segunda-feira, outubro 15, 2007

o vampiro

Árida, escura e tenebrosa a noite cai sobre a concreta cidade. Luzes, buzinas, gritos, rostos e anúncios espalham-se sobre a tela atenta de seus olhos que tudo observa do alto de um edifício. Sedento e furioso. Os seres humanos lá embaixo arrastam o fardo de suas vidas medíocres, insensíveis e estúpidas sem fazer idéia da dádiva em suas mãos enquanto a ele tudo foi negado exceto um par de olhos atentos e uma sede infinita de sangue. Mesmo a memória, faculdade tão preciosa para os destinos humanos lhe havia sido tirado e a única lembrança que restara foi a do momento em que os caninos agudos da bela mulher de seios fartos e olhar felino lhe penetraram o pescoço, desde então sua vida se resumia em repousar quando a sol cobre a cidade e sair às ruas à noite à procura de sangue fresco. O seu peito tinha perdido o mais leve sinal de afeto e o único sentimento que lhe havia restado era uma melancolia monótona cheia de tédio ou desespero que só cessava ao cravar suas presas famintas no pescoço liso de uma bela fêmea humana. Como o caçador que só pode enxergar sua presa com desdém, ele observava os trejeitos e maneirismos das pessoas e seus hábitos previsíveis, que os tornavam vítimas fáceis para a sua sede, isso quase dava-lhe prazer. Saber que bastava vestir a roupa da moda ou possuir qualquer dos bens considerados importantes para atrair a garota até o local adequado e então aliviá-la do pesado fardo da vida, era nesse exato momento que sua existência possuía significado e sentido, quando doce e cruelmente penetrava suas presas pontiagudas na laringe tenra e suculenta... no entanto o êxtase era tão breve que quase não compensava a imensa angustia da espera, a tentativa frustrada e o recuo inesperado!
Essa noite não era diferente das outras, senão pela lua prateada e silenciosa que tudo observava do céu, e mais uma vez ele saiu para caçar. Perambulou pelas ruas por horas até que pôde identificar uma vítima de pele clara como o leite fresco e cabelos escuros em caracol caindo sobre os ombros; sua boca se encheu de água e ela a seguiu por quarteirões, sorrateiro, silencioso e discreto.
Os amigos dela, na medida em que chegavam a seus destinos, a deixavam até que sozinha ela passou a andar rápido os últimos metros que faltavam até sua casa, como se pressentisse a aproximação de seu verdugo. Ao virar uma esquina comercial ela passou por uma rua mais escura na qual ele já esperava encostado a uma parede fumando um cigarro. Ao passar por ele um calafrio percorreu-lhe a espinha, ela já ia andando mais rápida, porém ouviu uma voz rouca e sensual chamar-lhe o nome.
- Marie – Ela assustada procurou os olhos do estranho que sabia seu nome e viu um par de pontos brilhando na escuridão, como um gato.
- Como sabes meu nome?- Ele sorriu sutilmente e abanou a cabeça.
- Que importância tem isso Marie? O que é um nome? Uma palavra que limita seu ser e dá as pessoas à ilusão de que te conhecem, eu sei mais que seu nome, eu conheço a linda mulher que o tem e que se esconde abaixo desse nome, inquieta e sedenta.
- Eu não o conheço! Preciso ir embora – Marie disse isso, no entanto, não se moveu algo em suas entranhas pedia que ficasse, algo que queria o que ele tinha para oferecer.
- E quem conhece Marie? Sua mãe? Seu pai? O que sabem eles dos seus temores, do medo da vida, do desejo que consome sua carne em fogo?
Ao ouvir estas palavras o corpo dela estremeceu e percebendo isso predador aproximou-se lentamente até ser capaz de sentir seu hálito quente e extasiado de sua presa. Ela encontrava-se sob o poder irresistível da plenitude do gozo que emana da morte. E ele sabia disso, tomou-a nos seus braços lânguida e permissiva, a puxou de encontro a seu corpo até senti-lo em cada centímetro, afastou seus cabelos sedosos sentindo o seu perfume suave e mordeu aquele alvo pescoço, enquanto ela soltava um baixo gemido de dor e prazer.
Sorveu o líquido vermelho enquanto a vitima estremecia em espasmos de gozo e morte e banhou-se na vida que roubava deixando o corpo inerte no chão. Ao erguer-se da presa sentiu o dia esgueirando-se por detras das nuvens, o mêdo da luz se apossou do seu coração e ele correu para as sombras em busca do repouso até que novamente a fome lhe arrastasse para mais uma caçada.

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