domingo, outubro 11, 2009

Tragicomédia em dois atos.

porque será que não fiquei surpreso quando ela me contou que teria que partir? Foi numa noite de segunda feira quando eu tinha acabado de chegar do trabalho, moído e cansado como sempre.
A fumaça do cigarro voava pelo ar e a musica do Hank Wiliams procurava me lembrar sobre o funcionamento das coisas. As vezes ela aparecia do nada, entrava pela porta da minha vida, ficava uns dois dias e sumia novamente, um estrondo de mulher. Linda como a aurora, doce, inteligente e (coisa rara) com senso de humor. Era casada. Seu marido era um intelectual menor, escritor de contos enfadonhos, filho de papai, liberal e pouco atencioso. Ela dizia que tinha sede de descobertas. Queria se permitir alguma coisa intensa como o que eu a fazia viver. Sabe, talvez você não entenda, mas sou um garoto da favela e quem vem de lá, se não morre cedo, aprende que nada de bom dura muito ou é dado de graça. Por isso quando me era dado o milagre de estar ao seu lado eu procurava dar-lhe o melhor de mim. É claro que uma hora a coisa ia desfazer-se como uma gota de orvalho exposta ao sol. A família, não sei exatamente como, a pressionava de muitas formas e talvez os sentimentos dela em relação ao casamento não fossem muito claros; uma mulher sem contradições não é uma mulher. As coisas vem e vão e depois de um bom número de perdas o sujeito já não tem energia para gritar contra o universo. quem perdeu pouco durante a vida ainda se queixa por muito tempo de um fracasso novo. Ela desapareceu na curva do horizonte deixando em seu lugar uma tristeza seca e sem recursos. Uma velha garrafa de vinho barato, há muito tempo na estante me olhou e eu retribuí aquele olhar. Retirei a tampa, dei uma golada direto no gargalo e a embriaguês foi se aproximando esguia e sedutora. aos poucos fui me convencendo que tinha sido apenas um delirio e comecei a rir compulsivamente. Realmente era bem patético um decadente como eu achar que aquela mulher poderia instalar-se entre minhas traças, meus delírios e demônios. Eu ri e gargalhei enquanto o vinho ia se esvaziando, mas não foi com o riso que meus lábios bebâdos adormeceram.

Um comentário:

Gustavo Abisz disse...

Mulheres...sempre presente na agonia do ser & estar & sentir...




"Quando nos vestimos na praia, Marie olhava-me com olhos brilhantes. Beijei-a. A partir desse momento, não falamos mais. Apertei-a contra mim, e tivemos pressa de encontrar um ônibus, de voltar, de ir para a minha casa e de nos atirarmos na minha cama. Tinha deixado a janela aberta, e era bom sentir a noite de verão escorrer por nossos corpos bronzeados."

(O Estrangeiro)Albert Camus