Conheci algun anos atrás um casal de amigos. Gostavam-se em demasia. Eram cooperativos e parceiros, gentis um com o outro e bastante dialógicos. Discordavam apenas em um ponto, mas por azar, justamente sobre esse ponto as civilizações resolveram erguer os tratados de controle que nos ensinam nas igrejas. Ela considerava muito natural dar seu corpo a outros, e não somente seu corpo, mais uma parte pequena de seu espírito também. Na parte maior e mais contínua ele reinava absoluto, isso para ela era tudo que significava a palavra amor. Contudo ele não pensava o mesmo e essa relação assíncrona caminhava sob o fio do fim eminente. Ela não conseguiria abrir mão do prazer inocente e franco do leito, ele não podia abrir mão do último território no qual sentia-se exclusivo e maior que os outros mortais. O que o afligia? A idéia de que ela poderia ser mais feliz com outros do que com ele, ou a sensação de que ela tinha um tipo de poder sobre os demais que ele próprio acreditava não possuir? Afinal, suas insônias eram o reflexo do temor da perda de algo que se tem em alta conta ou tão somente a inveja por uma liberdade que ele mesmo nunca teve? Uma pergunta complexa e dolorosa para ser feita a alguém que se contorce no inferno do ciúme. Os dias prosseguiram para aqueles dois nesse mesmo ritmo, ela recorria a mentira elegante para poupar o seu querido das verdades que ele mesmo rejeitava ( e quantas vezes ela tentara em vão prepará-lo para elas) e quando algo vazava para fora da ilusão que ela lhe dava de presente toda revolta do rapaz explodia em cólera e fúria. Devido a mudanças comuns a vida dos mortais nunca mais os vi. Não sei como terminou a história. Mas tenho algumas hipóteses. Talvez ela tenha resignado-se pelo medo da velhice e aceitado os impositivos morais de nossos bisavós, fazendo-o então um homem feliz e honrado como ele sonhava ser; ou talvez tenham se separado, e nesse caso fica mais difícil prever o que aconteceu depois. A vida é um leito de Procusto, paga-se um grande preço por exigir medidas exatas para as coisas.
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