sexta-feira, março 11, 2011

Uma lição óbvia

Ele já havia passado por aquele mesmo caminho dezenas de vezes, sem se dar conta da existência do bar. Era um sujeito de hábitos regulares, de rotinas, e sempre tomava o mesmo trajeto para ir e vir do trabalho. Contudo, aquele era um dia diferente. Um caso antigo, uma mulher casada com quem já se envolvia há algum tempo lhe tinha dado carta de despejo dos seus lençóis. Tinha sido um lance bem tórrido, e ele, rapaz sem muito traquejo com as mulheres, tinha ficado apaixonado pela figura. Assim, de espinhela caída e coração desfeito em juras esquecidas de amor ele notou o barzinho no canto da rua e resolveu entrar. O cubículo era bastante quente e escuro. Em um balcão de madeira gasta e suja escoravam-se silenciosos alguns homens com seus copos. Ele entrou, escorou-se também no balcão e pediu:

-Uma cerveja por favor.

O homem do outro lado do balcão, um ancião calvo e de dentes amarelados olhou para ele e respondeu.

- Pela tua cara vais precisas de algo mais forte.

O rapaz ficou um pouco sem jeito. Então estava assim tão óbvio?

-É, acho que você tem razão. Me vê uma cachaça.

O rapaz recolheu-se novamente nos seus pensamentos, na sua dor. Um outro bebum do seu lado tocou-lhe no ombro e comentou.

-Esquenta não meu fio. É assim que as coisas são.

Ele assustou. Estaria aquele velho lendo os seus pensamentos? O que havia de errado com aquela gente, gostavam de bancar os advinhos? Resolveu ficar calado, para ver até onde ia essa encenação de bebuns.

- É assim mermo – Continuou um velho – logo se vê que vosmicê num tem as manha com as muié, por isso essa cara amargurada.

O rapaz não se conteve e resolveu dar corda à conversa.

- É. Parece que está estampado em minha cara mesmo. Levei o fora. Mas o problema não é o fora em si. É tudo que ela me dizia. Que morreria se eu a deixasse. E depois terminou comigo de uma hora para outra.

O velho balançava a cabeça condescende enquanto o rapaz contava a sua história. Os detalhes da relação eram acompanhados de goles regulares da cachaça que algum tempo já tinha chegado em suas mãos. Quando já havia listado todos os motivos para sua convicção acerca do amor da garota, quando o álcool em seu sangue o despiu dos pudores e da auto-estima que obriga os homens a calar suas mágoas, o rapazote prorrompeu em prantos.

-Aroldo, traz outra cachaça pro menino! Com os diabos, a gente tem que ficar pedindo! Gritou o velho. Aroldo sorriu, balançou a cabeça (sabia que isso fazia parte do Mise en cene do velho) e encheu novamente o copo dos dois.

-Vou te contar uma história meu fio. Quando terminar vosmicê vai entender que muié é coisa pra gente trazer no forcado, que nem aqueles laço de pega cobra que nós faz passando a corda pro dentro do bambu. Num deixa a bixa chegá perto, mas tenta segurar com força. É que nem macaco gordo, num larga um galho mermo ruim, a menos que veja outro para segurar. Quando eu tinha menos que sua idade me enrabixei com uma dona muito da boa. Era mulher dessas de parar o trânsito. Devia de saber que era problema. Me apaixonei pela dona de um jeito que ficava doente só de pensar em largar. Mas começaram a falar dela pra mim. Diziam que se deitava com todos os moleques da vizinhança e eu fiquei muito brabo, e mermo sofrendo resorvi teminá. Num é que a mulhé chorou que não queria terminar, que ia se matar se eu deixasse ela e todas essas coisa? Pois bem, acabei desisitindo e fiquei de paz com a danada. Uma semana depois eu peguei ela pendurada nos beiço de um dos meu maio camarada. Sabe o que ela disse?

Nessa altura o velho parou, deu uma risada entremeada com uma tosse seca, bebeu mais um gole de cachaça e olhou bem no fundo dos ollhos do rapaz que a essa altura até parecia sóbrio de tão atento que estava. Imitando voz feminina e desmunhecando o velho completou:

- “Eu bem que já ia terminar com você hoje Gilmar”

Uma gargalhada ecoou pelo bar. Todos riam freneticamente. Gimar cospia cachaça a quilômetros. Aroldo havia parado de lavar os pratos e se escorava na velha geladeira para não cair. Apenas o rapaz não ria. Ainda não tinha captado o sentido da coisa toda. Continuou ali bebendo e conversando, a noite caiu, ele resolveu que iria para casa. Naquele dia ele aprendeu uma coisa que tinha a impressão que todo mundo sabia, menos ele.

2 comentários:

Rafael Medeiros disse...

Uma bela FLor do Mal. Abraços cínicos!

Hilton disse...

Evoé!