segunda-feira, outubro 22, 2007

Na casa do filósofo

Na época em que eu morava no centro da cidade, em um apartamento minúsculo que dividia com uma senhora, costumava sair do trabalho mais cedo as sextas - feiras para encontrar-me com alguns amigos da velha boemia, na casa do Léo - Filósofo. Eram encontros fantásticos, o Léo era um excelente anfitrião e embora sempre reclamasse da bagunça que a rapaziada promovia, não conseguia esconder a satisfação em dividir seu vinho, seus livros e suas idéias... E era tudo da melhor qualidade. A única coisa que o Léo não dividia era a mulher. Uma senhora corpulenta, de ancas enormes, de pele negra que brilhava e rosto de poucos amigos. Era evidente a insatisfação dessa senhora diante das nossas visitas, e várias vezes a ouvimos comentar atrás da cortina que dava acesso a cozinha:
- Esse bando de vagabundos! Só falam besteira! Parece até que querem dar a bunda pro Léo.
O nosso filósofo fingia que não percebia o mau humor da esposa, mas sua opinião acerca do caráter dela ficava explícita em sentenças do tipo:
- Uma intelectual não sabe foder, ou é frígida e seca demais ou ninfomaníaca e desgovernada; Lawrence é que tinha razão, só às negras sabem gozar.
Dava uma baforada no cigarro um gole na cachaça e passava ao assunto seguinte, sempre dando tudo por muito certo e demonstrado, por mais complexa que fosse a questão.
- O cara que não cuida do corpo, veja só... O cara que só sabe pensar... O corpo atrofia, ele fica doente mesmo pequenininho assim – Fazia um sinal unindo o polegar e o indicador – Por outro lado o cara que é só corpo, que se acha o “ “homão”, caga no pau também porque não se liga, sacou – Estalava os dedos – Perde o “time” – E dando o veredicto sentenciava – O lance é não ter centro, sacou? Sem centro...isso aí : sem centro.
E nesse ritmo a tarde terminava e entrava a noite com a cachaça e o papo rolando. As estantes cheias de livros, revistas e discos nos olhavam impassíveis e nas paredes as manchas dividiam espaço com frases pintadas à grafite do tipo:
- “Todo mundo quer uma pica, não importa pra quê”.
“ “Deus é o existirmos “e isso não ser tudo”“.
““ O homem “é um ser que diz que o homem é um ser que diz...”
Ocasionalmente o encontro era cancelado porque o Léo estava quebrando o pau com a patroa, que berrava feito louca, nós ouvíamos a briga de longe e nem chegávamos perto da casa. Um dia ela deu o fora com um vizinho, menos inteligente e mais positivo. Nosso filósofo ficou arrasado, na primeira sexta–feira após a separação fomos a casa dele e levamos uma bebida e um livro do Nietzsche. Ao ver o presente ele olhou de canto de olho e disse:
- Obrigado Juan, mas não quero ler essa merda; de que me vale a filosofia de um sujeito que nunca soube o que é ter uma mulher tremendo encima do pau? Pra depois ver essa mulher te jogando na cara que você não sabe foder? É fácil criticar o mundo dos outros, quando se está escondido atrás da fronteira.
E dizem que o lance foi punk. Deve ter sido duro para o Léo reconhecer que ele era mais filósofo do que gostaria de admitir. E reconhecer que não importa qual fardo ele fosse obrigado a carregar ia continuar sendo o “ “Léo - Filósofo”. De qualquer maneira com a partida de sua patroa nossas reuniões não ocorreram mais. O Léo não ficava mais em casa e vivia jogado pelas ruas, também já não lia mais nada e tinha abandonado a faculdade de filosofia.
Um tempo depois fiquei desempregado, pois a fábrica de farelo fechou e voltei ao subúrbio. Não tive mais notícia do nosso filósofo, todavia lembro dele com saudade. Espero que ele tenha achado seu caminho nas trevas, e toda vez que me é colocada a opção entre ser “ eu” mesmo no inferno ou qualquer outra pessoa em algum paraíso encomendado, não titubeio escolho a mim, e torço pra encontrar com o Léo no fundo do poço.

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