A montanha de textos ergue-se sob a minha mesa. O trabalho parece infindo. Afastei-me por dois dias alegando dores abdominais e agora preciso encarar todo serviço acumulado. Uma babel de pseudo-literaturas, poesia barata, artigos tolos e todo o tipo de porcaria. Todos querendo ser publicados. Todos querendo ser vistos. E Cabia a mim dizer não ou sim a cada uma destas pretensões, não por reconhecer que têm talento, mas apenas por considerar que se poderia vendê-las ou não.
-Bom dia seu Oliveira! Melhorou do fígado?
O ofice-boy passa por mim e pergunta com desdém, eles sabem que meu fígado não é o problema, o meu problema real é a bebida e fazem piadas sobre isso nos intervalos. Todavia, eles mal sabem o quanto estão enganados. A bebida é tão somente um sintoma, meu único problema verdadeiro é o medo. Aliás não só o meu, mas o de todos nós eu acho. O medo leva as pessoas a casarem, terem filhos, adorar a Deus, revoltarem-se ou no auge de todo temor se tornarem escritoras. Sim, o medo. Ficaria uma tese ontológica formidável: "O medo como substrato e thelos da consciência de si". Mais seria só mais uma forma de tentar escapar ao medo.
Bom, não adianta ficar divagando. O trabalho exige urgência. Só preguiçosos e ricos podem dar-se ao luxo da divagação. Coloquei a mão na massa. O primeiro material da pilha era um resumo sobre um romance. falava sobre um relacionamento amoroso interrompido por uma morte trágica. O namorado tinha morrido em um acidente de carro e a garota se isolava em uma ilha deserta onde vivia estranhas experiências extra sensoriais. Me pareceu uma porcaria. A forma de usar a linguagem era óbvia, o tema era apenas um apelo espiritualista superficial conjugado com uma concepção muito tradicional de afeto. todavia, era exatamente isso que as senhoras estavam comprando atualmente. Coloquei o selo de OK em cima do texto e o empilhei na bandeja: Para entrevista.
O próximo texto era sobre um jovem muito tímido e anti social que refugiara-se no mundo dos livros e que cultivava um certo desdém em relação as pessoas. Não havia um único dialogo na trama. O jovem se apaixonava, mas não dizia isso para a garota. Ele pensava nela "abstractamente". O jovem se achava um fracassado, mas com certeza achava as outras pessoas bem mais fracassadas que ele. O jovem não dizia mas achava que era um gênio. O jovem também associava o sexo a pulsões animais e vergonhosas. Devido a isso ele também não conseguia amar as mulheres que a ele se ofereciam carnalmente. Para ele estas eram apenas maquinas de sexo. Coisas para serem usadas. Sujeito doente, eu pensei. Me veio a cabeça alguns conhecidos que pensavam exatamente daquela maneira. Isso, eu creio, talvez até venda. Tem muito mais gente doente como esse sujeito. Por outro lado, eu pensei, quem pensa dessa maneira já tem Baudelaire, Albino Forjaz e Schopenhauer para os divertir. Não, é inviavel comercialmente, concluí. E ademais, também não gosto desse pessoal pretencioso que acha que pode lançar na lama tudo que as outras pessoas aspiram e amam, só porque eles leram um ou dois livros. Coloquei o selo vermelho escrito NÃO sobre o texto e o enviei para a bandeja: Inviável.
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