Na época em que eu morava no centro da cidade, em um apartamento minúsculo que dividia com uma senhora, costumava sair do trabalho mais cedo as sextas - feiras para encontrar-me com alguns amigos da velha boemia, na casa do Léo - Filósofo. Eram encontros fantásticos, o Léo era um excelente anfitrião e embora sempre reclamasse da bagunça que a rapaziada promovia, não conseguia esconder a satisfação em dividir seu vinho, seus livros e suas idéias... E era tudo da melhor qualidade. A única coisa que o Léo não dividia era a mulher. Uma senhora corpulenta, de ancas enormes, de pele negra que brilhava e rosto de poucos amigos. Era evidente a insatisfação dessa senhora diante das nossas visitas, e várias vezes a ouvimos comentar atrás da cortina que dava acesso a cozinha:
- Esse bando de vagabundos! Só falam besteira! Parece até que querem dar a bunda pro Léo.
O nosso filósofo fingia que não percebia o mau humor da esposa, mas sua opinião acerca do caráter dela ficava explícita em sentenças do tipo:
- Uma intelectual não sabe foder, ou é frígida e seca demais ou ninfomaníaca e desgovernada; Lawrence é que tinha razão, só às negras sabem gozar.
Dava uma baforada no cigarro um gole na cachaça e passava ao assunto seguinte, sempre dando tudo por muito certo e demonstrado, por mais complexa que fosse a questão.
- O cara que não cuida do corpo, veja só... O cara que só sabe pensar... O corpo atrofia, ele fica doente mesmo pequenininho assim – Fazia um sinal unindo o polegar e o indicador – Por outro lado o cara que é só corpo, que se acha o “ “homão”, caga no pau também porque não se liga, sacou – Estalava os dedos – Perde o “time” – E dando o veredicto sentenciava – O lance é não ter centro, sacou? Sem centro...isso aí : sem centro.
E nesse ritmo a tarde terminava e entrava a noite com a cachaça e o papo rolando. As estantes cheias de livros, revistas e discos nos olhavam impassíveis e nas paredes as manchas dividiam espaço com frases pintadas à grafite do tipo:
- “Todo mundo quer uma pica, não importa pra quê”.
“ “Deus é o existirmos “e isso não ser tudo”“.
““ O homem “é um ser que diz que o homem é um ser que diz...”
Ocasionalmente o encontro era cancelado porque o Léo estava quebrando o pau com a patroa, que berrava feito louca, nós ouvíamos a briga de longe e nem chegávamos perto da casa. Um dia ela deu o fora com um vizinho, menos inteligente e mais positivo. Nosso filósofo ficou arrasado, na primeira sexta–feira após a separação fomos a casa dele e levamos uma bebida e um livro do Nietzsche. Ao ver o presente ele olhou de canto de olho e disse:
- Obrigado Juan, mas não quero ler essa merda; de que me vale a filosofia de um sujeito que nunca soube o que é ter uma mulher tremendo encima do pau? Pra depois ver essa mulher te jogando na cara que você não sabe foder? É fácil criticar o mundo dos outros, quando se está escondido atrás da fronteira.
E dizem que o lance foi punk. Deve ter sido duro para o Léo reconhecer que ele era mais filósofo do que gostaria de admitir. E reconhecer que não importa qual fardo ele fosse obrigado a carregar ia continuar sendo o “ “Léo - Filósofo”. De qualquer maneira com a partida de sua patroa nossas reuniões não ocorreram mais. O Léo não ficava mais em casa e vivia jogado pelas ruas, também já não lia mais nada e tinha abandonado a faculdade de filosofia.
Um tempo depois fiquei desempregado, pois a fábrica de farelo fechou e voltei ao subúrbio. Não tive mais notícia do nosso filósofo, todavia lembro dele com saudade. Espero que ele tenha achado seu caminho nas trevas, e toda vez que me é colocada a opção entre ser “ eu” mesmo no inferno ou qualquer outra pessoa em algum paraíso encomendado, não titubeio escolho a mim, e torço pra encontrar com o Léo no fundo do poço.
- Esse bando de vagabundos! Só falam besteira! Parece até que querem dar a bunda pro Léo.
O nosso filósofo fingia que não percebia o mau humor da esposa, mas sua opinião acerca do caráter dela ficava explícita em sentenças do tipo:
- Uma intelectual não sabe foder, ou é frígida e seca demais ou ninfomaníaca e desgovernada; Lawrence é que tinha razão, só às negras sabem gozar.
Dava uma baforada no cigarro um gole na cachaça e passava ao assunto seguinte, sempre dando tudo por muito certo e demonstrado, por mais complexa que fosse a questão.
- O cara que não cuida do corpo, veja só... O cara que só sabe pensar... O corpo atrofia, ele fica doente mesmo pequenininho assim – Fazia um sinal unindo o polegar e o indicador – Por outro lado o cara que é só corpo, que se acha o “ “homão”, caga no pau também porque não se liga, sacou – Estalava os dedos – Perde o “time” – E dando o veredicto sentenciava – O lance é não ter centro, sacou? Sem centro...isso aí : sem centro.
E nesse ritmo a tarde terminava e entrava a noite com a cachaça e o papo rolando. As estantes cheias de livros, revistas e discos nos olhavam impassíveis e nas paredes as manchas dividiam espaço com frases pintadas à grafite do tipo:
- “Todo mundo quer uma pica, não importa pra quê”.
“ “Deus é o existirmos “e isso não ser tudo”“.
““ O homem “é um ser que diz que o homem é um ser que diz...”
Ocasionalmente o encontro era cancelado porque o Léo estava quebrando o pau com a patroa, que berrava feito louca, nós ouvíamos a briga de longe e nem chegávamos perto da casa. Um dia ela deu o fora com um vizinho, menos inteligente e mais positivo. Nosso filósofo ficou arrasado, na primeira sexta–feira após a separação fomos a casa dele e levamos uma bebida e um livro do Nietzsche. Ao ver o presente ele olhou de canto de olho e disse:
- Obrigado Juan, mas não quero ler essa merda; de que me vale a filosofia de um sujeito que nunca soube o que é ter uma mulher tremendo encima do pau? Pra depois ver essa mulher te jogando na cara que você não sabe foder? É fácil criticar o mundo dos outros, quando se está escondido atrás da fronteira.
E dizem que o lance foi punk. Deve ter sido duro para o Léo reconhecer que ele era mais filósofo do que gostaria de admitir. E reconhecer que não importa qual fardo ele fosse obrigado a carregar ia continuar sendo o “ “Léo - Filósofo”. De qualquer maneira com a partida de sua patroa nossas reuniões não ocorreram mais. O Léo não ficava mais em casa e vivia jogado pelas ruas, também já não lia mais nada e tinha abandonado a faculdade de filosofia.
Um tempo depois fiquei desempregado, pois a fábrica de farelo fechou e voltei ao subúrbio. Não tive mais notícia do nosso filósofo, todavia lembro dele com saudade. Espero que ele tenha achado seu caminho nas trevas, e toda vez que me é colocada a opção entre ser “ eu” mesmo no inferno ou qualquer outra pessoa em algum paraíso encomendado, não titubeio escolho a mim, e torço pra encontrar com o Léo no fundo do poço.
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