sábado, novembro 27, 2010

Concessão de ti

Eu queria apenas permitir-me um pouco de você,
Permitir-me a degustação plena de seu ser
A compreensão sensível do teu mistério imenso
No trêmulo contato de dois corpos simples.
Na infinita ternura de um toque violento
De uma caçada de felinos sorvendo força e medo,
Sem consciência ou ponderação de nada
Em alguns minutos de erro, divindade e sonho
e a dissolução seguida
de um gesto brusco e de invasão
E perda.
Eu queria, todavia, apenas me permitir você
Sorver de tua tristeza feminina, tua mácula sagrada
Em orgíaco impulso de ternura e morte
Entranhar-me em ti como um veio de ouro quente
Tatuado doravante em seu próprio espírito.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Percorrer uma vida.

Há algo de heróico, em um leão caindo
Como um sol em chamas
E um malmequer em cacos.
Como a tela branca da perspectiva
Enlameada pela trama de insetos nebulosos,
Como a lágrima esquecida
Dos que Deram de si a polpa de uma alma
Ereta.
Há algo lmenso em um olhar de pássaro,
Em sua indecisão e morte eminente
No vacilo breve de tudo que levanta
E cai.
Há algo muito antigo e forte, esparso nas lâminas
De uma escama esguia
Que silenciosamente mata, existe em si e vai.
Há algo poderoso em um velho reticente,
Em um idoso sem certezas
em um suspiro de partida.
Há algo incomensuravelmente humano em dizer
Não sei.
Há algo incomum em percorrer uma vida.

sábado, novembro 20, 2010

Permanência na terra

A rua barulhenta como sempre me faz lembrar da substância da qual as pessoas são compostas. Precisava me aliviar um pouco, muitas dúvidas, muitas incertezas. A dor pode até passar, algumas se vão sem deixar vestígios, outras nos acompanham para sempre; estas últimas se entrelaçam com aquilo que nós éramos antes delas nos alcançarem com os seus meandros. Ao olhar o rosto de uma pessoa você pode ter um pequeno mapa dos assaltos que a vida fez a uma alma, e as deformidades que tais golpes engendraram. Você vê uma criancinha sorrindo: Ainda não tem dores, ainda não recebeu os golpes, ainda não foi submetida as pressões e danos, exigências e entalhes, castrações e perdas. Em seguida você vê um adolescente: forja suas armas, testa novos esquemas para evitar o horror que ele já conhece. Procura estratégias para se fazer valer. Fortalece as suas posições através de conluios e associações, depreciações de coisas diferentes e as vezes uma certa crueldade. Então você vê um velho: a peça acabada, convicto das suas convicções, moralista até a raiz de sua medula antiga, as vezes invejoso daqueles que gozam o que já não pode, emprenhado em fazer a roda da dor seguir o mesmo curso, com todos os entalhes do destino gravados em sua face que reflete algumas vezes a ternura de um por do sol após uma batalha inútil.
É sempre assim quando me ponho a caminhar. Não importa muito o lugar para onde vou, meu caminho e sempre recortardo pela compreensão incômoda das pessoas que me atravessam o caminho. Com um emprego estável eu talvez não trouxesse a cabeça tão inquieta de reflaxões.As vezes sinto o dedo de velhas tragédias folheando novamente o livro desta breve vida. Em um pais tão fartamente repleto de perigos e de insanas coisas se passando a cada esquina a pobreza se parece muito mais com uma Geena assustadora. Contudo, não dá mais para prosseguir com esse desabafo tolo. Meu vizinho está despejando embaixo da minha janela alguns milhares de litros de música baiana. O mal cheiro da sexualidade reprimida, e portanto pútrida, em forma de estupidez verbal torna o ar irrespirável. Preciso levantar-me, fechar da janela e chamar Chopin para melhorar a atmosfera.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Tenho sido.

Tenho divagado, temido e suspirado.
Amado um pouco menos, compreendido um pouco mais,
Olhado a cor das coisas densas e me retirado através
De alguns discursos.
Sido jogado de um lado para o outro,
Como um rápido corcel a mercê do risco.
Enfrentado algumas obrigações, livros de estudo, noturnos de Chopin
e alguma sensação de falta de propósito.
Sobretudo eu tenho sido apenas um,
ou dois talvez e raramente três.
Tenho tido mitologias desastradas e projetos frágeis
Folhas de crepom para um jardim de acácias
E alguma poesia vaga saltando do meu peito.
Narciso assombrado com mudança e fome,
Penumbra de questões e afeto inconcluso.
Sobretudo permaneço de pé para o poente
Um peito forte estremecendo em lutos,
Um olhar cinzento que rebrilha e apaga,
Uma aurora clara que irá me concluir sem sustos.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Viver é estar em perigo..fácil falar!

Que brincadeira mais sem graça. É a frase que ecoa em meus pensamentos sem cessar. Com a maldita carta que avisa sobre o cancelamento do meu contrato eu conjecturo enquanto atravesso o passeio do centro da cidade me esquivando dos pedestres, contando centavos, conjecturando alternativas...reproduzindo na tela do pensamento as aflições da miséria que conheço muito bem. Um senhor de bengala me olha bem nos olhos e acena com a cabeça, os perdedores se reconhecem, eu penso. Tem ainda os orgulhos da condição masculina que é preciso sufocar para pedir favores, a disposição para o trabalho que não basta, pois o fator sorte nem sempre está a nosso favor. Sim. Você não vai entender o que é isso até ter passado como eu pela reivindicação silenciosa da necessidade. O sinal fechou e agora posso atravessar. As pessoas correm de uma lado para o outro, parecem saber onde estão indo. Planejar, planejar e planejar apenas para descobrir depois que os seus planos valem menos que um cigarro molhado que caiu no esgoto, pois o fator decisivo, a oportunidade não lhe favoreceu. E você é jogado de um lado para o outro, indo e voltando, dando um passo a frente e dois atrás, tentando se convencer que as coisas estão indo em frente mas na verdade tudo lhe parece não passar de uma satânica piada de mau gosto. E no final eles tiraram até o último resquício de dignidade, aquele que lhe fazia acreditar que tudo é uma arapuca e é melhor nem dar o primeiro passo. Agora eu tenho que explicar para minha filha que não vai haver natal esse ano. Que o peixinho dela também não terá ração. “
-Não minha senhora, não quero um folheto evangélico.
-Vai com Deus então
Ela responde como se estivesse me rogando uma maldita praga. Como se isso fosse necessário. De repente sinto uma súbita vontade de dar uma baita gargalhada. Estarei enlouquecendo? Quem é que vai me responder isso? Os psicólogos almofadinhas que nunca passaram fome? Parado no ponto de ônibus eu espero. Ouço as conversas deles que não me dizem nada. Não faço parte do jogo e se eu pudesse pular fora desse ringue sem arrastar meu girassol comigo já o teria feito há muito tempo. Mas já que eu não posso, seus malditos duendezinhos dos infernos, vamos ver quem é mais durão, vamos ver o que vocês trazem em suas estúpidas camisas, estou de pé para assistir seus jogos de terror com um pai atormentado e sua criancinha.. vamos ver do que vocês são capazes seus canalhas!

segunda-feira, novembro 01, 2010

Only Walking

Ele vai caminhar pela praia de Itapuã como tantas vezes fez pela orla empobrecida e suja do bairro onde passou a maior parte da sua vida. Não sabe muito bem por que isso lhe provoca um inominado bem estar, nem por que não consegue tornar tal caminhada um hábito. Talvez sejam surtos de solidão feliz que o acometem de forma sazonal, mas ele não pensa nessas coisas. Apenas pega seu boné e sai. No caminho ele vai prestar atenção em coisas que ordinariamente lhe são veladas por temores. Vai observar o semblante das pessoas, vai notar os pequenos vincos em suas testas e compreender, sem no entanto explicar, a aflição de suas vidas. Isso lhe vai lembrar as suas próprias aflições. Ele vai, uma vez ou outra, deixar-se arrastar para o interior confuso de seus medos e desejos. Vai dialogar consigo, exortar-se a adotar uma certa atitude frente ao mundo, vai refutar algumas argumentações de conhecidos e desconhecidos e vai explicar a fantasmas que eles estão errados e porque. Ele também vai rolar na lama de seu passado triste. Vai sentir pena de si mesmo. Vai catalogar cada pequeno evento que o faz superior ao mundo, ou então, simplesmente vai afirmar a própria incompetência para viver. Contudo, nem sempre será dessa maneira. Em alguns momentos breves em que o tempo para, ele apenas estará lá. Observando sem catalogar, sentindo sem acumular, amando sem reter ou segurar. Ele talvez chegue a perceber-se apenas diluído na trama confusa de momentos sucessivos, sem essência, conteúdo ou missão. E as pessoas passarão por ele e ele passará por elas. Depois irá retornar a sua casa para falsificar a vida escrevendo uma vez mais.