sexta-feira, maio 14, 2010

Batalha

Nunca foi fácil arranjar um bom bar para beber e papear em Salvador. Em todo lugar onde se vende cerveja nessa maldita cidade se toca musica de péssima qualidade e no último volume. É pior ainda no finais de semana. Não existem muitas opções de vida social por aqui para quem não aprecia essa coisa toda de estrebuchar e repetir refrões sem sentido tentando acentuar a impressão da virilidade que a repressão sexual CASTROU E ESMAGOU. Sacou o Reich na jogada né? É por aí mesmo. Bom, por tudo isso quase sempre acabo ficando mesmo em casa. Só a carência absoluta de um bom pedaço de fêmea justificaria minha incursão na vida social baiana. Nem mesmo a suposta cena “underground”, quase inexistente por aqui, vale a pena. De fato há apenas um lugar, um esquecido barzinho e pizzaria em um canto esquecido de brotas, gerenciado por um ex-soul man da velha guarda, onde eu costumo me juntar ao Batalha para tecer nosso planos de revide. Quando rola som ali é sempre muito baixo. Umas coisas que nos fazem reviver dias que nunca aconteceram. Billie Holiday, Cassiano, Armstrong, Tim, Zé ( O ramalho, o antigo) Roberto (Carlos, o Beem antigo) e por aí. Dia desses, depois de um largo período em que andei encasquetado dentro da minha concha nos encontramos Lá novamente.
-E aí Leon.
-E aí Batalha.
-Como vão as coisas?
-Pergunte ao Pó
-Porra, essa é velha, “Pulp”
-Isso aí, Dante e depois Fante.
-E no Mais.
-Um da Escola casou.
-Porra, também? É, todo homem precisa de um seguro para os dias difíceis.
-Mas para esse cara os dias difíceis já chegaram- eu disse.
-Como assim Man?
-O Sujeito saiu do emprego.
Batalha ficou assustado. Todos nós sabemos o que significa ficar desempregado no Brasil. Seus olhos saltaram.
-Caralho! Fudeu! Como ele ta se virando?
- A patroa dele arranjou emprego de tempo integral, mas isso não é o pior.
-Como assim Leon, você está estranho, cheio de rodeios, que porra aconteceu finalmente?
Era difícil para mim contar o lance todo assim na lata. Da Escola era um dos nossos. Um filho do subúrbio como nós que tinha colhões o bastante para não se render ao tráfico, a igreja, ao partido nem ao pagode. Ele TINHA sim colhões, mas os perdeu, de forma trágica.
-Bom, sabe aqueles animais que mudam de sexo quando as fêmeas desaparecem?- Falei, dei uma golada, uma tragada e continuei- Aconteceu algo parecido com o da Escola.
-Como assim Man???
Bom, primeiro ele ficou desempregado, como eu contei. Em seguida a mulher dele arranjou emprego, Também citei isso.
-È, mas e aí?
-No início o problema era só uma brochada uma vez ou outra. Normal, quem nunca brochou não aprendeu o valor um serviço bem feito. Depois o Da Escola começou a cuidar das coisas de casa enquanto a patroa trabalhava, tipo lavar prato, roupa, fazer comida e etc. Parou de tomar uma com a gente, você deve ter percebido.
-É, percebi sim.
-Foi nesse ponto que as coisas começaram a ficar estranhas, tipo aquele seriado.
-Arquivo X- Batalha completou.
-Isso aí. O Da Escola começou manifestar insensibilidade na ferramenta. Não sentia nadinha ali. A coisa começou a ficar roxa e fedorenta até que simplesmente despencou no chão.
-CARALHO!
-Isso, caiu podre e sem vida. E o pior, no buraco que ficou começou a se formar uma xana.
-Porra! Peeeeera aí Leon, você ta de sacanagem! Impossível.
-Um momento, não terminou. A vagina da mulher dele também começou a mudar. O clitóris cresceu e se transformou em um pênis. Os peitos atrofiaram. Agora ela é que segura o controle da televisão. Não preciso dizer que ele não vem mais beber com a gente. Tem novela sábado à noite e domingo é o dia que ele tira para ficar com ela.
Terminei meu relato e pedi outra rodada. O Batalha estava desconsolado. Sabíamos que em algum momento uma coisa daquelas iria acabar acontecendo com um de nós. De um momento para o outro não precisavamos dizer mais nada. Ficamos ali apenas bebericando e fumando. Os caminhos estavam se estreitando cada vez mais. Não dava para correr na direção contrária, lá também já tinham colocado barreiras. Eu não sabia a senha. Um pássaro congelando no inverno não tem pena de si mesmo. O velho Hemingway tinha razão. Nada de Deus, nada de família, nada de grandes discursos no funeral, sem obra para a posteridade, sem grupinho de amigos para fazer barreira contra a verdade de nossa decadência, infinito gozo sincero que se perde nessa súplica enviada para coisa nenhuma, para o nada, enfim estamos chegando ao cais, no caos nós já nascemos. Rachamos a conta e nos despedimos. Cada um para as reclamações e lamentos de suas recíprocas patroas. O Batalha e eu. Ainda inteiros, ainda inteiros.

5 comentários:

Rafael Medeiros disse...

Rapaz, esse foi foda. Puta merda Leon, esse foi dos meus! E o Reicheano da coisa hein?!

Rafael Medeiros disse...

Esse boteco é o Éden. Ele existe fora da tua cabeça? (risos). Abraço!

Guerra disse...

Porra cara, assim é foda. como ficar calado com tamanha asneira, assim vc fode nossos casamentos,preciso acretidar que estou no controle dessa porra.rsrs
jogou pesado man, os olhos ainda rasos d`agua e o coração a mil. valeu
Antologico

Enzo de Marco disse...

Olá meu caro Juan Leon , dialogos como esse tem sido cada vem mais frequentes nas mesas de bares que frequento, os amigos terminam sempre envelhecendo, ou perdendo a testorona etc ah!! são tantas coisas cara....
força´e fé .. na vida no homem e no que virá
abraçãooooooo

adriany thatcher disse...

não vou negar: eu ri!