Mesmo depois de já ter passado por tanto aperto na vida, nunca deixam de existir os momentos em que tudo parece perdido. O senhorio hoje pediu a casa de volta. Sou forçado a reconhecer que ele foi mais gentil que a média oferecendo-se para cobrar a metade do valor do aluguel enquanto a minha mulher estivesse desempregada. Hoje a paciência e o altruísmo acabaram e ele reivindicou o imóvel ou o valor completo do aluguel e como eu não tenho esse valor o que resta é o retorno ao subúrbio, a lama de suas ruas, a miséria e as dificuldades em relação ao transporte; é como descer ao fundo de um lago escuro, infestado de monstros, depois de patinar no gelo fino por meses. Na televisão o repórter fala de tiroteios e balas perdidas. Depois de mudar-me vou ter de acordar às cinco da manhã para pegar o ônibus lotado para a faculdade e dormir a meia noite depois de viajar cerca de duas horas entre o trabalho no callcenter e minha casa no Rio Sena.
Minha mulher está na cozinha preparando o almoço. Do outro lado da cidade minha filhinha deve estar saindo da escola e indo para sua casa, também numa favela. Sentado no meu quarto, tomando um gole de vinho e desperdiçando as poucas chances que tenho eu perco meu tempo me lamentando nestas linhas, como se fizesse algum sentido escrever a respeito do que já está resolvido. Por outro lado, isso é a única coisa que me faz continuar. Saber que não importa o quanto à treva avance, eu irei ser a testemunha de meu próprio combate, e irei relatá-lo ainda que seja somente pra mim. Acho que para além dessa minha compulsão de escrever sobre tudo que me ocorre já não me importo e me tornei insensível para muitas das coisas que prometem felicidade ao comum dos mortais, talvez como uma maneira de evitar a dor e o desespero de aspirar por um bem estar inalcançável. Meu coração tem espaços amplos e claros para abrigar a alegria, mas suas paredes desabaram ao serem obrigadas a reter apenas o possível; eu lamento, mas não culpo a ninguém. Tudo é acidental e impermanente. O ser humano adapta-se a tudo. Logo estarei novamente inserido na vida feia e sem horizonte do subúrbio e, por conseguinte irei me mesclar com aquelas ruas sem asfalto com aquela vida sem esperança e irei beber vinho barato, enquanto retorno mansamente ao buraco da lama do qual nunca deveria ter saído. Por que tudo isso? Sei lá! A gente vai tateando, procurando um caminho melhor, ouvindo os conselhos, tentando lidar com os acidentes, e as coisas podem dar certo ou não. Quando elas dão certo nós nos orgulhamos e atribuímos a nós o mérito pelo sucesso (ou a Deus, o que dá no mesmo) e quando dão errado culpamos o destino, nossos pais ou simplesmente... A sorte. Eu simplesmente não extraio responsabilidade alguma de nada, as coisas acontecem assim ou assado e pronto. Nós temos que lidar com os fatos da melhor maneira possível, e eu, mudo e assombrado, não consigo ser outra pessoa senão eu, mesmo sabendo que isso não dá certo.
Minha filha me liga do celular que ganhou da mãe. Quer saber se vou matriculá-la na escola particular como lhe prometi ou se ela vai estudar novamente em uma escola pública. Digo que ainda não tenho resposta. Que estou acertando uns negócios; mentindo para minha filha, é claro que não tenho o dinheiro para a escola. Mais uma vida tendo o seu roteiro escrito à revelia das nossas esperanças. Deve haver algum charme em ser pobre nos Estados Unidos ou na França, no Brasil e na África isso não só é desprovido de charme mais é também patético. Patético como as deformidades faciais, patético como a falta de afeto dos bebuns, estúpido como tartarugas viradas de costas balançando para o ar suas pernas minúsculas. O problema não é “a pobreza”, o problema é a minha pobreza, o meu problema, e vocês dirão que além de derrotado também sou um egoísta, não sei bem o que isso quer dizer, mas tudo bem. Agora tenho que me levantar para tomar banho e ir trabalhar. Gostaria de terminar essas linhas com alguma lição moral ou citando qualquer um desses espíritos iluminados que tanto admiramos, mas meu tempo é curto e minhas preocupações são longas, tão longas que eu vou terminar de virar essa garrafa de vinho antes de me levantar, tomar banho e ir trabalhar com o sorriso vencedor no rosto que meu patrão espera que eu tenha .
Minha mulher está na cozinha preparando o almoço. Do outro lado da cidade minha filhinha deve estar saindo da escola e indo para sua casa, também numa favela. Sentado no meu quarto, tomando um gole de vinho e desperdiçando as poucas chances que tenho eu perco meu tempo me lamentando nestas linhas, como se fizesse algum sentido escrever a respeito do que já está resolvido. Por outro lado, isso é a única coisa que me faz continuar. Saber que não importa o quanto à treva avance, eu irei ser a testemunha de meu próprio combate, e irei relatá-lo ainda que seja somente pra mim. Acho que para além dessa minha compulsão de escrever sobre tudo que me ocorre já não me importo e me tornei insensível para muitas das coisas que prometem felicidade ao comum dos mortais, talvez como uma maneira de evitar a dor e o desespero de aspirar por um bem estar inalcançável. Meu coração tem espaços amplos e claros para abrigar a alegria, mas suas paredes desabaram ao serem obrigadas a reter apenas o possível; eu lamento, mas não culpo a ninguém. Tudo é acidental e impermanente. O ser humano adapta-se a tudo. Logo estarei novamente inserido na vida feia e sem horizonte do subúrbio e, por conseguinte irei me mesclar com aquelas ruas sem asfalto com aquela vida sem esperança e irei beber vinho barato, enquanto retorno mansamente ao buraco da lama do qual nunca deveria ter saído. Por que tudo isso? Sei lá! A gente vai tateando, procurando um caminho melhor, ouvindo os conselhos, tentando lidar com os acidentes, e as coisas podem dar certo ou não. Quando elas dão certo nós nos orgulhamos e atribuímos a nós o mérito pelo sucesso (ou a Deus, o que dá no mesmo) e quando dão errado culpamos o destino, nossos pais ou simplesmente... A sorte. Eu simplesmente não extraio responsabilidade alguma de nada, as coisas acontecem assim ou assado e pronto. Nós temos que lidar com os fatos da melhor maneira possível, e eu, mudo e assombrado, não consigo ser outra pessoa senão eu, mesmo sabendo que isso não dá certo.
Minha filha me liga do celular que ganhou da mãe. Quer saber se vou matriculá-la na escola particular como lhe prometi ou se ela vai estudar novamente em uma escola pública. Digo que ainda não tenho resposta. Que estou acertando uns negócios; mentindo para minha filha, é claro que não tenho o dinheiro para a escola. Mais uma vida tendo o seu roteiro escrito à revelia das nossas esperanças. Deve haver algum charme em ser pobre nos Estados Unidos ou na França, no Brasil e na África isso não só é desprovido de charme mais é também patético. Patético como as deformidades faciais, patético como a falta de afeto dos bebuns, estúpido como tartarugas viradas de costas balançando para o ar suas pernas minúsculas. O problema não é “a pobreza”, o problema é a minha pobreza, o meu problema, e vocês dirão que além de derrotado também sou um egoísta, não sei bem o que isso quer dizer, mas tudo bem. Agora tenho que me levantar para tomar banho e ir trabalhar. Gostaria de terminar essas linhas com alguma lição moral ou citando qualquer um desses espíritos iluminados que tanto admiramos, mas meu tempo é curto e minhas preocupações são longas, tão longas que eu vou terminar de virar essa garrafa de vinho antes de me levantar, tomar banho e ir trabalhar com o sorriso vencedor no rosto que meu patrão espera que eu tenha .
Um comentário:
rapa nem sei como começar este depoimento cara , apenas digo seja bem vindo cara , como vc mesmo diz?? .... a lama do surbubiu 1!!!! ; não sei pois p/ vc deva ser diferente , masi dizem que quando se vive na lama , não existe lugar mehor ??
, a grande quest~çao é ??/ vc pertence a este lugar ???? como dizia belchor ..... conheço o meu lugar car . e não,naõ deste lugar..
um abraço terno em vc juan
meu irmão de alma
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