quinta-feira, outubro 25, 2007

A estupidez de um dia

Enquanto a garota toma banho e se prepara para dar o fora eu fico estirado esperando que ela saia para conseguir respirar ar puro. Foram sessenta reais jogados fora em troca de uns quinze minutos de um gozo superficial e incompleto e um sentimento de impotência e frustração que se segue a relações desse tipo. Acho que a palavra imoral não se aplica no caso pois nós dois concordamos com os termos da negociação, e se seguirmos uma linha de raciocínio adotada pelo utilitarismo valor de moral de uma relação deriva de sua utilidade para a sociedade, e o que seria mais útil para uma sociedade de pessoas frívolas e cruéis que a possibilidade de uma relação temporária e baseada apenas na satisfação de necessidades imediatas? Cometo uma falácia? Pouco me importa. É assim que me redimo perante minha própria consciência pelos minutos anteriores sobre esta cama de motel barato. Cochilo um pouco quando acordo a garota já deu o fora. Levanto-me e vou me lavar na esperança de também limpar a alma que foi derrotada diante das justas reivindicações do corpo. Alma? Será?
Desço as escadas do motel assobiando qualquer coisa do Elvis, não por acaso a ingenuidade dele, e as orgias que ele depois promoveu em Grace Land me fazem lembrar meu passado de pai de família honesto, espirita empenhado e cidadão preocupado com casa, dinheiro... Dinheiro que agora uso para pagar um motel onde tentei minimizar as tensões do meu desejo em seu longo combate com as possibilidades da vida real. Dinheiro que me custa várias horas carregando fardos, perambulando a cata de serviços, dinheiro...
Uma chuva fina cai sobre a cidade e as pessoas com seus guarda - chuvas correm de um lado para o outro. Sorte de quem tem para onde ir quando chove o que não é o caso de uma família de sem – teto apertando-se o máximo possível debaixo do toldo de uma loja. Que ponte de comparações é possível construir entre seres nestas condições e os pançudos ricaços em suas luxuosas mansões? Ambos os casos causam-me tristeza e revolta e diante dos dois eu e toda humanidade estamos impotentes.
Os ricos não se convencerão de sua doença e os miseráveis precisam de bem mais que esmola e caridade. Encosto-me ao pára-peito de um prédio tentando abrigar-me da chuva que parece piorar a cada minuto. Meus sapatos vão se encharcando e minha calça jeans ( a única que tenho) já está úmida, daria dez anos de minha vida por um cobertor e um copo de vinho, coisas neste momento mais importantes para mim que a iluminação ou o reino dos céus.
Num breve intervalo de tempo percebo algo de estranho acontecendo em minha frente, uma senhora acuada a um canto da rua entrega sua bolsa a um rapaz quase colado a ela, ele olha para os lados assustado: é um assalto.
Meus nervos entram em estado de alerta e algo em meu coração começa a gelar, não sei se é medo, raiva ou desejo de estar enganado, porém, para minha infelicidade não estou e o homem corre na minha direção. O que eu tenho com isso? São só uns trocados a velha vai ficar bem. O homem passa zunindo por mim e contrariando todos os princípios de auto-preservação eu o agarro pela gola e ele vai ao chão, só que antes de cair me agarra e eu rolo com ele pela lama. Enquanto o chão se aproxima eu me pergunto por que fui tão estúpido, uma voz me responde que eu estava cansado de ficar só olhando fingindo que não é comigo, antes da voz dizer outra coisa um estampido ecoa na noite. Ele estava armado, algo em minha barriga começa a queimar, ainda consigo acerta-lhe um soco que o desacorda antes da vista começar a rodar, minha vida inteira desfila diante de meus olhos. Vejo meu avô me ensinando a contar, o nascimento de minha filha, minha separação, as noites de bebedeira e então, tudo se apaga.
Pessoas falando coisas incompreensíveis, luzes por todos os lados, o chão se movendo, um choro abafado distante e tudo se apaga novamente. Quando recobro definitivamente a consciência olho para o lado e vejo uma linda enfermeira mexendo em alguns aparelhos.
- Bom dia, senhor Leon, como está se sentindo?
- Eu estou no céu? Você é um anjo?
Ela não diz nada só balança a cabeça e sai. Enfermeiras, devem ser frígidas e masoquistas ou não suportariam ver tanto sangue e continuar sorrindo como fazem. A porta se abre novamente e minha ex-esposa entra chorando com minha filha nos braços. Acho que gostaria de ter ela mesmo feito o serviço.
- O que você quer fazer? Deixar sua filha órfã?
- Não, mais algumas pessoas tem se esforçado bastante para isso.
A pequena Tina sorri como se nada tivesse acontecido e principia com seu imenso estoque de perguntas, que o médico não me deixa responder, pois tira as duas da enfermaria e depois voltando-se para mim pergunta:
- Como se sente filho?
- Já estive pior doutor.
- O que você fez foi uma ação muito nobre.
- E estúpida também.
- Mas agora você vai ficar bem, não se preocupe.
- Obrigado doutor, mas eu duvido muito.
Os médicos sempre acham que possuem solução para tudo que entra no seu consultório, ou simplesmente não se importam? Não lhes tiro a razão, para conviver no dia a dia com exibição da face grotesca da vida devem precisar deixar algo morrer dentro do peito.
Lá fora a lua já brilha de novo no céu, pela janela do quarto vejo seu brilho, os prédios acendendo as luzes, os maridos cansados chegando a casa para o abraço dos filhos e o calor das esposas... Fecho os olhos relaxo e deixo o dia acabar.

Um comentário:

cami disse...

esse texto me fez imaginar um filme. muito bom.

abraços.