terça-feira, março 15, 2011

Olhar partido.

Sou um desses garotos de olhar partido

Sentados, famintos, com o pensamento alado

Com as mãos tranqüilas sobre a noite quente

Esperando ali, quase eternamente.

Você está vestida como uma pantera louca

Seu corpo tem fúria, tem fogo a boca

Eu fico sentado, com um riso fino,

Você nem sequer suspeita, sou o seu destino.

Sou desses sujeitos, de um olhar cinzento

De histórias duras, de amor violento

Que Você não deixaria em sã consciência

Entrar no teu corpo, lhe trazer demência.

Mas você moveu-se, como puro acaso,

Um oceano em chamas, algo inusitado

Essa noite então, vai haver luar,

Tenho céu e inferno para lhe mostrar.

segunda-feira, março 14, 2011

Meu blues (my Funny valentine)

Sentado em memórias, me apoiando em riscos,
eu bebo você suavemente em vinho
sintetizando sonhos, domesticando os gritos,
na multidão perdido e ainda assim sozinho

Aretha confortando, Holiday ferindo
um amor de transgressões, a contradição de amar
Um oceano fugitivo na escuridão fugindo
Um contato doce amargurando o estar.

Mas derrepente assim, muda para mim o bar
A porta se abre, ela flutua infinita e linda
ondas de poesia e Funny Valentine no ar

Para meus braços desliza meu sentido de alegria
mesmo depois de me ferir tão mortalmente ainda
ela é a minha garota, meu blues e minha poesia

sábado, março 12, 2011

Minha cartada.

Nada mais do que um quarto e papéis

Nada mais que minha solidão companheira.

Entre quatro paredes sustentando a trincheira

Com os quadros da mente pintando painéis


Preservando energias do drama de estar junto

Desacreditado de tudo, com a chama a queimar

Execrado em silêncio, um suave amor defunto

Cercado de fantasmas que desaprenderam a cantar


Com poucas cartas, atenção, e paciência

Do outro lado da mesa: a morte e o nada.

Nada mais que um plano, uma só cartada.


Recorrendo ao blefe, a malicia, e minha persistência

Seguem rodadas, adversários com cartas incríveis

Eu Fazendo com ouros e valetes coisas impossíveis.

sexta-feira, março 11, 2011

Uma lição óbvia

Ele já havia passado por aquele mesmo caminho dezenas de vezes, sem se dar conta da existência do bar. Era um sujeito de hábitos regulares, de rotinas, e sempre tomava o mesmo trajeto para ir e vir do trabalho. Contudo, aquele era um dia diferente. Um caso antigo, uma mulher casada com quem já se envolvia há algum tempo lhe tinha dado carta de despejo dos seus lençóis. Tinha sido um lance bem tórrido, e ele, rapaz sem muito traquejo com as mulheres, tinha ficado apaixonado pela figura. Assim, de espinhela caída e coração desfeito em juras esquecidas de amor ele notou o barzinho no canto da rua e resolveu entrar. O cubículo era bastante quente e escuro. Em um balcão de madeira gasta e suja escoravam-se silenciosos alguns homens com seus copos. Ele entrou, escorou-se também no balcão e pediu:

-Uma cerveja por favor.

O homem do outro lado do balcão, um ancião calvo e de dentes amarelados olhou para ele e respondeu.

- Pela tua cara vais precisas de algo mais forte.

O rapaz ficou um pouco sem jeito. Então estava assim tão óbvio?

-É, acho que você tem razão. Me vê uma cachaça.

O rapaz recolheu-se novamente nos seus pensamentos, na sua dor. Um outro bebum do seu lado tocou-lhe no ombro e comentou.

-Esquenta não meu fio. É assim que as coisas são.

Ele assustou. Estaria aquele velho lendo os seus pensamentos? O que havia de errado com aquela gente, gostavam de bancar os advinhos? Resolveu ficar calado, para ver até onde ia essa encenação de bebuns.

- É assim mermo – Continuou um velho – logo se vê que vosmicê num tem as manha com as muié, por isso essa cara amargurada.

O rapaz não se conteve e resolveu dar corda à conversa.

- É. Parece que está estampado em minha cara mesmo. Levei o fora. Mas o problema não é o fora em si. É tudo que ela me dizia. Que morreria se eu a deixasse. E depois terminou comigo de uma hora para outra.

O velho balançava a cabeça condescende enquanto o rapaz contava a sua história. Os detalhes da relação eram acompanhados de goles regulares da cachaça que algum tempo já tinha chegado em suas mãos. Quando já havia listado todos os motivos para sua convicção acerca do amor da garota, quando o álcool em seu sangue o despiu dos pudores e da auto-estima que obriga os homens a calar suas mágoas, o rapazote prorrompeu em prantos.

-Aroldo, traz outra cachaça pro menino! Com os diabos, a gente tem que ficar pedindo! Gritou o velho. Aroldo sorriu, balançou a cabeça (sabia que isso fazia parte do Mise en cene do velho) e encheu novamente o copo dos dois.

-Vou te contar uma história meu fio. Quando terminar vosmicê vai entender que muié é coisa pra gente trazer no forcado, que nem aqueles laço de pega cobra que nós faz passando a corda pro dentro do bambu. Num deixa a bixa chegá perto, mas tenta segurar com força. É que nem macaco gordo, num larga um galho mermo ruim, a menos que veja outro para segurar. Quando eu tinha menos que sua idade me enrabixei com uma dona muito da boa. Era mulher dessas de parar o trânsito. Devia de saber que era problema. Me apaixonei pela dona de um jeito que ficava doente só de pensar em largar. Mas começaram a falar dela pra mim. Diziam que se deitava com todos os moleques da vizinhança e eu fiquei muito brabo, e mermo sofrendo resorvi teminá. Num é que a mulhé chorou que não queria terminar, que ia se matar se eu deixasse ela e todas essas coisa? Pois bem, acabei desisitindo e fiquei de paz com a danada. Uma semana depois eu peguei ela pendurada nos beiço de um dos meu maio camarada. Sabe o que ela disse?

Nessa altura o velho parou, deu uma risada entremeada com uma tosse seca, bebeu mais um gole de cachaça e olhou bem no fundo dos ollhos do rapaz que a essa altura até parecia sóbrio de tão atento que estava. Imitando voz feminina e desmunhecando o velho completou:

- “Eu bem que já ia terminar com você hoje Gilmar”

Uma gargalhada ecoou pelo bar. Todos riam freneticamente. Gimar cospia cachaça a quilômetros. Aroldo havia parado de lavar os pratos e se escorava na velha geladeira para não cair. Apenas o rapaz não ria. Ainda não tinha captado o sentido da coisa toda. Continuou ali bebendo e conversando, a noite caiu, ele resolveu que iria para casa. Naquele dia ele aprendeu uma coisa que tinha a impressão que todo mundo sabia, menos ele.

quinta-feira, março 10, 2011

Vivere masturbart est.

De repente você olha para os lados e se dá conta de que o jogo está todo armado e você não pode fazer muita coisa senão tentar se esquivar do que for possível. As leis, os gostos, os padrões, a expectativas das pessoas: tudo armado. Nas televisões eles tentam lhe dizer quais são seus heróis, como você deve viver. Na verdade eles falam em nome do que acham que é o que a maioria quer dizer, e se essa maioria não existia antes ela passa a existir quando eles terminam de falar. As televisões masturbam o ego das pessoas, e não há nada de que gostemos mais do que sermos masturbados. Desde pequenos, em nossos berços, nossos pais nos masturbam com seus olhares encantados, extasiados de “como é lindo meu bebê” (eles próprios masturbados pelos outros pais que já tiveram ou vão ter um bebê) e esse bebê cresce, monta uma empresa e arranca o couro de seus funcionários para obter o mesmo sumo de adocicada aprovação que recebeu de seus pais. Ou então esse bebê tão festejado, percebe subitamente que seu fornecimento de masturbação foi cortado. Ah, Man ele realmente não gosta disso. Aí fica amargo, o mundo lhe parece uma coisa muito, muito feia, e ele converte-se em um verdadeiro estorvo na vida dos outros bebês que não tiveram problemas com seu suprimento de masturbação.
E nisso resumem-se as coisas: Masturbar para ser masturbado. Mas se você precisa comer, ou se alguma outra função de sua vida reclama sua energia e não lhe sobra atenção suficiente para masturbar outra pessoa, além de si mesmo, então você vai ter problemas. Fomos inoculados desde a mais tenra infância com o hábito da masturbação recíproca e se você distrair-se dessas obrigações com certeza alguma coisa vai lhe faltar logo, logo. Nisso se especializaram os programas de televisão. Cantores, músicas e novelas são inventadas todos os dias para satisfazer essa necessidade. As redes de televisão masturbam os artistas, que masturbam os políticos, que masturbam o povo (enquanto lhe esvazia a carteira) que soberano trabalha de sol a sol para pagar a conta de todas essas masturbações. Você acha que alguém escreve, como eu, em blogs, para ouvir coisas do tipo “isso que você faz é uma merda”? Claro que não! Quem fizer isso certamente ficará impopular e isso é um crime de lesa majestade! Quem é que fica horas e horas relendo o que escreveu antes de publicar para ter a mínima certeza de que não fez merda? Que nada! Basta visitar alguns blogs de outras pessoas e elogiar bastante para receber apreciações positivas. O segredo é saber com os outros estão vivendo suas vidas, o que eles ouvem (as pessoas dirão eeeuuu não faço isso, gosto da Ivete por causa do t-a-l-e-n-to, e quem sou eu para provar o contrário) como amam, se vestem e etc. Assim as chances de receber sua dose de masturbação aumenta bastante. É um esquema banal, idota mesmo, e qualquer um pode fazer-se valer dentro dele. Mas não sei por que diabos está me parecendo tão estúpido agora, assim mesmo estou entrando na fila para tentar receber a minha dose.

sexta-feira, março 04, 2011

Apenas uma noite ruim.

Acordo no meio da noite com um grito de socorro entalado na garganta. Com o que eu estava sonhando realmente não lembro. O coração ainda bate acelerado e eu fico ali deitado olhando para o vazio esperando aquilo tudo passar para eu poder voltar a dormir. Do meu lado minha mulher dorme acolhida pelo repouso dos justos. A cidade está em silêncio exceto pelo ladrar de um ou outro cachorro nos confins do universo. Tudo parado. Sem contas a pagar. Um emprego garantido pelo menos até o final do ano. Minha filha está indo bem na escola e parece muito mais saudável do que eu quando tinha a sua idade. Uma mulher, um emprego, um projeto. Parece tudo perfeito, então por que essa coisa ainda se arrasta pelos corredores escuros de minha mente? O que ela quer de mim? O que é isso tudo?

Fecho os olhos para tentar retomar o fio do repouso perdido, debalde. A mente se movimenta entre varias imagens como um disco arranhado que passa de uma faixa para outra sem chegar a terminar música nenhuma. Mas não só isso. Algumas palavras ecoam dentro da caixa da minha cabeça como vozes que se elevam amplificadas por um milhão de alto falantes. O que elas dizem? Não sei, não compreendo. Não é que seja uma língua desconhecida ou coisa do gênero, eu apenas não entendo. Acho que não dizem coisa alguma. São simplesmente sons sem sentido gritados dentro do meu cérebro. Começo a entrar em pânico. Temo pela minha razão. Quando era adolescente tive experiências parecidas. As vozes ficavam ali ecoando sem dizer coisa alguma. Será que a doença de minha mãe me alcançou finalmente? Mas minha mãe tem apenas problemas de nervos, algo que nunca entendi muito bem, e isso não tem nada a ver como nervosismo. Tento me impor, respirar fundo, apelar para lucidez mas não consigo. Levanto da cama. Vou ao banheiro, sento no vaso e folheio um gibi para me distrair; a sensação de que estou pirando permanece comigo. Tomo um banho frio, vou à cozinha e bebo um copo quente de leite; sei que tudo vai se repetir quando eu me deitar. Contudo, como sou e sempre serei um durão, resolvo me deitar mesmo assim.

Fico ali, olhando para o teto e pensando, conjecturando, tentando explicar. Quando eu era um rapazote triste e sem mulher eu achava que tinha nascido para realizar algo grande. Algo que não poderia ser feito sem sacrifício e heroísmo. Acreditei nisso por muito tempo, até perceber que me manter respirando já era heróico o bastante, haja vista as condições em que nasci. Hoje meu heroísmo consiste apenas em levantar todo dia e sorrir para as pessoas. Talvez eu tenha ido muito longe nesse meu entricheiramento psicológico e alguma coisa esteja pedindo socorro dentro de mim. É possível, sim, quase tudo é. Mas e daí? Que conclusões extrair desse fato, se for realmente um fato? Também não sei responder. Penso nos meus heróis; Krishnamurti e seu vazio incompreensível e nobre, Huxley e suas aventuras místicas, Chico Xavier, um grande sujeito que nunca consegui compreender, Stirner um personagem autêntico e solitariamente forte como Bukowiski e sua adolescência e rebeldia. Penso também em muitos outros, mas nenhum me serve mais de modelo. As coisas ficaram muitíssimo mais complicadas. O sono aproxima-se, a cabeça aquieta-se, desapareço na escuridão finalmente.