sexta-feira, março 04, 2011

Apenas uma noite ruim.

Acordo no meio da noite com um grito de socorro entalado na garganta. Com o que eu estava sonhando realmente não lembro. O coração ainda bate acelerado e eu fico ali deitado olhando para o vazio esperando aquilo tudo passar para eu poder voltar a dormir. Do meu lado minha mulher dorme acolhida pelo repouso dos justos. A cidade está em silêncio exceto pelo ladrar de um ou outro cachorro nos confins do universo. Tudo parado. Sem contas a pagar. Um emprego garantido pelo menos até o final do ano. Minha filha está indo bem na escola e parece muito mais saudável do que eu quando tinha a sua idade. Uma mulher, um emprego, um projeto. Parece tudo perfeito, então por que essa coisa ainda se arrasta pelos corredores escuros de minha mente? O que ela quer de mim? O que é isso tudo?

Fecho os olhos para tentar retomar o fio do repouso perdido, debalde. A mente se movimenta entre varias imagens como um disco arranhado que passa de uma faixa para outra sem chegar a terminar música nenhuma. Mas não só isso. Algumas palavras ecoam dentro da caixa da minha cabeça como vozes que se elevam amplificadas por um milhão de alto falantes. O que elas dizem? Não sei, não compreendo. Não é que seja uma língua desconhecida ou coisa do gênero, eu apenas não entendo. Acho que não dizem coisa alguma. São simplesmente sons sem sentido gritados dentro do meu cérebro. Começo a entrar em pânico. Temo pela minha razão. Quando era adolescente tive experiências parecidas. As vozes ficavam ali ecoando sem dizer coisa alguma. Será que a doença de minha mãe me alcançou finalmente? Mas minha mãe tem apenas problemas de nervos, algo que nunca entendi muito bem, e isso não tem nada a ver como nervosismo. Tento me impor, respirar fundo, apelar para lucidez mas não consigo. Levanto da cama. Vou ao banheiro, sento no vaso e folheio um gibi para me distrair; a sensação de que estou pirando permanece comigo. Tomo um banho frio, vou à cozinha e bebo um copo quente de leite; sei que tudo vai se repetir quando eu me deitar. Contudo, como sou e sempre serei um durão, resolvo me deitar mesmo assim.

Fico ali, olhando para o teto e pensando, conjecturando, tentando explicar. Quando eu era um rapazote triste e sem mulher eu achava que tinha nascido para realizar algo grande. Algo que não poderia ser feito sem sacrifício e heroísmo. Acreditei nisso por muito tempo, até perceber que me manter respirando já era heróico o bastante, haja vista as condições em que nasci. Hoje meu heroísmo consiste apenas em levantar todo dia e sorrir para as pessoas. Talvez eu tenha ido muito longe nesse meu entricheiramento psicológico e alguma coisa esteja pedindo socorro dentro de mim. É possível, sim, quase tudo é. Mas e daí? Que conclusões extrair desse fato, se for realmente um fato? Também não sei responder. Penso nos meus heróis; Krishnamurti e seu vazio incompreensível e nobre, Huxley e suas aventuras místicas, Chico Xavier, um grande sujeito que nunca consegui compreender, Stirner um personagem autêntico e solitariamente forte como Bukowiski e sua adolescência e rebeldia. Penso também em muitos outros, mas nenhum me serve mais de modelo. As coisas ficaram muitíssimo mais complicadas. O sono aproxima-se, a cabeça aquieta-se, desapareço na escuridão finalmente.

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