O Leandro sempre me pareceu um sujeito tranqüilo, mas nos últimos tempos andava bastante ensimesmado. Algo lhe perturbava, era possível perceber. Já não participava das rodas de bate papo, não comparecia as reuniões da velha guarda para tomar uma cerveja e conversar sobre filosofia. Permanecia apático e silencioso no canto dele como eu mesmo muitas vezes já houvera ficado também, mas no meu caso isso era bem mais normal. A mulher dele parecia não perceber essa mudança, continuava a mesma mulher de sempre; cuidava da casa, lavava as roupas de ambos e até parecia mais feliz que de costume e o motivo era óbvio. É que o Leandro já não saia para a farra e certamente já não vivia as costumeiras aventuras de sempre e qualquer que fosse o motivo dessa sua redução ao sacerdócio do lar, sua mulher (é claro), não podia deixar de vê-la com bons olhos.
A maioria dos rapazes também não percebeu a mudança. Nossa amizade sempre foi muito irregular e contingente. Não tínhamos data certa para nos reunir. Acontecia uma vez ou outra quando um de nós resolvia ligar para os outros e marcar, mas todos compareciam. Embora fossemos anti-sociais em relação a maioria das pessoas entre nós mesmos éramos muito leais. Sujeitos sem muita expectativa ou recursos mas com a convicção partilhada de que o brio e a admiração recíproca é tudo que temos em meio as trincheiras. Lembro-me que foi exatamente o Leandro quem alertou-me certa feita para o livro do Robert. M Piercing O zen e o Manual da Manutenção de Motocicletas. Dali extraímos o termo Briologia que passou a constituir a viga mestra de todo nosso edifício de valores construído em meio a garrafas de cerveja, narrativas de sucesso e de fracassos afetivos, falta de grana e etc. Nunca soubemos ao certo o que essa palavra significava. O estudo do Brio, que pode ser entendido como uma forma de honradez, lealdade, auto-afirmação admiração sincera pelos pares etc.Enfim o brio era o que impedia, nas palavras do Bukowiski, um homem de “entregar a rapadura”, e Leandro até então nunca tinha entregado.
Bom o fato é que um dia nos encontramos acidentalmente num evento da academia. Como eu, ele tambem era um egresso das classe menos alfabetizadas e que havia entrado pra vida acadêmica para fugir da deprimente condição de trabalhador braçal no Brasil. Leandro parecia mudado, sem aquele brilho feroz no olhar. Estava estudando Karl Marx e um certo constragimento foi inevitável quando o encontrei. Havia cedido a pressão, foi o que pensei, entregou a rapadura Falou alguma coisa sobre filiação partidária, algo estúpido para perguntar a alguém como eu; Leandro já soube disso algum dia. Nos despedimos e saí dali com uma idéia na cabeça. Uma sensação meio stirneriana de que o mundo é uma casa assombrada e por não resistir ao medo que causam os fantasmas as pessoas terminam enlouquecendo, convertendo-se elas mesmas em possessos. Isso quando as famílias não obtêm o sucesso em torná-las possessas desde a infância. Possuídas por ideais, palavras, metas e exigências que lhes dão a sensação ilusória de que existe algo como um grande capitão no leme do navio. Mas eu sei que não há, ou se há, com certeza saiu para almoçar E OS MARINHEIROS TOMARAM CONTA DO NÁVIO.
Um comentário:
Hello meu caro Juan,
Os leandros se entregam e as vezes isso nos faz andar para frente olhando p/ os lados e conservando nosso medo, nos leva a pensar quem será o proximo nessa imensa brincadeira de roleta russa.
Força Irmão e que paz de uma dia de domingo nunca nos engula
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