem por um segundo em lhe agradar com o que
escrevo. E se você não lê isso só confirma o fato de que sou bem sucedido em
minha desatenção às suas expectativas. Se nada na natureza tem finalidade,
porque haveria a arte, ou a vida, de ter
um sentido? Esse é o motivo, penso, para existirem tantas perguntas e tão poucas
respostas plausíveis. Encontro, quando não estou imerso no desespero, um valor
infinito na incerteza e em tudo que é frágil. Não preciso de metafísica nenhuma
para isso. Só preciso sentir e deixar que um sentimento dê lugar ao outro como
um rio poderoso a arrasta em si tudo que existe. A multidão parece não
perceber, mas não quero condená-los. Quero apenas me afastar deles para não
reter o ritmo incessante dos meus fluxos e refluxos. Quero ser meu estar, meu
infinito ir e vir que me enlouquece, me extasia e que talvez me destrua, mas é
tudo que tenho de mais valiosos, mais nobre, mais simples.
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