Achei tinha que perdido alguma cena importante do filme enquanto tinha ido ao banheiro, pois depois que me sentei na poltrona todos acompanhavam a trama com interesse e apenas eu estava entediado. Uma garota linda e bem nascida driblava mil e um contratempos para casar-se com um garoto também lindo e bem nascido por quem ela tinha se apaixonado. Haviam também as situações inusitadas, os gestos ridículos e mal entendidos, que faziam todo mundo rir menos eu; sentia vergonha ao ver as pessoas submetendo-se gratuitamente àqueles papéis. É claro que eu sabia que ficar sozinho é uma coisa amarga, mas fazer da fuga dessa dor algo tão grandioso me soava patético. Saímos do cinema e voltamos para nosso bairro pobre. Os rapazes com suas namoradas foram namorar e eu que não tinha uma voltei para os livros e a masturbação. É claro que eu queria ter uma namorada também, mas não achava que isso iria transformar minha vida num passe mágica como o filme sugeria. Particularmente tinha uma garota de quem gostava muito (era a única da minha rua e eu gostava de quase todas dentro de certos limites mínimos que eram aliás bem flexíveis) e que com toda razão não dava atenção ao menino esquálido e mal vestido que nunca ia as festas por que não tinha roupas apropriadas em 1980. Também não me esforçava para driblar a rejeição, não parecia valer muito a pena correr o risco de uma rejeição quando eu próprio já me rejeitava tanto. Por outro lado, o esforço em superar ambas as rejeições( a minha por mim mesmo e a hipotética pela garota) me parecia exigir um tipo de energia que já estava comprometida totalmente com a riqueza inefável de meu lindo mundo interior. Com o tempo esse mundo também foi ficando cada vez mais vazio. Acabou sobrando um tanto de energia residual, que vez por outra utilizo de diversas maneiras de acordo com as exigências do contexto, mas ainda me sinto diante da vida como fiquei naquela sala de cinema. Talvez eu realmente tenha perdido alguma cena importante.
Um comentário:
Rs... engraçado também pensei ter perdido alguma coisa, num certo ponto de minha vida, e talvez tenha perdido, não saber o que foi, traz um desconforto suportável,feito azia... incomda mas não chega a perturbar todas as noites, e apesar das hipotéticas situações que forjei, nada foi capaz de fazer minha azia passar. até me dizerem que pó de café era bom, mas isso é outra história e não cabe aqui.
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