domingo, setembro 04, 2022

Felizes?

 Ninguém que se sente alegre pergunta se a alegria é possível. Pela mesma razão ninguém se perguntaria se é possível ser feliz se feliz já fosse. Porém se é verdade que só quem não possui a felicidade pergunta por ela o contrário nem sempre é verdade. Há muitos infelizes esperançosos que sequer se atrevem a duvidar da possível ausência de significado intrínseco na palavra felicidade. Talvez esses sejam os maiores sofredores pois, se são infelizes, não chegam também a cogitar que tal infelicidade está bem distribuída por toda espécie humana embora habilmente escondida. Os sofredores autoconscientes, portanto, encontram-se duplamente abandonados e, frequentemente, sob duplo ataque: o ataque dos (supostos) felizes que consideram a felicidade obviamente possível e os infelizes esperançosos que receiam desesperar-se. Árdua solidão e escuro caminho o daqueles que precisam retirar das entranhas a capacidade de acreditar na possibilidade de alcançar um estado de espírito que nunca conheceram! Não seria tal esforço melhor empregado na tentativa de compreender melhor a natureza humana e saber se esses que se dizem felizes (e por isso nós causam inveja) na verdade nem sabem do que estão falando ao se manifestarem sobre o assunto. Afinal, quem se observa dia após dia, nas pequenas inquietações da rotina e rancores entorpecidos, o próprio estado de espírito no decorrer, digamos, de dez ou vinte anos? 

A Felicidade, assim penso eu, é uma palavra que, embora pareça referir-se a um estado de ânimo, faz parte do vocabulário moral que usamos, assim como a palavra Honestidade. Dizer-se feliz é o mínimo que se espera de alguém que ainda quer se fazer respeitar perante os outros. Diante da pergunta: você ama seus pais? Quase ninguém titubeia. Antes de qualquer "porém" todos afirmam de maneira automática: claro que amo! No mínimo se optará por um dos pais ou por alguma outra pessoa que exerceu esse papel. Imagine qual seria a atitude da audiência caso a resposta fosse um sumário e absoluto 'Não'? Amor, gratidão, felicidade são palavras que compõem nosso vocabulário de autorespeito. A incapacidade de incorporar essas palavras a nossa história pessoal representa, aos olhos alheios, um motivo para crítica, depreciação ou, no melhor dos casos, piedade. O infeliz, o não grato, é tomado por lamuriento, narcisista e ingrato quando não coisa pior e não há nada que se possa fazer a esse respeito. Tal é a natureza da moral; premia os hipócritas e castigada os incapazes e sem forças para a hipocrisia. 

Afinal, se de fato as pessoas são assim tão felizes o que explica a constante e reforçada multiplicação dos esforços para obter satisfação? Viagens, popularidade, likes em redes sociais, comprometimento político, peso adequado, coachs, igrejas etc, etc? Se os sofredores nada podem contra a exigência universal de felicidade então sua única alternativa é juntar-se aos que os criticam ou deitar abaixo suas ilusões. Esse último caminho é o que desejo explorar.


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