Tarde de sol de um feriado, agraciado pelo indulto do patrão eu bebo minha óbvia cerveja e folheio o relatório do Steinbeck enquanto a pequena diverte-se a poucos metros de mim. Ela já fez vários amigos em poucos minutos no parque. Tenho muito a aprender com ela, é um fato, minha suspeita acerca dos conchavos e das tramas nas quais os outros nos envolvem ergue uma barreira entre mim e o coração geral da vida. Ou talvez seja só o resíduo de minha timidez esmagada diante da sadia crueldade necessária. Brincando de pega-pega com os novos amigos Tina ainda não sabe dessas coisas. A maioria das pessoas também não sabe. Talvez não haja nada para ser sabido, afinal de contas. No entanto, ainda que não seja saudável não consigo deixar de pensar na minha garota se consumindo em ciúmes, e o que é o ciúme? Uma tentativa de furtar ao outro sua indeterminação, o que ele tem de mais humano? Uma trama ou um jogo onde as mãos do medo movem as peças dos peões que somos nós? E ninguém está livre do medo.
Prefiro deixar tudo isso de lado. A tarde está linda e as folhas das árvores agitam-se na carícia do vento. Existem risco e dúvida por trás de tudo que nos cerca e isso talvez não seja tão ruim. Mas, como ultrapassar o cordão de névoa que constitui o apego? Também forjei os meus nas noites secas e sozinhas nas quais vaguei sem a luz de um corpo feminino, todavia ainda oscilo vagamente entre a incerteza afirmativa do que sou e essa sombra fria que chamamos segurança.
Não sei até que ponto, somos tecidos do fio de temores dos nossos ancestrais. - O meu namorado tem andado muito estranho – Uma garota em trajes sumários comenta com a amiga que toma um refrigerante. – Agora só quer me levar para sair uma vez por mês! - Ela completa agitando as mãos com unhas imensas e bem pintadas de vermelho- Cuidado amiga. - A colega adverte interrompendo o sorvete- Deve estar com outra na rua, é melhor tomar cuidado com o que é seu.
Fico pensando se é o resultado de uma tradição caquética ou se é impossível amar alguém como indivíduo.
- Papai me compra um sorvete? – Tina me pergunta com seu sorriso maroto; eu enfio a mão no bolso e tiro duas moedas e lhe dou.
- O que o senhor está lendo?
- Lobo mal e os três porquinhos – Respondo.
- Não é nada.
- O senhor está lendo fi-lo-so-fia.
E sai correndo na direção do seu sorvete. Ela tem razão, sempre teria.
O lobo mal pode ser qualquer coisa e nem sempre temos um porquinho com uma casa de tijolos para nos esconder. O lar espedaçado do éden de Steinbeck pode ter sido o meu. A cicatriz no braço, o beijo de uma faca manipulada pela minha ex-mulher é uma prova disso.
A tarde aproxima-se lentamente do final. Chamo a pequena para voltar pra casa, um momento difícil. Mas, ela aceita meus argumentos: pipoca e brincar de monstro e herói, onde eu sempre serei o monstro. Nada muito diferente, mas dessa vez pelo menos é divertido. Damos as costas para o parque deixando para trás momentos alegres, um sonho na memória do tempo. Meu amor se dilata e expande nas quatro direções do universo com o sorriso dela. Chegamos em casa!
Prefiro deixar tudo isso de lado. A tarde está linda e as folhas das árvores agitam-se na carícia do vento. Existem risco e dúvida por trás de tudo que nos cerca e isso talvez não seja tão ruim. Mas, como ultrapassar o cordão de névoa que constitui o apego? Também forjei os meus nas noites secas e sozinhas nas quais vaguei sem a luz de um corpo feminino, todavia ainda oscilo vagamente entre a incerteza afirmativa do que sou e essa sombra fria que chamamos segurança.
Não sei até que ponto, somos tecidos do fio de temores dos nossos ancestrais. - O meu namorado tem andado muito estranho – Uma garota em trajes sumários comenta com a amiga que toma um refrigerante. – Agora só quer me levar para sair uma vez por mês! - Ela completa agitando as mãos com unhas imensas e bem pintadas de vermelho- Cuidado amiga. - A colega adverte interrompendo o sorvete- Deve estar com outra na rua, é melhor tomar cuidado com o que é seu.
Fico pensando se é o resultado de uma tradição caquética ou se é impossível amar alguém como indivíduo.
- Papai me compra um sorvete? – Tina me pergunta com seu sorriso maroto; eu enfio a mão no bolso e tiro duas moedas e lhe dou.
- O que o senhor está lendo?
- Lobo mal e os três porquinhos – Respondo.
- Não é nada.
- O senhor está lendo fi-lo-so-fia.
E sai correndo na direção do seu sorvete. Ela tem razão, sempre teria.
O lobo mal pode ser qualquer coisa e nem sempre temos um porquinho com uma casa de tijolos para nos esconder. O lar espedaçado do éden de Steinbeck pode ter sido o meu. A cicatriz no braço, o beijo de uma faca manipulada pela minha ex-mulher é uma prova disso.
A tarde aproxima-se lentamente do final. Chamo a pequena para voltar pra casa, um momento difícil. Mas, ela aceita meus argumentos: pipoca e brincar de monstro e herói, onde eu sempre serei o monstro. Nada muito diferente, mas dessa vez pelo menos é divertido. Damos as costas para o parque deixando para trás momentos alegres, um sonho na memória do tempo. Meu amor se dilata e expande nas quatro direções do universo com o sorriso dela. Chegamos em casa!