quinta-feira, julho 19, 2007

A luta

O sangue me escorre do canto da boca e a respiração ofegante gela o pulmão. Esse golpe quase em coloca na lona. A multidão grita e berra da platéia pedindo mais.O adversário me olha com olhos injetados e um sorriso sádico na boca, ele sente prazer nessa merda de luta e eu só quero me safar inteiro e com alguma grana , para ver de novo minha mulher e minha filha, mas ele não pretende permitir isso.Meu braço esquerdo que tem o melhor golpe lateja com a dor de um golpe que foi desviado por sua defesa, estou velho demais para essa coisa, mas tento parecer inteiro e cheio de confiança, isso geralmente ajuda com o valor das apostas e melhora o meu pagamneto caso eu consiga sair vivo do salão de briga de rua.
O cara vem para cima novamente, ele está cheio de fôlego e sede sangue.Imagino que tenha tido um pai escroto que lhe ferrou a boa vontade. Seu direto de direita passa raspando pela minha orelha, me esquivo usando uma manha que aprendi nos subúrbios com um professor de caratê decadente e viciado, em seguida lhe aplico um soco com toda força adquirida carregando fardos de farelo e peças de carne nos açougues, ele leva as mão ao chão e cai de quatro. A multidão ulula em êxtase . sinto orgulho , talvez eu não esteja tão velho afinal de contas, talvez eu tenha chance.Porem, o negro de quase dois metros se levanta furioso e me agarra pela cintura me levando ao chão . Tento inverter a chave e derruba-lo, pensar de maneira técnica, mas sua força e sua fúria são muito mais eficientes que minhas estratégias. Em poucos segundos estou imobilizado.
Os segundos seguintes são um massacre. Os golpes me acertam a cabeça fazendo-a chocar-se contra o chão, sinto cada um deles esmagando o que sobrou de minha cara. A multidão vibra, louva, glorifica. Suas vozes se misturam como em um cântico negro, uma orgia satânica de infernal desprezo.
-Mata!-grita a respeitável senhora.
-Esmaga esse verme perdedor - brada o almofadinha de gravata.
As vozes vão ficando distantes. Ouço cada uma bem longe. Os rostos das únicas pessoas decentes que conheci flutuam em minha mente, gotejados de vermelho. Peço desculpas a minha filha por não ter conseguido, entrego os pontos e apago. A morte não vem rápido. Séculos de imagens e outras lutas se revezam. Todas as mulheres que amei e as escrotidões delas e as minhas também, nenhuma melhor nem pior, apenas fatos corriqueiros e gratuitos como pombos cagando em nossa roupa branca sem razão. Todos os empregos e patrões escrotos que me ferraram e perseguiram para ganhar sua grana fedorenta. Todas as tardes belas e inefáveis nas quais sonhei eram agora tão somente momentos cegos, rasos, sem significado. Minha filha seu sorriso ,suas perguntas , seu modo doce e imprevisível....ela estava lá, sim ela sempre esteve lá desde o começo. Não faria sentido se não estivesse. Ela também era só um fato. Uma vida, mais uma vida voltada para si mesma e com seu sentido firmado em si . Me dei conta de que não havia platéia, nem amigos, nem mulheres, nem ninguém, o tempo todo estava só.Na Guerra, só o tempo todo.

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