terça-feira, novembro 13, 2007

Percurso Finito

Estou aqui em uma festa na casa de Hélio Mariano e ele está contando suas aventuras pelo Vale da Chapada. A Dan, minha garota está do meu lado, agarrada em meu braço em silêncio. Sua melancolia lhe transpira pelos poros, mas não existe frio nesta tristeza, antes é possível sentir o calor insano do que quer saltar para fora mas se encontra contido por algum tipo de laço, alguma corda de fraqueza ou algo mais forte que o desejo de prazer e deslumbre do corpo: vaidade? Não sei. Há tantos entre tantos entre o possível e o que é, e a carne que pulsa é tão ingênua diante das tramas da vontade que prefiro me calar atônito.
Hélio me pergunta algo sobre Castañeda – Se ele estiver certo, não podemos dizer isso – respondo – E se ele estiver errado tudo que pode ser dito não faz sentido algum. – Ele ri e os imbecis drogados que lhe cercam não entendem nada.
Saio para dar uma circulada com o copo de vinho na mão, o calor alcoólico correndo pelas veias e os pedaços desconexos de pensamentos flutuando no caldo da percepção indivisa e homogênea como sopa de feijão. O momento e a alegria que escorrem entre os dedos e a instabilidade que tenta encontrar um ponto claro. O que quero? Só descubro quando vejo a garota de pele clara, em contraste com a pele escura de Dan ( seus antepassados estragulando tigres na savana, dançando para o milho florescer, gritando enlouquecidos ao deus da mata).
E isso me faz suspirar e a desejar ardentemente, mas e a Dan e seu suspiro? E a ética costurada pelos compromissos mudos que assumimos contra o que queremos? O mundo é contingente e Shiva Nataraja surpresa se assusta com o que criou em sua dança. Apenas os homens, e nesse caso as mulheres, tentam extrair ordem até do próprio ventre do que é caótico: o desejo.
A garota tem os olhos acinzentados e o lábio fino de quem não conhece as tramas do poder. Sua saia hippie de quem acha que é louca, sua tatuagem para consumar um ser que não se deu, e eu a desejando mudo e desesperado. E quanto ao carma? A corrente de causas infinitas que nos determinam inevitavelmente? Todas as questões que isso não responde inclusive aquela pergunta: Quem provocou o giro inicial da culpa? Não sei como minha ignorância pode estar alicerçada em algo tão antigo. Ainda assim se repete a velha oposição entre o que quero e o que devo, mas nenhuma das duas coisas me parece seguro. Viver não é bem uma atividade sensata.
A garota percebe que eu a estou olhando, agora sem o álibi do copo de vinho que jaz vazio em minha mão. Ela não demonstra desconforto, já não sou um garoto e nada em mim lhe chama atenção. Eu me lembro da segunda nobre verdade: A dor vem do desejo. Anulação, fraqueza, niilismo. Nietsche e seu bigode impotente berrando e sorrindo alternadamente. É absurdp crer que basta simpleste ser e estar? Para além dos predicados e dos juízos? Dou às costas a beldade élfica e volto para os braços de minha princesa melancólica. Aceitação e renúncia: sem metafísica nem fé.Mais e o delírio beat de viver desabrochando como um girassol sem peias? E o experienciar que para algumas metafísicas não cristãs é o vôo da águia para além da segurança? Uma jogada arriscada, e tenho poucas fichas, ou não?
Chego à sala e sento ao lado da minha Kaka ( apelido extraído de seu gosto pelo Kafka e pelo mau hábito de plagiar Buckowski), Hélio agora discute com Léo sobre o Decamerão, Doors, Marijuana e Ezra Pound. Eu sem entender nada viro outro copo de uma só vez e a Dan percebe que não estou bem. Invento uma desculpa me despeço dos amigos e caio fora. No caminho falo algumas coisas pra preencher o vazio entre nossos corpos separados. O frio da noite roça com seu dedo de questões meu olho triste. Chegamos a casa e eu durmo soluçando em choro no abraço de kaka.





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