segunda-feira, maio 11, 2009

Eu estou aqui


Nunca esperei nada de muito fantástico da vida. O que sou foi forjado na luta agoniada contra três temores: a fome, o abandono e a vergonha. A vontade intensifica-se quando se reúnem em uma mesma pessoa um orgulho imenso e um terror inominável. Sem o orgulho para reagir o horror geralmente esmaga e o que resta é um frangalho mal ajustado e bem conformado. Sem o horror para acossar a decisão, para obrigar os sentidos a lidar com a emergência a vida corre letargia e perde-se muito tempo e energia com mesquinharias. Preocupação com a publicação antes da produção da obra, com a popularidade antes da própria vida. O gozo pleno é uma função da urgência. Só os urgentes são criveis e reais. A urgência não permite planos, não pode perder tempo, não cede espaço para a intrusão do alheio. O pressentimento da extinção talvez seja aparentado com essa posição, mas não quero adentrar esse terreno. Para mim ele inspira vida. Vida rica e produtiva, vida de multiplicação e sorte, vida de atenção e pertinência. A urgência move o Leão, pois sua presa é rara e cada momento é decisivo. Nem só o talento, ao contrário do que pensam, determina sua existência, mais principalmente o acaso. O acaso é o Deus do forte.
Ela veio para mim desinibida. Seu lábio vermelho tremia na expectativa de prazer que ela também já não sentia há muito tempo. os dias não tinham sido generosos com ela e a tinham deixado marcada pela tristeza, tatuada de olheiras e com o corpo tenso por medo de sofrer. Mas eu sabia de sua historia mesmo sem jamais tê-la visto antes. Abracei seu corpo magro com força e a puxei de encontro a mim, ela sentiu meu desejo pulsar,eu senti sua alma vibrar, ela sabia que eu a queria. Arranquei a sua roupa com uma brandura cheia de fúria e lhe acariciei os cabelos- Seus olhos brilhavam- Ela disse-me sussurrando:
-Eu não sabia que podia ser assim...
-Geralmente não pode meu bem - Lhe respondi- Mas nós estamos perdidos , e pessoas como nós não tem nada a perder.

Deixei meus dedos correrem sem direcção pelo corpo dela quente até que nua ela entorpecida se entregasse. Sorvi sua essência quente. Provei do seu gosto salgado. Esperei que ela estivesse estremecendo em convulsões alucinadas, para saber como um homem de verdade faz, acostumada que estava aos imberbes rapazote da graduação. Contorceu-se enquanto caiam por terra todos os pudores e somente então a invadi com um gesto forte e firme. Até o fundo.
Ela gozou por todo corpo apresentando com uma evidência irrefutável a minha confirmação.
Eu quis levar adiante, apesar de não oferecer muitas opções de viabilidade social. Desempregado, com filhos e completamente envolvido em uma regularidade afetiva com outra pessoa que não pretendia abandonar. Saquei que algo tinha mudado quando o telefone dela ficou ocupado o dia inteiro e o meu não tocou de forma alguma. Tinha sido um lance incrivel, com nossos corpos sedentos chegando lá, baudelaire no pé do ouvido, beatles, blues e pink floyd com um vermelho por do sol... mas ela tinha razão,e eu sabia. O tempo todo elas sempre tem razão...Só o derrotado romantiza a derrota lhe emprestando ares de grandeza. Mas quem faz isso sabe que engana a si mesmo...eu sabia. Ela tinha caido fora...e as pontas de cigarro espalhadas pelo quarto,as garrafas de vinho, baíra e conhaque dançavam uma valsa insana ao redor de minha cabeça...Velho fudido. Maquiavel de suburbio, Sartre de favela, ultima palavra na bôca moribunda do futuro, e no fundo, mas no fundo, bem no fundo eu permanecia o brilho cristalino de uma inocência singular. Muitos meses depois desse incidente ainda me arrastava pelos bares imundos bebendo e trepando tudo que aparecesse pela frente...Havia perdido o pouco de brio e dignidade que possuia...Tudo cheirava a merda.... passei por ela outro dia e vi que estava bem. O cara ao lado dela era bem mais novo e mais sensato que eu e minha barba em contraste com a careca, minhas roupas amarrotadas cheirando a vômito, meu livro de neruda amassado em baixo do braço devem tê-la feito suspirar de alivio por ter caido fora a tempo...Sem saber do que eu poderia ter sido se ela tivesse ficado. Provavelmente nada, mas essa era um dúvida que ela deveria considerar e por não ter considerado ela ficou lá e eu estou aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

"[...]cada caminho é uma improvisação, e uma considerável parte do tempo em que estamos acordados é consumida em ver onde pomos os pés".

Fala de Rafael, personagem do livro "O Senhor das Moscas", de William Golding.