Palavras acidentais, produzidas em gesto espontâneo para desaparecer em seguida no turbilhão do nada.
quinta-feira, setembro 30, 2010
Mais uma sobre os 80
Arte
Um talento heróico esquecido entre as vassouras
Que eu usava para varrer as pontas de cigarro
E os sorrisos de desdém das mulheres lindas.
Uma vontade nobre que caiu em algum lugar
Entre os horrendos cagalhões enormes que eu via toda noite
Depois que suspirava fundo, colocava a farda
e me relembrava do que me levou até aquele ponto.
Caído entre aqueles baldes, perdido no quarto da despensa
Coberto de sabão em pó e lama
Olhando em volta e tremendo
Talvez relendo lao-tsé.
Essa coisa breve, esse sopro lindo
Ficou lá.
Toda noite quando chego em casa,
Quando ligo a televisão, o computador, atendo o telefone
Vou dar aula na universidade onde garotos sadios e amados
Esperam que eu lhes diga
Eu lembro que aquilo está lá
Pensando em mim.
É uma vertigem...
Isso quase me dá força
E quase me destrói.
quarta-feira, setembro 22, 2010
Sigo
Eis uma palavra sobre o que eu penso de tudo:
Eu sigo.
Completamente imerso na trama das coisas,
o mistério para mim é o som de uma vida que se esconde do incerto
E a morte uma flor sem perfume.
As coisas chegam e se vão, a dor é bebida nos goles
A alegria é permeada de dúvidas
O atrito dos dias é uma coisa confusa.
Quando as palavras fantásticas deixaram
De ter sentido para mim?
Amor, Deus, tragédia, infinito,
Sílabas organizadas sobre o desejo
De ser algo mais ou ser tudo.
Um desejo que não me basta,
Sigo em frente, não me iludo.
segunda-feira, setembro 20, 2010
Metempsicose Cínica
Um dia eu fui um monge em Bombain
E me contorcia entorpecido de Alah
Dava corpo em verso as visões, Rishi
E tentava superar as contradições do meu Torah
Também já me vesti de Dharmapada
E caminhei orando do Tsé até Ganges
Transportando Sunyata e Amitaba
Adorando Brahma que tudo em si abrange
Já fui sacerdote silencioso na Alemanha
Ouvi Ekhart pregar os seu louco sermão
Bebi na América o suco de uma planta estranha
Que deixou nas portas da extrema comunhão
De tanta andança, tanta busca, sequei o meu ardor
Tomo alguns goles, crio os filhos, sigo em frente
E se algum cristão me aparece louvando o senhor
Sorrio, e me afasto da criança inconseqüente.
terça-feira, setembro 14, 2010
A vida pode ser uma coisa estranha que nos acontece
Ou que nós somos.
Um surto de cotidiano que seguimos, uma trajetória cega que sorrimos
Uma queda pesada no porão.
Quase sempre é nada disso, muito menos
Meros acenos sorridentes em direção ao sol poente
Que nos ignora como faz a multidão.
A vida pode ser a coisa errada que acontece a um menino
Maltratado, a uma mulher abandonada, a aquele velho que mora
Na escada
O único caminho que nós conhecemos,
Um golpe de pistola que assusta
Um sono doce que aos poucos esquecemos.
A vida pode ser nossa quinhão de pena, de medo, de desvelo,
De bravura
O monstro escondido as escuras
Que nada mais é senão nossa verdadePara redimir Friedrich
Estar vivo
Quebrado
sexta-feira, setembro 03, 2010
Rio
Ela agora encontra-se em algum ponto
Entre o verbo caído e a sentença sem chão
Entre o contexto inscrito nos medos
Entre o oceano a o infinito do céu.
Eu penso nela que nem face possui,
Não tem ancas ou mechas mais inebria
O que penso,
como um tormento de sentimentos sedosos
com dedos de lindo futuro.
Ela agora tem meus sonhos sem forma
Sem memória ou zelo,
Telas cobertas de olvido
onde se desdobra pra mim.
Transita, equaciona e se divide
Em rostos, palavras, temores,
Questões inacabadas
e uma dor de ser eu.
Uma folha de prata refletida
Na língua fina do rio
Onde deslizas
Em outra direção.