sábado, dezembro 18, 2010

Beto da mula.

Então eu passava as tardes subindo e descendo pelas ruas do bairro pobre procurando um propósito. O velho estava cada vez menos sensato e meu irmão pequeno que ele também criava lhe dava muita dor de cabeça. Eu tinha entre 15 e 17 e nada do que eu conto deve ser enquadrado em um período maior que um ou dois anos. Minha vida sempre deu giros muito rápidos; dentro de um espaço muito restrito é bem verdade, mas largo o bastante para tornar meu entendimento de mim um caos de figuras sem continuidade. Eu andava e andava. Passava algumas horas na porta de um amigo, ia para a porta de outro; até que as mães os chamassem para os afazeres que mães e pais costumam cobrar de seus filhos. Eu não tinha esse problema. Ninguém, desde os 10 anos, me cobrava nada. Exceto dinheiro. Minha mãe por exemplo já havia sugerido que seria melhor que eu tivesse me capacitado nas artes do furto. Não com tanta sutileza, claro. Eu me revezava entre a casa dela e a de meu avô. Não pertencia a nenhuma das duas. Não sentia que tinha direitos sobre espaço algum. Apenas ficava por lá até que um deles me enxotasse. Aí eu ia para a casa do outro. Eu não trabalhava, apesar de já ter 17, e minha mãe nunca deixou de frisar esse fato. Dinheiro era muito importante e mais tarde quando se casou novamente ficou muito claro que filho era um adjetivo de pouca relevância para ela. O velho nunca dava dinheiro a crianças, e sempre garantia comida e remédio. Enquanto esteve são, pelo menos disso ele cuidou perfeitamente. Eu o chamei durante um bom tempo, de pai. Mas acho que nossa relação não foi muito parecida com nada do que tenho visto ao meu redor. Talvez meus tios, os filhos dele, tenham pensado em coisas parecidas algumas vezes. O velho era meio frio para essas coisas de família, e a velhice progressiva colabora com toda indiferença . Eu vivi num limbo boa parte de minha juventude. Sem metas, sem estímulos e entregue a devaneios e pulsões irregulares que poderiam ter me lançado na perdição. Pensando bem e uma baita crueldade dizer essas coisas de alguém. Dá a entender que se trata de um julgamento sumário e condenatório. Nada disso. As coisas são o que são, e as possibilidades só existem como pensamento. Possível foi o que aconteceu. O que não acontece demonstra ser impossível. Logo, condenar um conjunto de comportamentos ou fatos é estúpido.
Bom, as coisas eram assim. Meus sapatos furados que eu evitava tirar do chão quando sentava e minhas pernas fechadas na cadeira para não exibir os remendos em meus fundilhos. Não usava cuecas e a maioria das minhas roupas eram doações de parentes um pouco mais ricos que também estavam sempre muito pequenas. Aos 16 eu não havia ainda sentido o calor de uma vagina enquanto todos os outros amigos com seus escalpos femininos eram festejados em verso e prosa. Eu tentava me convencer de que possuía algo mais elevado que simples apetites carnais. Um poeta. Suave e gentil demais para um mundo feito de violência e conquista. Mas me masturbava até ferir a pele do pênis, tudo em nome da inocência e da virtude. Ás vezes traficávamos revista pornográficas com um rapaz mais velho. Dávamos o dinheiro e ele as trazia para nós. Quando o velho as encontrava em meu quarto dava grandes surtos de moralismo indignado. Todavia, as mulheres das minhas revistas eram sempre muito sem graça em relação às mulheres peitudas de seus calendários. Aquilo sim era coisa boa.
Às vezes eu me apaixonava. E sempre era muito triste. Talvez me divertisse com toda aquela tristeza... Será? Não, acho que não. Teria adorado se as coisas fossem mais fáceis, mas elas não eram. Algumas vezes eu atravessa toda a avenida suburbana para tentar dar uns amassos. Qualquer remota possibilidade de contato feminino era suficiente para me fazer andar quilômetros. Mas com a condição dos meus sapatos e de mim como um todo frustrava todas as expectativas. Um dia consegui através de alguns piedosos amigos, e eu sempre tive bastante deles, um contato mais intimo com a ninfeta mais linda de toda a empobrecida avenida suburbana. Era linda em tudo. Doce, com os cabelos compridos e sedosos como uma noite bem dormida e sem sonhos. Eu a amava com um amor casto, mas me masturbava terrivelmente fantasiando enterrar-me em suas carnes. Os amigos advertiam-me de que eu deveria fazer apenas isso, a cair fora. Ah, mas como é difícil ouvir a voz da razão quando se tem 17 e nunca se teve um corpo gemendo entre os braços. Uma tarde fui encontrar a garota sem avisar. Ao dobrar uma das esquinas próximas a sua casa a vi sendo levada pela mão por um sujeito de aspecto mesquinho que levava uma mula pelo cabresto na outra mão. Era um tal de Beto da mula, como fiquei sabendo depois. O cara tinha uma mula, e eu não tinha nada. Me lembro que na época foi uma barra. Hoje até me parece bem engraçado. Mas você não tem o direito de rir.

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