quarta-feira, setembro 23, 2009


Poema - Charles Bukowiski

Uma breve reflexão sobre a democratização da arte.
é muito fácil parecer moderno
enquanto se é o maior idiota jamais nascido;
eu sei; eu joguei fora um material horrível
mas não tão horrível como o que leio nas revistas;
eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais
que não me deixará fingir que sou
uma coisa que não sou-
o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa
na poesia
e o fracasso de uma pessoa
na vida.
e quando você falha na poesia
você erra a vida,
e quando você falha na vida
você nunca nasceu
não importa o nome que sua mãe lhe deu.
as arquibancadas estão cheias de mortos
aclamando um vencedor
esperando um número que os carregue de volta
para a vida,
mas não é tão fácil assim-
tal como no poema
se você está morto
você podia também ser enterrado
e jogar fora a máquina de escrever
e parar de se enganar com
poemas cavalos mulheres a vida:
você está entulhando a saída- portanto saia logo
e desista das
poucas preciosas
páginas.

terça-feira, setembro 22, 2009

O relacionamento de Krishnamurti II

O banal é nossa vida. O prosaico é onde residimos. As sensações são a substância de nosso entendimento. Ansiar por algo mais do que isso talvez seja algo bem próximo de uma violência contra si-mesmo, mas é claro que eu posso estar enganado. Meus dias finitos, meus temores noturnos, a memória das dores, a voracidade das paixões, os acasos dos encontros: este são os campos onde colho a mim mesmo. Talvez eu ainda me imponha padrões e apenas por isso o arrependimento me encontre nas esquinas do depois. Mas isso não quer dizer nada. Uma falsa cobrança não sanciona uma punição ao presumido devedor. No entanto isso não implica que não seja possível a dor pela ilusão da regra engendrada por nossa insegurança. Estar vivo, como um indivíduo de carne e ossso, movido pelas mesmas forças que movem os outros corpos...Ninguém escapa a isso e Krishnamurti não foi uma excessão.
Agora mesmo bilhões de seres humanos erguem outras tantas instâncias onde esperam evadir-se da incerteza que caracteriza o percurso. A carreira, a igreja, o casamento, a inteligência: fortalezas levantadas contra a condição de estar e todos nós apenas estamos, não existe o SER.
Por tudo isso permaneço contingente. Por tudo isso transito ignorado. Krishnamurti me deu uma ultima lição: Aprendi que sou e posso ser apenas um homem, e que nada do homem me é estranho.

"Eu sou o Incriado de Deus, o que não teve a sua alma e semelhança
Eu sou o que surgiu da terra e a quem não coube outra dor senão a terra
Eu sou a carne louca que freme ante a adolescência impúbere e explode sobre a imagem criada
Eu sou o demônio do bem e o destinado do mal mas eu nada sou."

Vinicius de Morais

segunda-feira, setembro 21, 2009

Judeu errante - Vinicius de Moraes



Como se sabe o Judeu errante é um mito Israelita sobre um homem que foi condenado a vagar sem morrer até o dia do Juizo final. Tornado símbolo do romantismo essa figura chamada AHASVERUS está presente em poemas de Castro Alves, Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo e na prosa de Machado de Assis. O judeu errante é o cético inadaptado, eleito para uma vida longa e sábia, mas condenado a incompreensão e isolamento.

Hei de seguir eternamente a estrada
Que há tanto tempo venho já seguindo
Sem me importar com a noite que vem vindo
Como uma pavorosa alma penada.

Sem fé na redenção, sem crença em nada
Fugitivo que a dor vem perseguindo
Busco eu também a paz onde, sorrindo
Será também minha alma uma alvorada.

Onde é ela? Talvez nem mesmo exista...
Ninguém sabe onde fica... Certo, dista
Muitas e muitas léguas de caminho…

Não importa. O que importa é ir em fora
Pela ilusão de procurar a aurora
Sofrendo a dor de caminhar sozinho.

O relacionamento de Krishnamurti

Não sei porque escrevo tópicos tão longos se sei que ninguém lê textos em blogs com mais de quatro linhas. Talvez seja uma forma de conversar comigo mesmo. Um narcisismo insuperável como alguém observou.Todavia, devemos insistir em nossas idiossincrásias ou não poderemos justifica-las mais adiante. Gastei alguns bons anos de minha vida estudando assuntos religiosos. De Tomás de Aquino ao Budismo eu transitei entre muitas das diversas opções de religiosidade disponíveis em nosso mercado global. Tinha acesso a esses livros através de bibliotecas publicas e centros espiritas. Não dispunha de dinheiro, roupas ou meios de transporte para viver as experiências sugeridas por essas religiões para além do que elas podiam oferecer em forma de textos, mas mesmo assim fui bem longe. Espiritismo, Teosofia, ocultismo e alguns autores como Huberto Rohden que tentam fazer uma miscelânea de filosofia oriental e teologia ocidental, Magia, Ufologia e muitas outras propostas de sucesso existencial de baixo custo.Durante essa época minha vida pessoal era bastante turbulenta, não vou falar disso aqui, meus contos dão uma breve noção do que estou dizendo. Fato é que as contradições filosóficas e práticas em relação ao pressuposto básico que norteava essas aventuras intelectuais foram se acumulando de tal maneira que numa certa altura elas se tornaram, em bloco, absurdas para mim. É de Nietzsche a afirmação de que Deus é uma hipótese que ninguém pode beber sem se afogar. Acho que estive bem perto do afogamento, e após conseguir arribar a uma praia procurei conservar uma atitude de indiferênça em relação a quaisquer credos religiosos. Em outro momento explicarei isso melhor (se tiver paciência).
Todavia, nessas andanças conheci um sujeito chamado Krishnamurti. Dentre os sábios cheios de resposta a maioria das perguntas Krishnamurti destacava-se por apenas perguntar, e deixar que cada um encontrasse a sua resposta. É claro que ele partia de alguns pressupostos que filosófos treinados jamais admitiriam, mais isso não importava. Sua liberdade, originalidade e autenticidade superavam qualquer limitação argumentativa que pudesse ser apontada pelos devotos do conceito e da razão ocidental. Krishnamurti foi a preciosa peróla que eu trouxe de meu quase afogamento experimental. Essa peróla me ajudou e eu a interpretava como um convite a crença em mim, na minha solidão e sinceridade silenciosa. Mas um dia eu descobri que Krishnamurti tivera um relacionamento sexual com uma mulher que era esposa de um amigo.
No primeiro momento isso me chocou. A ultima expectativa de auto-realização supra-sensivel de desfazia, ou pelo menos, era colocada sob uma atroz suspeita.
Mas eu reponderei. Talvez a humanidade de Krishnamurti, seu amor por uma mulher de carne e osso, e ainda mais, um amor que contrariava os vínculos arbitrários criados pelos homens nada mais fosse que a sinalização do que entendi de suas palestras: não existem faróis para nos guiar, nem normas que não sejam aquelas que encontramos sozinhos. Falando filosoficamente talvez a descoberta sobre o caso de Krishnamurti tenha, ao invés de apagar a esperança de atingir o transcendente, me dado a dimensão exata do valor e inocência do natural, sensível e prosaico.

domingo, setembro 20, 2009

Consideração sobre a tempestade.

Quando considero a casa onde nasci
E os abraços onde me guardei brevemente
Recobro um sentido perdido
E uma asa de instante sem tempo.
Eu espero e escrevo
Como esperei e escrevi tantas vezes
E meu percurso é mais um exemplo da chama
Que consome e alimenta a história.
Nos buscamos e nos evitamos
Oscilamos sedentos com foices para aniquilar o
Espectro
Atingindo a face de outros
Dizimando milhares auroras
Esmagando sob os pés horizontes.
E pasmo eu também dou meus golpes
E sedento eu sorvo essa lama
Para acalentar a rota perdida
E naufragar no deserto da vida.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Para refletir sobre força e fraqueza

Há quem diga que a pobreza produz virtude. Há quem diga que o sofrimento torna as pessoas melhores. Eu discordo. A dor não gera nada senão mais dor, e a pobreza por si só não diz nada, depende de quem passa por ela. É verdade que quem leva a vida com muitas facilidades geralmente acaba tornando-se relaxado. Nisso as pessoas não são diferentes dos animais. A facilidade de sobreviver atrofia as faculdades combativas mas as difuldades excessivas torna-nos neuróticos, auto-complacentes e descuidados. Força ponderada é o 1º requisito da capacidade da confiabilidade.Os menores animais são os mais perigosos. Os ricos geralmente não tem nada senão o dinheiro mas os miseráveis possuem mil e uma estratégias para conseguir aquilo que a sorte, ou a tolicie lhes negou. As vezes estas estratégias nem são conscientes. O sistema auto-regulador do prazer destas pessoas aciona comportamentos cegos dos quais eles(ou elas) nem se dão conta. Conheço um sujeito muito dependente da mulher que toda semana afirmava que iria se separar,e nessa semana ficava doente.

domingo, setembro 13, 2009

No fio da navalha

Terminei aquele dia analisando um conto de terror que não colocaria medo nem em uma criança. Saí da redação esgotado, desejando ardentemente chegar em casa, tirar os sapatos e beber uma geladissima cerveja. Sim ,pois apesar dos males conhecidos do álcool existem males ignorados que solicitam o seu recurso gelado e cego recurso . Os males antigos e sem nome e os males recentes e com nome, olhos lindos e um corpo de estalar o espírito. Estes últimos me afligem muito mais. Aflige-me a perspectiva da dor. Aflige-me a infidelidade possível de quem sei atrair outros homens. Sobretudo, no entanto, afligi-me a expectativa do encontro. Dei a volta no prédio e peguei o carro. NA rua todos tentavam ser bem sucedidos e ninguém admitia ser ultrapassado. A linha do oceano acompanhava o vidro lateral do meu carro. Ao chegar e minha caótica casa eu sabia que iria novamente afundar lentamente na desconfiança, na embriagues e no auto-erotismo com o qual satisfazia o meu corpo da ausência do dela. E ela? Onde estaria agora? Provavelmente em casa, vivendo sua vida oficial enquanto eu, o seu amor ilícito apodrecia em minha fome esperando que ela me viesse alimentar. Eu também sou como aqueles fracassados que sonhavam em ser escritores. Eu apenas tentava amar, apenas tentava, sabendo que não conseguiria.
Cheguei em minha casa. Abri a porta e o cheiro de comida estragada me recebeu. Algumas contas sob a assoalho. Tudo muito feio e normal .Fiquei de cuecas, e sentado no sofá, liguei para o celular dela. Caixa postal. O pensamento viajou e eu me senti mal duplamente. Mal pela dor moral da perspectiva do engano e mal por saber que nada me dava o direito de recriminar o gozo alheio. Remoi o meu rancor e abri uma cerveja. Também acendi um cigarro. Sentei no sofá e cochilei algum tempo. Ao acordar a primeira coisa que fiz foi olhar o relógio. Duas horas depois do horário marcado ela ainda não tinha chegado. O pensamento mais uma vez saiu do controle. Ia ligar novamente quando a campanhia tocou. AO abrir a porta com a mão ainda meio estremecida seu perfume me invadiu as narinas. A arrebatei entre meus braços enquanto sugava sua boca, tomava um dos seios em minha mão e com o pé esquedo fechava a porta. Fechava a porta atrás de toda agonia vivída, fechava a porta a qualquer tipo de bom senso.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Viabilidade (Trecho I)

A montanha de textos ergue-se sob a minha mesa. O trabalho parece infindo. Afastei-me por dois dias alegando dores abdominais e agora preciso encarar todo serviço acumulado. Uma babel de pseudo-literaturas, poesia barata, artigos tolos e todo o tipo de porcaria. Todos querendo ser publicados. Todos querendo ser vistos. E Cabia a mim dizer não ou sim a cada uma destas pretensões, não por reconhecer que têm talento, mas apenas por considerar que se poderia vendê-las ou não.
-Bom dia seu Oliveira! Melhorou do fígado?
O ofice-boy passa por mim e pergunta com desdém, eles sabem que meu fígado não é o problema, o meu problema real é a bebida e fazem piadas sobre isso nos intervalos. Todavia, eles mal sabem o quanto estão enganados. A bebida é tão somente um sintoma, meu único problema verdadeiro é o medo. Aliás não só o meu, mas o de todos nós eu acho. O medo leva as pessoas a casarem, terem filhos, adorar a Deus, revoltarem-se ou no auge de todo temor se tornarem escritoras. Sim, o medo. Ficaria uma tese ontológica formidável: "O medo como substrato e thelos da consciência de si". Mais seria só mais uma forma de tentar escapar ao medo.
Bom, não adianta ficar divagando. O trabalho exige urgência. Só preguiçosos e ricos podem dar-se ao luxo da divagação. Coloquei a mão na massa. O primeiro material da pilha era um resumo sobre um romance. falava sobre um relacionamento amoroso interrompido por uma morte trágica. O namorado tinha morrido em um acidente de carro e a garota se isolava em uma ilha deserta onde vivia estranhas experiências extra sensoriais. Me pareceu uma porcaria. A forma de usar a linguagem era óbvia, o tema era apenas um apelo espiritualista superficial conjugado com uma concepção muito tradicional de afeto. todavia, era exatamente isso que as senhoras estavam comprando atualmente. Coloquei o selo de OK em cima do texto e o empilhei na bandeja: Para entrevista.
O próximo texto era sobre um jovem muito tímido e anti social que refugiara-se no mundo dos livros e que cultivava um certo desdém em relação as pessoas. Não havia um único dialogo na trama. O jovem se apaixonava, mas não dizia isso para a garota. Ele pensava nela "abstractamente". O jovem se achava um fracassado, mas com certeza achava as outras pessoas bem mais fracassadas que ele. O jovem não dizia mas achava que era um gênio. O jovem também associava o sexo a pulsões animais e vergonhosas. Devido a isso ele também não conseguia amar as mulheres que a ele se ofereciam carnalmente. Para ele estas eram apenas maquinas de sexo. Coisas para serem usadas. Sujeito doente, eu pensei. Me veio a cabeça alguns conhecidos que pensavam exatamente daquela maneira. Isso, eu creio, talvez até venda. Tem muito mais gente doente como esse sujeito. Por outro lado, eu pensei, quem pensa dessa maneira já tem Baudelaire, Albino Forjaz e Schopenhauer para os divertir. Não, é inviavel comercialmente, concluí. E ademais, também não gosto desse pessoal pretencioso que acha que pode lançar na lama tudo que as outras pessoas aspiram e amam, só porque eles leram um ou dois livros. Coloquei o selo vermelho escrito NÃO sobre o texto e o enviei para a bandeja: Inviável.

quinta-feira, setembro 10, 2009

A suspeita Parte I

Luciana debatia-se com a tarefas do seu lar. Tinha acordado cedo, levado os flhos para a escola, a preparado o almoço. Todavia, todo seu esforço para manter a casa em ordem até a chegada do seu marido tinha sido em vão; mais uma vez ele iria almoçar na rua. Seu coração premeditava alguma traição do Arnaldo, embora durante todos os anos de convivência ele sempre tenha se mostrado atencioso, afável e companheiro. "Afavel até demais". Ela pensou. Não seria isso também um sinal de traição? Essa dúvida lhe corroia as entranhas há meses. Como saber? Já revirara seus bolsos, carteira e até havia conseguido a senha do email de Arnaldo, mas nada de conclusivo. Apenas combustível para novas suspeitas. Perdia-se assim nessa diagações quando alguém lhe bateu a porta. Lavava os produtos do almoço e imaginou tratar-se de mais um vendedor que vinha lhe oferecer algum produto inutil para os seus propósitos. Qual foi sua supresa ao deparar-se com um sujeito muito elegante, vestido em um terno preto, de óculos escuros e com o cabelo penteado para trás.

-Boa tarde- Ele disse.
-Boa tarde- Ela respondeu desconfiada.
-Sou um prepresentante, e vim fazer-lhe uma irrecúsável proposta.
-Olha moço não estou interessada em comprar nada.
-Nem eu em vender senhora. Trata-se de algo muito mais sério e interessante- Falou isso como um tom jocoso, com um sorriso dissimulado que deixou a dona de casa apreensiva.
- Se o senhor é da policia....
-Nada disso - O homem de terno a imterrompeu continuou- Venho lhe fazer uma proposta. Trago comigo dois envelopes. Em um deles a senhora terá a resposta para todas as perguntas que for capaz de formular antes de abri-lo. No outro a senhora irá descobrir como ser feliz e ter uma vida tranquila. Todavia, devo lhe lembrar: ao abrir o envelope das respostas e outro automaticamente terá seu conteúdo convertido em uma página em branco.
-Olha se isso é algum tipo de brincadeira....
-Não é brincadeira alguma, nem lhe custará nada. Aqui estão os envelopes.

Estendeu os dois envelopes pardos na direção de Luciana que ainda atônita os segurou com incerteza. Em seguida o homem deu-lhe as costas e saiu. Luciana continuou parada olhando-o sumir-se na esquina. Ao se recobrar do susto o sistema corretivo de seu entendimento rapidamente a convenceu de que se tratava de uma brincadeira. Certamente uma piada de algum amigo ou parente. Isso não evitou que ela sentisse uma súbita compulsão para abrir os envelopes. Mas...E se ele estivesse falando a verdade? Seria Terrivel se ela perdesse a maior chance de sua vida. Mas, qual seria essa chance? Saber a verdade ou ser feliz?

(continua)

terça-feira, setembro 08, 2009

Fantasias

Nunca mais ouvi falar a respeito dela. Acho que cansou-se das minhas inconstâncias, ausências e queixas ou quem sabe era o meu desempenho físico que já não a satisfazia. Mas não cabe culpar, só posso acha-la muito razoável, não importa o motivo. Existem tantas carências a determinar nossas escolhas que não posso recriminar nenhum dos possíveis motivos femininos. Tampouco posso dizer que é como se nada tivesse acontecido. Coloco-me diante das coisas com a sensação da destruição iminente. Tudo para mim é urgente e intenso. Não sei lidar com leveza e despreocupação. Em cada jogada aposto todas as fichas e isso me atrapalha, tanto por me deixar sem cachê para outras apostas importantes quanto porque isso me deixa realmente esgotado. Saí de casa a noite para espairecer as ideias. O senhorio deu o ultimato de desocupação do imóvel. Meu ultimo salário desemprego acabaria dentro de uns dois ou três dias. A chance de eu conseguir ganhar alguns trocados com o que escrevia era também muito remota. Ao contrário do que Genet, Bukowiski ou Artaud diziam não existe nenhum charme em ser um vagabundo incompetente para o sucesso social. Se tal sucesso dependesse de algum tipo de doença eu a contrairia com a máximo prazer.
Vi uma placa flutuando na escuridão anunciando algum tipo de emprego. Me aproximei e vi que se tratava de um pequeno pub, destes que a rapaziada descolada usa para divertir-se em grupo. Com as roupas desgastadas que eu estava usando certamente seria enxotado a pontapés caso resolvesse frequentar um lugar assim. Tudo era pintado de preto. A decoração era em estilo gótico, ou coisa parecida, o pessoal lá dentro cultuava a morte. Quando eu era muito mais jovem eu tinha a impressão de que viveria bem pouco. A morte para mim sempre esteve por perto. Não que eu fosse portador de alguma patologia terminal, mas eu tinha aquela inclinação bem romântica de que uma vida longa não fazia muito sentido. É claro que isso foi superado, até certo ponto pelo menos. Entre as indas e vindas de meus interesses essas inclinações também foram dividindo lugar com outras formas de lidar comigo mesmo. Uma certa forma de insegurança me levava a não querer estabelecer raízes definitivas em nada. Eu poderia dizer que minha vida e infância levou-me a isso como já fiz em outros textos. Não quero fazer isso agora. Lido melhor com a morte e com a vida hoje. Logo, esses guris trepando com tudo e com todos e cultuando a morte me pareciam algo bastante cômico, mas eu precisava de trabalho.
Me aproximei da recepção onde um segurança imenso recepcionava os convidados. Antes que eu pudesse abrir a boca ele me lançou um destrutivo olhar de desprezo.
-EU gostaria de me candidatar a vaga.-Eu disse.
Sem se dar ao trabalho de me dirigir uma palavra ele acenou desdenhosamente em minha direção pedindo que eu aguardasse. Fiquei ao lado da entrada fumando um cigarro e vendo aquela meninada criada a leite-com-pêra transitar de um lado para o outro fantasiada de roupas pretas, adereços prateados e maquiagem escura ao redor dos olhos. Não sabiam o que lhes faltava , não queriam saber o que lhes faltava , não queriam ter o que lhes faltava simplesmente porque precisavam acreditar que absolutamente tudo lhes faltava.
-Preencha essa ficha. - Disse o brutamontes ao (após meia hora) estender o pedaço de papel em minha direção. A ficha de candidatura a vaga solicitava dados como nome, endereço, idade etc. Um dos campos também perguntava: "aceita trabalhar fantasiado". Marquei o sim. Afinal de contas que diferença fazia? Não é isso que fazemos em qualquer trabalho?
Comecei a trabalhar na segunda. Eu era garçom e servia os drinks para a rapaziada gótica. As bebidas tinham nomes esquisitos tipo, Maria sangrenta, cabeça arrancada e coisas assim. A musica era horrivel. Faltava coragem, brio ou um desespero honesto. A pior parte era minha roupa. Eu trabalhava vestido com uma capa preta, uma gravata vermelha e uma peruca espetada. Me sentia ridículo como quando era obrigado a frequentar as igrejas protestantes do subúrbio para conseguir um beijo das garotinhas religiosas. Ao sair do trabalho estava moído física e psicologicamente, vocês não podem imaginar como aquela garotada bebia. Para chegar no ponto de ônibus eu tinha que passar por outros barzinhos onde um pessoal mais adulto procurava diversão. Numa destas passagens eu a vi novamente. Ela estava lá, sentada com um sujeito que, com certeza, não tinha que se vestir de palhaço para ganhar a vida. Muito sorridente e tranquilo, com aquele tipo de masculinidade óbvia no rosto que não deixa ninguém duvidar de que existe um caminho pronto para ele. Ela fingiu não me ver, menina esperta. Eu não consegui repreender um sorriso. De fato, apenas eu é que precisava vestir a fantasia para sobreviver, eles não precisavam, traziam uma de berço.

segunda-feira, setembro 07, 2009

Efeito Suspensivo.

A cabeça anda partida. Sem muito ânimo para escrever, espero estar melhor amanhã. A palavra "problema" é muito vaga, nem sempre se basta. Todo mundo tem alguma teoria para se explicar, para trazer a luz o próprio sentido. Estou sem nenhuma agora. Até aceitaria se pudesses me emprestar alguma das suas. Prometo que devolvo amanhã.

domingo, setembro 06, 2009

No verão de 82

No verão de 82 meu avô não se sentiu muito bem,
e minha mãe dormia com comprimidos.
EU não fui a escola no verão de 82
pois faltavam livros e planos para nortear
meu conflito.
Eram fartas as lições de moral
e escassos os cuidados humanos
e eu crescia na umidade escura dos dias
como um feijão que brota da queda.
No verão de 82 eu não tinha amigos.
no verão de 82 eu escrevia poemas,
no verão de 82 os dedos me apontavam
e eu era a piada mais divertida da rua.
As passagens da noite eram muito frias
e eu tecia paraísos e fantasias
onde exercitava impotência.
No verão de 82 ninguém se importava
tudo estava mergulhado no caos de acidentes
sem fotografias para registrar a inércia.
No verão de 82 estão as longas raízes
estão as premissas de mim,
as razões de meus tolos amores
e dessa agonia sem fim.

sábado, setembro 05, 2009

Hipótese de mim

Soltaram-se de mim as plenas palavras
de mim se soltaram as luzes
claras,
restando somente poucas flores esparsas
apenas ervas danihas e farpas.


Precisarias de uma alma mais terna
para aproximar-se da colheita de mim.

Sobre a privação

Não seriam nuvens nem ruas,
sem a confirmação dos olhares,
sem o reconhecimento impresso
na retina de nossa emoção.
Sem essa sensação de derrota
não seria a despedida
a divisão entre dois momentos
que aniquilou minha fé.
Pelo teu olho de oceano
eu sustentaria o combate,
pela inquietação do teu ser
eu reverteria a dor
reverteria o instante afoito
condensaria nossa utopia
num gesto,
sem aquela tarde de adeus
eu seria um pouco mais EU.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Os diários existenciais (fragmento)

Deixei meus dedos correrem sem direção pelo corpo dela quente até que nua entorpecida se entregasse. Sorvi sua essência quente. Provei do seu gosto salgado. Esperei que estivesse estremecendo em convulsões alucinadas, para saber como um homem de verdade faz, acostumada que estava aos imberbes rapazotes da graduação. Contorceu-se enquanto caiam por terra todos os pudores e somente então a invadi com um gesto forte e firme. Até o fundo.
Ela gozou por todo corpo apresentando com uma evidência irrefutável da minha confirmação.
Eu quis levar adiante, apesar de não oferecer muitas opções de viabilidade social. Desempregado, com filhos e completamente envolvido em uma regularidade afetiva com outra pessoa que não pretendia abandonar. Mas saquei que algo tinha mudado quando o telefone dela ficou ocupado o dia inteiro e o meu não tocou de forma alguma. Mandei vários e-mail’s desesperados e rancorosos. Esgotei minha amargura com uma interlocutora que não respondia. Talvez eu tenha exagerado. Já fiz isso muitas outras vezes e por muito menos também. Eu tinha uma mulher, uma filha, a necessidade material para me preocupar, não deveria gastar tanta energia com o sexo aleatório. Mas gastava e para mim não era só isso. Nunca é. Tinha sido um lance incrível, com nossos corpos sedentos chegando lá, Baudelaire no pé do ouvido, Beatles, blues e Pink floyd com um vermelho por do sol... Mas ela tinha razão,e eu sabia. O tempo todo elas sempre tem razão...Só o derrotado romantiza a derrota lhe emprestando ares de grandeza. Mas quem faz isso sabe que engana a si mesmo...eu sabia. Ela tinha caído fora...e as pontas de cigarro espalhadas pelo quarto,as garrafas de vinho, baíra e conhaque dançavam uma valsa insana ao redor de minha cabeça...Velho fudido. Maquiavél de subúrbio, Sartre de favela, ultima palavra na boca moribunda do futuro, e no fundo, mas no fundo, bem no fundo eu permanecia o brilho cristalino de uma inocência singular.