Eu a beijei e peguei a pistola na gaveta acima do armário. A pequena dormia abraçada a sua boneca e Janie estava em lágrimas como sempre ficava todas as vezes que eu saia em missão, e essa era das mais difíceis. As mesmas recomendações de cuidado, as mesmas preocupações com minha fidelidade longe do lar, os mesmos votos de proteção divina e tudo mais. Se ela sequer imaginasse o que era estar do outro lado do front suas recomendações pareceriam patéticas a quem as ouvisse. Mas ela não podia imaginar, ela representava uma outra face da vida. Alimentada pelo leite do comodismo, das certezas, da moral vigente e da proteção que pessoas como eu proporcionam ela não podia imaginar qual a natureza exata da minha existência. O padre podia lhe oferecer interessantes argumentos para me condenar, os psicanalistas poderiam lhe falar sobre a minha insensibilidade e machismo, as feministas poderiam confirmar as suspeitas dela sobre o carácter arbitrário da minha promiscuidade mas todos eles enlouqueceriam se tivessem que olhar para a vida do meu ponto de vista. A guerra me esperava. Dias e mais dias me banhando em sangue humano, conhecendo um lado das coisas que não nos ensinam nas escolas e desenvolvendo apetites e necessidades que só tem quem precisa lidar com isso. É claro que ela não ia entender, mas não me importo com isso. Existe um trabalho a ser feito e essa foi a forma de trabalhar que escolhi.
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