Palavras acidentais, produzidas em gesto espontâneo para desaparecer em seguida no turbilhão do nada.
sexta-feira, dezembro 23, 2011
Menção a uma interrogação oceânica.
Possam refletir a ausência de nexo
Que persiste na essência do mundo.
Talvez seja esse o segredo:
ela traz no
Sorriso um pedaço de luz,
Um valentia que me assombra
Uma beleza que desafia
O infinito.
Exata, perene e confusa
Ela fere em seus gestos de
Fome,
Torrente de anseios projetados
No céu,
Plêiade onírica de afetos suaves
Que me recebem, me curam,
me afirmam.
Espírito dos oceanos intensos,
Guardas um segredo fascinante
Para minha alma de barqueiro ansioso.
Talvez eu naufrague nas ondas,
Pobre trama de recuo hesitante
Jogado de encontro ao feminino
Mistério.
sexta-feira, dezembro 16, 2011
Sonata noturna durante o assassinato de um cão.
Não está na arma do criminoso
Não está na bomba do suicida
Não está nas manchetes do telejornais
Não está nos presídios.
A raiz da maldade não pode ser vista
Repousa silenciosa sob a superfície
E algumas vezes seus ramos
São lançados na luz de um dia
qualquer.
Nas famílias, nas casas, nos casamentos,
No amor, nas tristezas que cultivamos dia a pós dia
Pois nosso sofrimento possui um sabor
Tão sutil.
A escuridão prevalece em silêncio,
Camuflada por razões que nós temos
e sua natureza definitiva
É maldade.
Uma dona de casa, um pai, um amigo,
Uma paixão, uma ânsia, um incômodo,
Um propósito
Maldade
Maldade
Maldade
Está aqui
Está aí
e precisamos conviver desse jeito.
Talvez ela nem mesmo exista
De tão perene e espantosa
Tão sólida, densa e exata
que explode para dentro de si
e desaparece quando tento
tocá-la.
Perfil de lutos e estragos
Corda em que equilibro
Meu ser.
quarta-feira, dezembro 14, 2011
Na montanha.
1º valsa para um decapitado.
Sobre vontades e precipícios.
segunda-feira, dezembro 12, 2011
Presságio.
domingo, dezembro 11, 2011
Paixão existencial
Como definir meu Eu
Em sua estrutura não contextual
Em seu onírico desdobrar-se em fatos
Nos pensamentos que se sucedem
Sem ter fim.
Nas escolhas que se impuseram
Mas que fiz
Abertura imponderável para uma passagem
Cega
Cegueira opaca onde cintilam esferas
Escolhas cegas que me trouxeram
Até aqui.
Como definir meu EU
Essa trama de acasos submetidos aos consensos
Essas intuições silenciosas que apreendes por palavras
Essa paixão insana que me divide entre duas
Exigências
Essa pergunta louca que se responde a si mesma...
Como poderá essa escassez abrigar-te no amplexo?
Pois não admito um EU reduzido às circunstâncias
Exilado do sentido que espalhas com seus gestos
Perdido do amor que encontro nos seus lábios.
domingo, dezembro 04, 2011
Polegadas.
domingo, novembro 27, 2011
(...)
domingo, outubro 30, 2011
Perfeição
quarta-feira, outubro 26, 2011
Sem controle.
Não temos controle. A vida segue um fluxo cuja causalidade complexa nos escapa e nossos planos são apenas desculpas honrosas que servem apenas para salvaguardar nosso auto-respeito. Claro, algumas coisas pequenas podem ser controladas. Pode-se evitar, como razoável segurança, certos males como a gripe, a caspa e doenças venéreas. Contudo nas questões essenciais, nas questões que envolvem a certeza acerca do resultado de muitos de nossos mais nobres esforços estamos todos na sombra, tateando e repetindo para nós mesmos que temos certezas. Podemos admitir tudo isso sem muita dor quando o que está em questão são coisas ínfimas e secundárias, mas quando o destino nos obriga a reconhecer que aqueles motivos que constituem o cerne de nossos propósitos, a razão causal de nossos sacrifícios, o mundo se desagrega em um caos. É assim que me encontro agora, mais uma vez ameaçado da privação da pouca sublimidade que preservei ao cinismo. A pior das suspeitas é a de que o deserto não acaba onde nossa vista alcança.
terça-feira, outubro 18, 2011
Eu & você
meu coração seria uma pedra de sal,
um buraco negro que mastiga a si mesmo
enquanto devora toda a luz sideral.
Se seu sonho fosse uma lei coerente
meu amor seria uma perversão terminal
uma violência de noite de núpcias
que se alimenta da perversão conjugal.
Se você fosse, do outro lado do medo,
uma certeza, uma palavra, um tratado,
eu seria a mudez sem segredo
de um violento animal descarnado
sábado, outubro 01, 2011
Falta de imaginação.
As coisas em geral deixaram tão pouco em mim para ser amado que me surpreendem os esforços de outras pessoas para esperar algo mais que cansaço destes meus dias no mundo. Todos eles vão achar que é exagero, mas as provas estão espalhadas por toda parte. É verdade também que tenho as costas bem revestidas e uma resistência quase espartana ao flagelo, isso me trouxe até onde estou; mas não serviu para reflorestar o deserto. Em geral não tenho muita imaginação, nem fantasias, sonhos ou utopias, assim como um velho beduíno atravessando um jardim de cactos e escorpiões meus pensamentos desconfiam uns dos outros e de modo nenhum conseguem cooperar para produzir, mundos, pessoas, aventuras e ilusão. A desconfiança, a dúvida, a perene e judia sensação de que um Golon mesquinho me espera por detrás dos arbustos me veda o acesso à inspiração, ao bom humor...ao agrado das multidões. Mas ainda assim algumas almas esperam algo de mim, e eu não consigo entender esse gesto, sem o qual no entanto não sobreviveria; e no entanto não posso corresponder a esse movimento por total cansaço e falta de imaginação. Um sobrevivente de si mesmo tem dificuldade em viver com aqueles que nunca morreram para suas próprias almas. As vezes me perguntam sobre o suicídio. Respondo que acho uma idéia imbecil: o mundo não é assim tão interessante a ponto de me levar ao suicídio como medida de retaliação. Se as pessoas se matam, eu penso, é porque esperam que suas mortes provoquem alguma comoção nos que ficam. Não tenho imaginação o bastante para imaginar que minha morte possa alterar algo na ordem das coisas. Seria como a queda de um copo, o cancelamento de um vôo, um verão sem sol; depois de passadas as poucas e obrigatórias manifestações de luto tudo seguiria normal e cegamente como sempre foi. Meu ego é apenas o ponto de tensão para o qual convergem meus conflitos e isso não diz respeito a nada nem a ninguém: é apenas uma fatalidade.
No entanto não invejo as pessoas presas e arrastadas nas teias da busca de relevo, admiração e aplauso. Me parece uma vida tormentosa. As famílias são armadilhas terríveis das quais dificilmente escapamos ilesos. A falta de alguma coisa desse tipo não deixa de ter o seu mérito, ou não; mas prefiro ficar a distância, isolado, sustentando apenas a relações inevitáveis que o acaso me legou por capricho. Algumas são brilhantes e infinitas que me acalentam em meio a bruma e a cinza, algumas são oscilações confusas que ora me fazem acreditar que se pode viver como eu vivo e ora exigem de mim uma mutação impossível; outras são apenas caos, confusão e loucura. Uma Geena de faces horrendas com palavras desconexas, espasmos críticos e violência involuntária. Mas eu já sobrevivi a estes e muitos outros horrores, eu ainda tenho algumas cartas na manga, e talvez ainda consiga reverter o ritmo que as coisas tomaram antes que todos desistam disso que o mundo deixou do que eu era.
sábado, setembro 10, 2011
Preço.
terça-feira, agosto 16, 2011
Perdas e danos.
sexta-feira, julho 29, 2011
Seminário.
Faz muito tempo que usamos a palavra pequenina,
e eternidades que nós não sabemos
onde e quando torná-la um fato ou nossa sina
e entre a selva dos alheios nos perdemos
Entre a necessidade de seguir aquela rota
que orientou os bisavós, em seu receio
e o levantar de uma canção com nova nota
para repetir a confissão de um velho anseio.
Esse anseio pobre, feio, e ordinário
de possuir uma pessoa como se ostenta
um candelabro de bronze em um seminário
De padres que não acreditam e não tem fé
e esgotam as energias na contenda
contra a mesma coisa coisa que todo mundo quer.
No baile dos eunucos.
Um mundo de destroços espaçados,
é o que vejo sob o verniz dos risos
um jogo de lances encenados.
bisturis para cortes imprecisos.
Sob a vontade de certeza que está no rosto
nas marcas que o tempo firma na expressão
continentes perdidos em oceanos de desgosto
amanhã que nunca chega, triste valsa sem canção.
Repetida, imitada, exigente e amassada
entre as pressões dos pais e a luta armada
coisa estranha que nunca vai surpreender
Onírica aflição de um eunuco arrastado
os prazeres mutilados para permanecer atado
a vida que consiste em se deixar morrer.
quarta-feira, julho 27, 2011
Cinismos.
sábado, julho 23, 2011
Alea Jacta Est.
O que ainda não foi dito sobre
A tristeza?
Que ela tem a face de anjo?
Que bebe da seiva do que poderia ser
Uma chance?
Esparramada pelas paredes se estende como
Um manto verde de limo
Onde leio a palavra:
Acabou.
Meus dedos cansados não correm
Velozes a traçar sobre o papel
Minha vida
Minha mente aturdida não acompanha
O raciocínio do sábio,
Meu coração orgulhoso não se acovarda
Diante do precipício.
O vinho me recebe, última dádiva
Para um condenado,
Última cartada para quem já nasceu
Sem futuro.
O que ainda não foi dito sobre a dor?
Que ela é uma foice sem brilho?
Que podemos abraçá-la e morrer?
Escoando pelos cantos de mim
A seiva do amor me abandona
Minha crença no mundo apodrece
Sinto vergonha de dar esmolas
E não espero mais nada de meus irmãos.
Um cachorro sem uma das patas é a lição
Que eu quero.
Um bebezinho mutilado é a resposta precisa
Para que possamos despir-nos da esperança,
Da meta e do propósito,
E simplesmete beber nosso vinho em silêncio
Enquanto tudo permanece cruel
E sem som
Assim seja.
sexta-feira, julho 22, 2011
Pintura.
Cadeira
pressionado pela aflição
a vida passa do outro lado,
uma linda beleza triste
carregando Neruda à mão.
Sem amor, meta ou futuro,
estar no agora é sentar nessa cadeira
olhando a vida passar lá fora,
(com suas agonias e gozos)
tenho feito isso minha vida inteira.
segunda-feira, julho 18, 2011
Maturidade
Uma resposta para a pergunta, "porque não gosto de futebol"
minha versão sobre o amor
Ah.... as mulheres.
a doçura de suas mágoas,
a força temerosa de seu silêncio,
o medo terrível que eu sinto
perto de todas elas...
O brilho nos olhos quando amam,
o gesto de desprezo
quando não querem.
chuva fina sobre o oceano sozinho...
E ainda mais, sobretudo,
as mãos e os gestos.
A soberania de seus desejos
sobre minhas opniões.
Depois das batalhas,
a suavidade e a força
que se oculta para favorecer
a minha vaidade
infantil.
Sempre serei um menino por elas,
encenando
indiferênça e poder
aos seus olhos.
Lindas, todas são lindas
quando choram, aconselham
e esperam,
quando gozam, quando amam, quando são crueis.
Durante tanto tempo não as
compreendi,
durante tanto tempo não as
encontrei,
e hoje ainda me escapam.
Minha compreensão sobre elas
é trêmula e medrosa
como as mãos de um garotinho
que pela primeira vez deu um beijo.
domingo, julho 10, 2011
Mais uma de amor.
Um dia eu amei perdidamente,
Foi lindo, foi profundo
foi pior que a morte.
Tão breve e estúpido
Que ninguém se lembra
Vergonhoso e absurdo
como apanhar na escola.
Um dia eu amei profundamente,
Não me lembro quando,
Mas aconteceu.
As vezes reviro essa lembrança breve
Como quem olha uma lápide
Para se assegurar
De que o trabalho foi bem feito.
culpa
quarta-feira, julho 06, 2011
Manhã
Mais uma manhã de café, telejornal e chuveiro
sábado, julho 02, 2011
Ondas
sábado, junho 11, 2011
Vai ser assim.
Então vai ser assim. Sem dinheiro, mais isso já não é nenhuma novidade. Os deuses não colocam escudos sobre costas eretas e o que eles chamam de amor é algo que nunca irá florescer por detrás das muralhas que levantaste contra ataques. As coisas não irão mudar. Essa é uma constatação que se faz quando se chega a casa dos 30 e os 40 estão cada dia mais perto. Você já considerou as hipóteses, perdeu alguns anos submetendo-as a empiria e ao jogo especular da razão. Um sujeitinho quebrado. Os amigos trepavam contentes nos muros de outrora enquanto você lia o Gita. E agora eles vêm para querer me falar de alma, Deus e outras panacéias que sequer beberam direito. Com 25 anos você ainda não conhecia o deleite inefável escondido no derrretimento de uma xota. Conhecia as paixões, já havia trepado em vagões suburbanos de trem e pulado a janela da vizinha para passar a manhã inteira fodendo. Mas não sabia como fazê-las gozar. Não conhecia a crueldade indispensável do coito e por isso a sua ternura era patética e vã. Agora tens quase 40. Teu peito confuso tem quinquilharias inúteis e seu pensamento é uma caldeira a serviço do nada. Mas mesmo assim, às vezes, você, ouve canções emanando das coisas e se deleita em uma cega confiança na vida. Mas já não se espanta há algum tempo, nem se apaixona, treme ou suspira senão de pavor diante do abismo onde ficaste um bom tempo. Com a mesma obstinação de uma erva daninha você resistiu até agora contrariando as expectativas.
Hoje você passou com sua filha em frente a uma loja onde viveu a sua primeira experiência profissional. Um dos seus ex-colegas de trabalho estava na entrada do prédio. Você Pensou em cumprimentá-lo, mostrar a ele que sobreviveu, que estava muito mais inteiro do que na época em que ele e os outros tentavam te esmagar com piadas sobre sua magreza, com galhofas pelas roupas amassadas, com maldades e fofocas pelo seu despreparo. Não o fez, entretanto. Preferiu evitar a mímica social que fingiria saudade, bons tempos e boa sorte à frente. É assim. Você prefere poupar a energia que poderia ser gasta com os esforços por redenção, ou vingança. Você quer se afastar do passado, não é? Você quer ser outra pessoa, recriar-se das cinzas do que ficou para trás e por isso me acompanha nessas lembranças. Mas é tão difícil encontrar um padrão que dê conta das mutações que sofreste. Não encontras palavras que sirvam para te enunciar para os outros. Colocam camisas em teus ombros, mas elas não servem. Querem te encaixar em modelos feitos para casos comuns, querem agarrar-te mas estás besuntado de questões e vagueza. A teia ordinária que ordena as vidas não sustentou tua queda. Como podes ter um sentido para palavras tecidas com a seiva das famílias, dos cuidados e repressões que não ocorreram em ti? E no entanto sabes amar, não é? De um modo confuso a palavra ainda faz sentido pra ti. Mas quando você a dilui no caldo fervilhante do caos, quando não te agarras a sede da posse, quando queres o sopro inefável da vida dançando entrelaçada com a morte...as pessoas dizem que não sabes amar. E segues assim aturdido. Cuidadoso com os negócios e desorganizado com o resto. Acalentando sonhos adolescentes no peito, com sabedorias remotas no lixo, filho dileto do acaso.
sexta-feira, maio 20, 2011
Meu poema
Meu poema representa quase um atavismo
uma dificuldade inata no ato de crescer
uma patologia incurável no meu psiquismo
meu poema se parece com um alegre perecer.
Um alegre instante breve, que se sabe limitado
canhestro e tosco, se exibindo ao poente
respirando no papel, pela palavra consumado
Sendo o que pode ser, se apagando sorridente.
Meu poema é a flor, na beira da estrada
que sorri enquanto queima, sem ser percebida
veio ao mundo para gozar sua temporada
E se acaso o colheres para enfeitar o seu amor
Isso nada aumentaria no valor de sua vida
Ele incendiaria satisfeito, como inútil flor
sábado, abril 23, 2011
Nuvem.
terça-feira, março 15, 2011
Olhar partido.
Sou um desses garotos de olhar partido
Sentados, famintos, com o pensamento alado
Com as mãos tranqüilas sobre a noite quente
Esperando ali, quase eternamente.
Você está vestida como uma pantera louca
Seu corpo tem fúria, tem fogo a boca
Eu fico sentado, com um riso fino,
Você nem sequer suspeita, sou o seu destino.
Sou desses sujeitos, de um olhar cinzento
De histórias duras, de amor violento
Que Você não deixaria em sã consciência
Entrar no teu corpo, lhe trazer demência.
Mas você moveu-se, como puro acaso,
Um oceano em chamas, algo inusitado
Essa noite então, vai haver luar,
Tenho céu e inferno para lhe mostrar.
segunda-feira, março 14, 2011
Meu blues (my Funny valentine)
sábado, março 12, 2011
Minha cartada.
Nada mais do que um quarto e papéis
Nada mais que minha solidão companheira.
Entre quatro paredes sustentando a trincheira
Com os quadros da mente pintando painéis
Preservando energias do drama de estar junto
Desacreditado de tudo, com a chama a queimar
Execrado em silêncio, um suave amor defunto
Cercado de fantasmas que desaprenderam a cantar
Com poucas cartas, atenção, e paciência
Do outro lado da mesa: a morte e o nada.
Nada mais que um plano, uma só cartada.
Recorrendo ao blefe, a malicia, e minha persistência
Seguem rodadas, adversários com cartas incríveis
Eu Fazendo com ouros e valetes coisas impossíveis.
sexta-feira, março 11, 2011
Uma lição óbvia
Ele já havia passado por aquele mesmo caminho dezenas de vezes, sem se dar conta da existência do bar. Era um sujeito de hábitos regulares, de rotinas, e sempre tomava o mesmo trajeto para ir e vir do trabalho. Contudo, aquele era um dia diferente. Um caso antigo, uma mulher casada com quem já se envolvia há algum tempo lhe tinha dado carta de despejo dos seus lençóis. Tinha sido um lance bem tórrido, e ele, rapaz sem muito traquejo com as mulheres, tinha ficado apaixonado pela figura. Assim, de espinhela caída e coração desfeito em juras esquecidas de amor ele notou o barzinho no canto da rua e resolveu entrar. O cubículo era bastante quente e escuro. Em um balcão de madeira gasta e suja escoravam-se silenciosos alguns homens com seus copos. Ele entrou, escorou-se também no balcão e pediu:
-Uma cerveja por favor.
O homem do outro lado do balcão, um ancião calvo e de dentes amarelados olhou para ele e respondeu.
- Pela tua cara vais precisas de algo mais forte.
O rapaz ficou um pouco sem jeito. Então estava assim tão óbvio?
-É, acho que você tem razão. Me vê uma cachaça.
O rapaz recolheu-se novamente nos seus pensamentos, na sua dor. Um outro bebum do seu lado tocou-lhe no ombro e comentou.
-Esquenta não meu fio. É assim que as coisas são.
Ele assustou. Estaria aquele velho lendo os seus pensamentos? O que havia de errado com aquela gente, gostavam de bancar os advinhos? Resolveu ficar calado, para ver até onde ia essa encenação de bebuns.
- É assim mermo – Continuou um velho – logo se vê que vosmicê num tem as manha com as muié, por isso essa cara amargurada.
O rapaz não se conteve e resolveu dar corda à conversa.
- É. Parece que está estampado em minha cara mesmo. Levei o fora. Mas o problema não é o fora em si. É tudo que ela me dizia. Que morreria se eu a deixasse. E depois terminou comigo de uma hora para outra.
O velho balançava a cabeça condescende enquanto o rapaz contava a sua história. Os detalhes da relação eram acompanhados de goles regulares da cachaça que algum tempo já tinha chegado em suas mãos. Quando já havia listado todos os motivos para sua convicção acerca do amor da garota, quando o álcool em seu sangue o despiu dos pudores e da auto-estima que obriga os homens a calar suas mágoas, o rapazote prorrompeu em prantos.
-Aroldo, traz outra cachaça pro menino! Com os diabos, a gente tem que ficar pedindo! Gritou o velho. Aroldo sorriu, balançou a cabeça (sabia que isso fazia parte do Mise en cene do velho) e encheu novamente o copo dos dois.
-Vou te contar uma história meu fio. Quando terminar vosmicê vai entender que muié é coisa pra gente trazer no forcado, que nem aqueles laço de pega cobra que nós faz passando a corda pro dentro do bambu. Num deixa a bixa chegá perto, mas tenta segurar com força. É que nem macaco gordo, num larga um galho mermo ruim, a menos que veja outro para segurar. Quando eu tinha menos que sua idade me enrabixei com uma dona muito da boa. Era mulher dessas de parar o trânsito. Devia de saber que era problema. Me apaixonei pela dona de um jeito que ficava doente só de pensar em largar. Mas começaram a falar dela pra mim. Diziam que se deitava com todos os moleques da vizinhança e eu fiquei muito brabo, e mermo sofrendo resorvi teminá. Num é que a mulhé chorou que não queria terminar, que ia se matar se eu deixasse ela e todas essas coisa? Pois bem, acabei desisitindo e fiquei de paz com a danada. Uma semana depois eu peguei ela pendurada nos beiço de um dos meu maio camarada. Sabe o que ela disse?
Nessa altura o velho parou, deu uma risada entremeada com uma tosse seca, bebeu mais um gole de cachaça e olhou bem no fundo dos ollhos do rapaz que a essa altura até parecia sóbrio de tão atento que estava. Imitando voz feminina e desmunhecando o velho completou:
- “Eu bem que já ia terminar com você hoje Gilmar”
Uma gargalhada ecoou pelo bar. Todos riam freneticamente. Gimar cospia cachaça a quilômetros. Aroldo havia parado de lavar os pratos e se escorava na velha geladeira para não cair. Apenas o rapaz não ria. Ainda não tinha captado o sentido da coisa toda. Continuou ali bebendo e conversando, a noite caiu, ele resolveu que iria para casa. Naquele dia ele aprendeu uma coisa que tinha a impressão que todo mundo sabia, menos ele.
quinta-feira, março 10, 2011
Vivere masturbart est.
E nisso resumem-se as coisas: Masturbar para ser masturbado. Mas se você precisa comer, ou se alguma outra função de sua vida reclama sua energia e não lhe sobra atenção suficiente para masturbar outra pessoa, além de si mesmo, então você vai ter problemas. Fomos inoculados desde a mais tenra infância com o hábito da masturbação recíproca e se você distrair-se dessas obrigações com certeza alguma coisa vai lhe faltar logo, logo. Nisso se especializaram os programas de televisão. Cantores, músicas e novelas são inventadas todos os dias para satisfazer essa necessidade. As redes de televisão masturbam os artistas, que masturbam os políticos, que masturbam o povo (enquanto lhe esvazia a carteira) que soberano trabalha de sol a sol para pagar a conta de todas essas masturbações. Você acha que alguém escreve, como eu, em blogs, para ouvir coisas do tipo “isso que você faz é uma merda”? Claro que não! Quem fizer isso certamente ficará impopular e isso é um crime de lesa majestade! Quem é que fica horas e horas relendo o que escreveu antes de publicar para ter a mínima certeza de que não fez merda? Que nada! Basta visitar alguns blogs de outras pessoas e elogiar bastante para receber apreciações positivas. O segredo é saber com os outros estão vivendo suas vidas, o que eles ouvem (as pessoas dirão eeeuuu não faço isso, gosto da Ivete por causa do t-a-l-e-n-to, e quem sou eu para provar o contrário) como amam, se vestem e etc. Assim as chances de receber sua dose de masturbação aumenta bastante. É um esquema banal, idota mesmo, e qualquer um pode fazer-se valer dentro dele. Mas não sei por que diabos está me parecendo tão estúpido agora, assim mesmo estou entrando na fila para tentar receber a minha dose.
sexta-feira, março 04, 2011
Apenas uma noite ruim.
Acordo no meio da noite com um grito de socorro entalado na garganta. Com o que eu estava sonhando realmente não lembro. O coração ainda bate acelerado e eu fico ali deitado olhando para o vazio esperando aquilo tudo passar para eu poder voltar a dormir. Do meu lado minha mulher dorme acolhida pelo repouso dos justos. A cidade está em silêncio exceto pelo ladrar de um ou outro cachorro nos confins do universo. Tudo parado. Sem contas a pagar. Um emprego garantido pelo menos até o final do ano. Minha filha está indo bem na escola e parece muito mais saudável do que eu quando tinha a sua idade. Uma mulher, um emprego, um projeto. Parece tudo perfeito, então por que essa coisa ainda se arrasta pelos corredores escuros de minha mente? O que ela quer de mim? O que é isso tudo?
Fecho os olhos para tentar retomar o fio do repouso perdido, debalde. A mente se movimenta entre varias imagens como um disco arranhado que passa de uma faixa para outra sem chegar a terminar música nenhuma. Mas não só isso. Algumas palavras ecoam dentro da caixa da minha cabeça como vozes que se elevam amplificadas por um milhão de alto falantes. O que elas dizem? Não sei, não compreendo. Não é que seja uma língua desconhecida ou coisa do gênero, eu apenas não entendo. Acho que não dizem coisa alguma. São simplesmente sons sem sentido gritados dentro do meu cérebro. Começo a entrar em pânico. Temo pela minha razão. Quando era adolescente tive experiências parecidas. As vozes ficavam ali ecoando sem dizer coisa alguma. Será que a doença de minha mãe me alcançou finalmente? Mas minha mãe tem apenas problemas de nervos, algo que nunca entendi muito bem, e isso não tem nada a ver como nervosismo. Tento me impor, respirar fundo, apelar para lucidez mas não consigo. Levanto da cama. Vou ao banheiro, sento no vaso e folheio um gibi para me distrair; a sensação de que estou pirando permanece comigo. Tomo um banho frio, vou à cozinha e bebo um copo quente de leite; sei que tudo vai se repetir quando eu me deitar. Contudo, como sou e sempre serei um durão, resolvo me deitar mesmo assim.
Fico ali, olhando para o teto e pensando, conjecturando, tentando explicar. Quando eu era um rapazote triste e sem mulher eu achava que tinha nascido para realizar algo grande. Algo que não poderia ser feito sem sacrifício e heroísmo. Acreditei nisso por muito tempo, até perceber que me manter respirando já era heróico o bastante, haja vista as condições em que nasci. Hoje meu heroísmo consiste apenas em levantar todo dia e sorrir para as pessoas. Talvez eu tenha ido muito longe nesse meu entricheiramento psicológico e alguma coisa esteja pedindo socorro dentro de mim. É possível, sim, quase tudo é. Mas e daí? Que conclusões extrair desse fato, se for realmente um fato? Também não sei responder. Penso nos meus heróis; Krishnamurti e seu vazio incompreensível e nobre, Huxley e suas aventuras místicas, Chico Xavier, um grande sujeito que nunca consegui compreender, Stirner um personagem autêntico e solitariamente forte como Bukowiski e sua adolescência e rebeldia. Penso também em muitos outros, mas nenhum me serve mais de modelo. As coisas ficaram muitíssimo mais complicadas. O sono aproxima-se, a cabeça aquieta-se, desapareço na escuridão finalmente.