sexta-feira, agosto 02, 2013

O amor em tempos de modorra.

"Você não vê graça em nada", ela me falava com uma expressão preocupada e professoral que em nada me ofendia "leva uma vida vazia, entediante e sem ânimo". Seus olhos tão expressivos e tensos pareciam, de fato, enxergar minha alma melhor que eu mesmo. "simplesmente não posso continuar vivendo com uma pessoa que vive assim...sem paixão, sem sonhos." Eu não tinha muita coisa a replicar frente ao que ela dizia. Provavelmente tinha razão. Eu mesmo, as vezes, pensava daquele jeito sobre mim. Contudo, nem sempre isso me parecia mal. Não via como poderia ser de outro jeito. A vida me parecia na maioria das vezes um biscoito de água e sal sem sal. Em raras e breves ocasiões havia mágica e em ocasiões mais raras ainda...paixão. Mas, olhando em contraste, essa falta de ânimo era algo muito confortável quando comparada com o desespero de meus anos de juventude. Mas é claro que para ela, que me olhava sob a perspectiva otimista da liberdade de escolha, eu poderia deixar tudo isso para traz e viver no "presente", como se o presente fosse outra coisa que não uma montanha empilhada de passados. 
Em público, diante dos olhares inconvenientes, é comum sustentar algum tipo de confiança nas possibilidades do futuro, alguma forma de crença na capacidade de deixar o passado para trás, mas suponho que sobre os nossos travesseiros somos totalmente retrospectivos. Não só isso, como conceber que a mente pode ser outra coisa senão o resultado de uma síntese de passados? Cada um tenta fazer o melhor com o que tem, mas é tolice esperar que o resultado disso seja o mesmo para todo mundo. 
Tudo bem, acho que ela se importava e por isso se desdobrava tentando me convencer de que havia alguma coisa errada comigo. Provavelmente, cheguei a dizer isso algumas vezes, ela tinha razão, mas não sabia o que fazer a partir desse ponto. As pessoas esperam que você seja capaz de tornar-se algo novo porque elas mesmas esperam conseguir algo desse tipo, mas ninguém sabe como. Esse otimismo forçado é algo necessário, certamente não suportaríamos viver sabendo que a maioria das coisas não estão sobre nosso controle. Aliás, parece impossível admitir algo desse tipo o tempo todo. Ela sumiu e não fez falta, aliás, fiquei bem melhor, dado que já tinha aprendido a viver dia-a-dia ao invés de vida inteira.

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