porque será que não fiquei surpreso quando ela me contou que teria que partir? Foi numa noite de segunda feira quando eu tinha acabado de chegar do trabalho, moído e cansado como sempre.
A fumaça do cigarro voava pelo ar e a musica do Hank Wiliams procurava me lembrar sobre o funcionamento das coisas. As vezes ela aparecia do nada, entrava pela porta da minha vida, ficava uns dois dias e sumia novamente, um estrondo de mulher. Linda como a aurora, doce, inteligente e (coisa rara) com senso de humor. Era casada. Seu marido era um intelectual menor, escritor de contos enfadonhos, filho de papai, liberal e pouco atencioso. Ela dizia que tinha sede de descobertas. Queria se permitir alguma coisa intensa como o que eu a fazia viver. Sabe, talvez você não entenda, mas sou um garoto da favela e quem vem de lá, se não morre cedo, aprende que nada de bom dura muito ou é dado de graça. Por isso quando me era dado o milagre de estar ao seu lado eu procurava dar-lhe o melhor de mim. É claro que uma hora a coisa ia desfazer-se como uma gota de orvalho exposta ao sol. A família, não sei exatamente como, a pressionava de muitas formas e talvez os sentimentos dela em relação ao casamento não fossem muito claros; uma mulher sem contradições não é uma mulher. As coisas vem e vão e depois de um bom número de perdas o sujeito já não tem energia para gritar contra o universo. Só quem perdeu pouco durante a vida ainda se queixa por muito tempo de um fracasso novo. Ela desapareceu na curva do horizonte deixando em seu lugar uma tristeza seca e sem recursos. Uma velha garrafa de vinho barato, há muito tempo na estante me olhou e eu retribuí aquele olhar. Retirei a tampa, dei uma golada direto no gargalo e a embriaguês foi se aproximando esguia e sedutora. aos poucos fui me convencendo que tinha sido apenas um delirio e comecei a rir compulsivamente. Realmente era bem patético um decadente como eu achar que aquela mulher poderia instalar-se entre minhas traças, meus delírios e demônios. Eu ri e gargalhei enquanto o vinho ia se esvaziando, mas não foi com o riso que meus lábios bebâdos adormeceram.
Um comentário:
Mulheres...sempre presente na agonia do ser & estar & sentir...
"Quando nos vestimos na praia, Marie olhava-me com olhos brilhantes. Beijei-a. A partir desse momento, não falamos mais. Apertei-a contra mim, e tivemos pressa de encontrar um ônibus, de voltar, de ir para a minha casa e de nos atirarmos na minha cama. Tinha deixado a janela aberta, e era bom sentir a noite de verão escorrer por nossos corpos bronzeados."
(O Estrangeiro)Albert Camus
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