sexta-feira, julho 06, 2007

Dando o fora.

Parei e fiquei olhando enquanto ela arrumava as coisas. Cada camisa jogada na mala, cada peça de roupa guardada tinha um ar de acusação e uma esperança de me converter aos seus dogmas pessoais (quem não tem os seus?) e seu rosto artificialmente triste provavelmente escondia pensamentos sobre quem seria a próxima vitima, normal, ninguém abandona um navio no meio da tempestade se não tiver outro esperando, ou pelo um bote salva-vidas. Como eu era o navio afundando me limitei a ficar observando, e fumando meu cigarro, enquanto ela se justificava baseando-se nos nobres princípios aprendidos de seus pais e avós que por sua vez tinham aprendido dos pais deles e assim sucessivamente pelo séculos dos séculos amém!
A verdade é que assim como um macaco é extinto pelas contradições entre o clima e os hábitos de sua espécie eu estava fracassando mais uma vez pelas contradições entre a moral cristã que permeia o tesão das mulheres e natureza masculina que prefere ater-se aos próprios desejos ao invés de dobrar-se diante do sacrossanto altar da fidelidade. Talvez existam homens bem alimentados no leite materno de devoção ao eterno feminino, assim como existem sacerdotes, eunucos e retardados. Uma mãe bem opressora e desconfiada em relação a perniciosa influência dos amigos de seu filho sempre pode acabar produzindo um sujeito bem comportado, de barba bem feita, que dobra suas roupas pelo lado certo e sempre sorri quando está em família e conseqüentemente é o sonho de toda mulher sadia e afinada com as tendências femininas de nossa cultura .
Talvez seja só retórica do fracasso social tudo isso, é bem verdade, mas o fracasso em algumas áreas pode ser resultado do sucesso em outras e há quem diga que o homem é um animal deformado. Quem duvidar pode observar aquele gênio da física tentando xavecar uma mulher ou aquele jogador de futebol dando uma entrevista, ser bem sucedido como individuo pode acarretar o completo fracasso social, isso é de enlouquecer, eu sei mas nem por isso deixa de ser razoável.
Ela terminou de arrumar sua mala e o taxi buzinou na porta no exato instante me eu fui até a estante e comecei a preparar uma dose. Ela veio em minha direção e me deu um beijo no rosto. Eu sorri de canto de boca sem ressentimento; de verdade, apenas via em seus atos um determinismo cego guiado por leis que extrapolavam as justificativas de sua personalidade superficial. Ela se afastou rebolando e eu lamentei em silencio, era uma potranca poderosa de carne rija e que sabia gozar, seu corpo sabia muito mais coisas a respeito da vida, coisas que talvez ela só aprendesse tarde demais.
Ela desapareceu na escada. Coloquei um cd no aparelho de som e a voz do outro lado contava a historia dos negros apaixonados da década de 30. O cara dava o fora, caia na boemia, e sua mulher ficava em pé no portão dizendo: “enquanto eu tiver uma casa “man” você também terá uma”. Isso parece fazer muito sentido. A presença dela foi ficando cada vez mais distante, derrepente percebi que estava só, de novo, no meio do caos, com o orgulho e a fúria nas mãos em guerra com o mundo, paciência...ninguém disse que seria fácil.

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