Palavras acidentais, produzidas em gesto espontâneo para desaparecer em seguida no turbilhão do nada.
quinta-feira, dezembro 30, 2010
Wings of silence
do not let me set boundaries
to defend me from emptiness.
Do not open the glass windows,
not light up the room lights
something is moving in the time
a fragment of pain in the dream
shining.
We will be there with open arms
will be together and unarmed
the uneasy silence of our wings
in fully understanding our limits.
quarta-feira, dezembro 29, 2010
Não-ser(sei)
Se a memória dos dias ruins fossem apenas imagens e sons
Acumulados na caixa óssea de nossas cabeças.
Seria tudo mais leve,
se na essência não fossemos nós todos
passado.
Se os choques e hematomas, os hábitos e comparações
Não compusessem um redemoinho imenso
Contra o qual é inútil nadar.
O medo e a perspectiva do medo, da queda
Da morte, da fome
Vergonha ódio e amor.
Na ciranda louca que nos faz o que somos,
Para sempre
e é inútil tentar escapar.
A única saída é olhar nos olhos da besta
Que avança sobre nossos jardins
E caminhar na direção de seus braços, sem pânico.
Para além de resultados e danos
Mesmo que isso destrua a quem amas
Mesmo que isso te torne um Deus.
terça-feira, dezembro 28, 2010
Feliz ano novo para vocês também.
quarta-feira, dezembro 22, 2010
Verbete "natal" do códice tibetano. Especie de Wikipédia do Nepal.
segunda-feira, dezembro 20, 2010
Tudo sempre pode melhorar.
domingo, dezembro 19, 2010
Contornando o domingo
Contudo, embora existindo, esse elemento não iria durar muito. A civilização não está tão degradada assim. Muitas mulheres alimentadas no leite sadio dos bons costumes e muitos patrões devidamente nutridos de bom senso iriam no tempo certo garantir que a inanição de afeto ou de dinheiro dessem cabo do aborto tardio. No entanto enquanto esse dia não chega ele prossegue colocando suas aspas em quase tudo que lhe aparece. Terminou de tomar seu café abrindo alguns email’s e dando-lhes a resposta que deveria dar, e não a que gostaria de dar. Colocou a roupa suja na máquina de lavar e acendeu um cigarro enquanto o aparato mecânico fazia o seu trabalho. Não tinha vontade de fazer quase nada que pudesse de fato fazer. Seus poderes ficavam aquém do desejo lhe sobrava. O sol estava muito quente e as praias certamente estavam lotadas. As praças estavam cheias de velhos querendo ser sociáveis e religiosos querendo ser salvadores metidos a besta. A televisão estava cheia de coisas inomináveis que produzem terríveis formas de enlouquecimento massivo. Os documentários intelectualóides eram panfletos para jovens a procura de alguma causa pela qual se empolgar. Restavam as mulheres. Sim. Isso era certo, ele pensou. Olhou os eletrônicos classificados a procura de alguma coisa pela qual pudesse pagar. Leu o 1º anuncio:
“Gostosinha manhosa. Faço tudo. Danço para você uma sensual dança exótica. Massagens também...”
Pulou para o próximo. Não gostava dessa coisa de dança. “Que diabos – ele pensava- tem a ver dança com trepada?” Não entendia todas essas músicas com alusões a caralhos e vaginas. Trepar é coisa que começa e termina. Como lavar roupa, ou cagar. Toda essa coisa de envolver sexo com arte lhe parecia coisa de quem tinha problemas com a transa. E esse, pelo menos, era um problema que ele não tinha; ou achava que não tinha.
“Universitária, alto nível, alta linda de peitos volumosos e bumbum empinado. 120 a hora.”
-Universitária? Arrgh – Pensou - As experiências com elas não tinham sido das melhores. Podia imaginar o olharzinho arrogante de quem diz: “Logo, logo vou ter um diploma e vou escarrar em perdedores como você.” Não precisava disso, não, realmente ele não precisava disso.
Depois de algumas dezenas de anúncios percebeu que não havia um jeito 100% seguro ou agradável de fazer aquilo. Foi para o banheiro tomar um banho e o pau subiu enquanto pensava em coisas que já tinha feito há algum tempo atrás, quando aconteceram milagres doces e acidentais trepadas . Deixou a mão trabalhar e o fluxo de consciência entrou no compasso da ânsia por submergir no nada; respirou fundo e chegou lá. É verdade que o domingo não tinha acabado, mas ele ainda tinha alguns truques na manga.
sábado, dezembro 18, 2010
Beto da mula.
Bom, as coisas eram assim. Meus sapatos furados que eu evitava tirar do chão quando sentava e minhas pernas fechadas na cadeira para não exibir os remendos em meus fundilhos. Não usava cuecas e a maioria das minhas roupas eram doações de parentes um pouco mais ricos que também estavam sempre muito pequenas. Aos 16 eu não havia ainda sentido o calor de uma vagina enquanto todos os outros amigos com seus escalpos femininos eram festejados em verso e prosa. Eu tentava me convencer de que possuía algo mais elevado que simples apetites carnais. Um poeta. Suave e gentil demais para um mundo feito de violência e conquista. Mas me masturbava até ferir a pele do pênis, tudo em nome da inocência e da virtude. Ás vezes traficávamos revista pornográficas com um rapaz mais velho. Dávamos o dinheiro e ele as trazia para nós. Quando o velho as encontrava em meu quarto dava grandes surtos de moralismo indignado. Todavia, as mulheres das minhas revistas eram sempre muito sem graça em relação às mulheres peitudas de seus calendários. Aquilo sim era coisa boa.
Às vezes eu me apaixonava. E sempre era muito triste. Talvez me divertisse com toda aquela tristeza... Será? Não, acho que não. Teria adorado se as coisas fossem mais fáceis, mas elas não eram. Algumas vezes eu atravessa toda a avenida suburbana para tentar dar uns amassos. Qualquer remota possibilidade de contato feminino era suficiente para me fazer andar quilômetros. Mas com a condição dos meus sapatos e de mim como um todo frustrava todas as expectativas. Um dia consegui através de alguns piedosos amigos, e eu sempre tive bastante deles, um contato mais intimo com a ninfeta mais linda de toda a empobrecida avenida suburbana. Era linda em tudo. Doce, com os cabelos compridos e sedosos como uma noite bem dormida e sem sonhos. Eu a amava com um amor casto, mas me masturbava terrivelmente fantasiando enterrar-me em suas carnes. Os amigos advertiam-me de que eu deveria fazer apenas isso, a cair fora. Ah, mas como é difícil ouvir a voz da razão quando se tem 17 e nunca se teve um corpo gemendo entre os braços. Uma tarde fui encontrar a garota sem avisar. Ao dobrar uma das esquinas próximas a sua casa a vi sendo levada pela mão por um sujeito de aspecto mesquinho que levava uma mula pelo cabresto na outra mão. Era um tal de Beto da mula, como fiquei sabendo depois. O cara tinha uma mula, e eu não tinha nada. Me lembro que na época foi uma barra. Hoje até me parece bem engraçado. Mas você não tem o direito de rir.
quarta-feira, dezembro 15, 2010
MInhas casas nada engraçadas.
Pressionados por essas características da moradia resolvemos nos mudar novamente. Mais alguns meses batendo perna até achar algo que pudéssemos pagar. Encontramos miraculosamente uma casinha barata, bonita e recém reformada em uma rua tranqüila. Uma reflexo no deserto, um oásis? Nos mudamos. Tudo muito bom. Uma das épocas mais fecundas em produção intelectual para mim. Uma noite, porém, por volta das 3:00 da madrugada ouvimos os vizinhos chorando, gritando e reclamando. Imaginei que era briga de casal e voltei a dormir. Acordei novamente com o barulho do ventilador que caiu. Levei o pé em direção ao chão para me levantar, e qual não foi a minha surpresa AO PERCEBER QUE A CASA ESTAVA INUNDADA DE AGUA. Pulei da cama apavorado. Acordei minha mulher que começou de imediato a gritar também.
Corri para a sala, os móveis boiavam. A televisão, o monitor do P.C tudo boiava placidamente na água barrenta que continuava pressionando a porta da frente. Quando a abri uma nova torrente adentrou o recinto. A rua estava cheia de água. Os vizinhos tentavam desentupir uma boca de lobo. A casa dos meus sonhos era abaixo no nível da rua e a rua era abaixo do nível da rua principal. RS. Nunca havia descido tão baixo. Após o esvaziamento da casa (e da rua) me queixei com a proprietária que alegou não poder pagar os prejuízos. Iria abater parte deles do aluguel. Excelente solução! Isso significava que iríamos ficar presos a uma possível morte por afogamento para reduzir os nossos prejuízos. E depois eu que sou sarcástico.
Começamos a procurar moradia de novo. Andamos muito, muito, muito até enfim acharmos um apartamento que poderíamos alugar. Parecia perfeito. Bem ventilado, bem localizado. Por outro lado eu deveria ter desconfiado de que algo estava errado, mas não notei é claro. Mudamos-nos. No dia do descarrego dos móveis notamos que o proprietário tinha uma irmã louca de pedra. Continuamos sem desconfiar de nada. Um dia ela bateu em nossa porta para pedir dinheiro. Disse que o apartamento era dela e que o irmão não lhe repassava o aluguel. Detesto loucos quase tanto quanto detesto religiosos fanáticos ou até mais. Tive um insight meio bizarro na hora. Pareceu-me que rolava um lance meio incestuoso entre a louca e o irmão. Talvez paranóia minha. Bom, o fato é que isso se repetiu. Bastava perceber que havia alguém em casa que lá vinha ela pedir dinheiro e quando nós não dávamos ela gritava, xingava e ameaçava. Também cortava nossa água. Não conseguimos mais falar com o proprietário. Ele desaparecia nessas horas, e depois também. Em síntese. Desapareceu por completo e não atende o telefone. Sim. Isso aconteceu hoje à noite. Enquanto escrevo agora estou procurando uma casa para me mudar. Algo que seja normal o suficiente par não agregar novas linhas e essas história. Você tem alguma sugestão?
segunda-feira, dezembro 13, 2010
Almoxarife do absurdo.
Eu fumo um cigarro de trégua
Enquanto revejo e escrevo.
Enquanto catalogo esquemas, enquanto mapeio
Conflitos,
Os carros passando na rua,
O sorriso de sobrancelhas erguidas,
As mãos unidas no gesto,
E a alma que quer ir para longe.
Quantas vezes já passei por aqui?
Caminho bifurcado numa alameda sem placas.
Ocorre-me que estamos caindo;
Do nada
Em nenhum lugar.
Agarrando-nos desesperados com lábios e dentes
Nas coisas, nos nomes, nos livros e em toda gente.
As unhas nos servem, nossa dor funciona, os golpes,
As frases, os deuses o ódio e a piedade
Artefatos usados nas praças e irmandades
ganchos e foices
Para agarrarmo-nos em outras coisas que caem.
Mas eu apenas me sento para catalogar reações,
Para prever artimanhas e decifrar essas coisas,
Enquanto você me fala de amor.
terça-feira, dezembro 07, 2010
Manual básico de ressentimento e mal-dizer.
E eu sou um carvalho determinado e duro,
Encantam tuas luzes no céu a meia noite
Descem minhas raízes até um mundo escuro.
Prestam-te honras os ventos masculinos
Invejam-te os dotes frívolas amigas
Tens um carro, um Ipod, desejas casamento
Minha casca ressequida de uma guerra antiga
Nos temporais quando distribuis encantos
Na minha batalha o sangue empapa o chão
Você não nasceu para esse lado amargo
E eu não comprei entrada para sua aparição.
Você estala os dedos, bate o pé, exige concessão
Eu Quebro pedra com a testa, na espada um grito
Tuas prioridades são cobradas pela multidão
Minha dor se assemelha a um lindo infinito
sábado, dezembro 04, 2010
Pessoas
Pessoas não se esquecem,
Coroas de palavras adornam as avenidas
Por onde desfila a dor.
Pessoas caminhando,
Contemplado outras pessoas,
Gritando enlouquecidas por migalhas
De atenção.
Pessoas não partilham,
Com os punhos entrevados se combatem
Lançando em direção ao torvelinho a pura polpa
De um SI faminto.
Pessoas não desfazem, não retornam, não refazem
Continuam a cada dia uma velha ciranda de despojos:
se eu ainda possuísse um pássaro”.
Pessoas não carregam girassóis no olhar,
Não rebrilham em distração
Não conhecem a magia de uma rocha nem a
Felicidade de um antigo tronco simples.
Coletânea de repetições leiloadas por leprosos cegos,
Armário das angustias
Caminho triste que trafego.
sábado, novembro 27, 2010
Concessão de ti
Permitir-me a degustação plena de seu ser
A compreensão sensível do teu mistério imenso
No trêmulo contato de dois corpos simples.
Na infinita ternura de um toque violento
De uma caçada de felinos sorvendo força e medo,
Sem consciência ou ponderação de nada
Em alguns minutos de erro, divindade e sonho
e a dissolução seguida
de um gesto brusco e de invasão
E perda.
Eu queria, todavia, apenas me permitir você
Sorver de tua tristeza feminina, tua mácula sagrada
Em orgíaco impulso de ternura e morte
Entranhar-me em ti como um veio de ouro quente
Tatuado doravante em seu próprio espírito.
quinta-feira, novembro 25, 2010
Percorrer uma vida.
Como um sol em chamas
E um malmequer em cacos.
Como a tela branca da perspectiva
Enlameada pela trama de insetos nebulosos,
Como a lágrima esquecida
Dos que Deram de si a polpa de uma alma
Ereta.
Há algo lmenso em um olhar de pássaro,
Em sua indecisão e morte eminente
No vacilo breve de tudo que levanta
E cai.
Há algo muito antigo e forte, esparso nas lâminas
De uma escama esguia
Que silenciosamente mata, existe em si e vai.
Há algo poderoso em um velho reticente,
Em um idoso sem certezas
em um suspiro de partida.
Há algo incomensuravelmente humano em dizer
Não sei.
Há algo incomum em percorrer uma vida.
sábado, novembro 20, 2010
Permanência na terra
É sempre assim quando me ponho a caminhar. Não importa muito o lugar para onde vou, meu caminho e sempre recortardo pela compreensão incômoda das pessoas que me atravessam o caminho. Com um emprego estável eu talvez não trouxesse a cabeça tão inquieta de reflaxões.As vezes sinto o dedo de velhas tragédias folheando novamente o livro desta breve vida. Em um pais tão fartamente repleto de perigos e de insanas coisas se passando a cada esquina a pobreza se parece muito mais com uma Geena assustadora. Contudo, não dá mais para prosseguir com esse desabafo tolo. Meu vizinho está despejando embaixo da minha janela alguns milhares de litros de música baiana. O mal cheiro da sexualidade reprimida, e portanto pútrida, em forma de estupidez verbal torna o ar irrespirável. Preciso levantar-me, fechar da janela e chamar Chopin para melhorar a atmosfera.
quarta-feira, novembro 10, 2010
Tenho sido.
Amado um pouco menos, compreendido um pouco mais,
Olhado a cor das coisas densas e me retirado através
De alguns discursos.
Sido jogado de um lado para o outro,
Como um rápido corcel a mercê do risco.
Enfrentado algumas obrigações, livros de estudo, noturnos de Chopin
e alguma sensação de falta de propósito.
Sobretudo eu tenho sido apenas um,
ou dois talvez e raramente três.
Tenho tido mitologias desastradas e projetos frágeis
Folhas de crepom para um jardim de acácias
E alguma poesia vaga saltando do meu peito.
Narciso assombrado com mudança e fome,
Penumbra de questões e afeto inconcluso.
Sobretudo permaneço de pé para o poente
Um peito forte estremecendo em lutos,
Um olhar cinzento que rebrilha e apaga,
Uma aurora clara que irá me concluir sem sustos.
quarta-feira, novembro 03, 2010
Viver é estar em perigo..fácil falar!
-Não minha senhora, não quero um folheto evangélico.
-Vai com Deus então
Ela responde como se estivesse me rogando uma maldita praga. Como se isso fosse necessário. De repente sinto uma súbita vontade de dar uma baita gargalhada. Estarei enlouquecendo? Quem é que vai me responder isso? Os psicólogos almofadinhas que nunca passaram fome? Parado no ponto de ônibus eu espero. Ouço as conversas deles que não me dizem nada. Não faço parte do jogo e se eu pudesse pular fora desse ringue sem arrastar meu girassol comigo já o teria feito há muito tempo. Mas já que eu não posso, seus malditos duendezinhos dos infernos, vamos ver quem é mais durão, vamos ver o que vocês trazem em suas estúpidas camisas, estou de pé para assistir seus jogos de terror com um pai atormentado e sua criancinha.. vamos ver do que vocês são capazes seus canalhas!
segunda-feira, novembro 01, 2010
Only Walking
sábado, outubro 30, 2010
Mesa de pôquer
Uma chaga de vazio tem seus méritos: não supura e não mancha alheias camisas. Mas eles ficam aí no caminho. Tortuosos, nefastos. De outra maneira hilárias são as contradições. Uma conhecida que defendia o amor livre a maldizia o casamento, como se para alguns destinos inviáveis casar não fosse a única chance de uma aliviante trepada vez ou outra. Uma outra defendia a verdade e apenas a verdade sobre toda e qualquer coisa, mas era fraca e fugia da verdade de si, não falava desse assunto constrangedor. Ainda conheci muitos outros tropeços, alguns meus, inclusive. Sim, não me absolvo, e nem isso é absolvição. Um dia farei uma lista de todas as trapaças que presenciei nessa mesa de pôquer. Eles pensam que me estão me enganado. Por detrás dos olhares eu rolo de rir, mas isso não me compensa por nada. Estou preso. Sem chance de fuga. Atado a esses ardis e sem tribunal ao qual recorrer. No sonho da noite passada eu era um presidiário. Não lembro qual tinha sido o delito, mas francamente pouco importa. Não havia mais lugar para mim junto a mesa de pôquer. Eu agora era alvo e ferramenta para o exercício de pequenas vinganças, por pequenas pessoas. Jogado daqui para ali, ordenado e esmagado como um nada desnudo diante de quem possuía o controle. Tudo muito confuso. Tudo uma imensa piada. Preciso me concentrar. Saí do banho, peguei os pápeis e comecei a trabalhar em mais uma etapa. Uma conspiração se prepara, posso pressenti-la chegando. Vou olhar a onda de frente e sorrir.
quarta-feira, outubro 20, 2010
Trecho de entrevista com Hemingway
segunda-feira, outubro 11, 2010
Carta para Indra
sexta-feira, outubro 08, 2010
Redenção para Juan Leon
Os dias te condenam ao atrito.
As horas lançam sobre ti a dúvida acerca
De Como conseguir o alimento.
E sabes de tantas coisas que para nada disso servem de resposta.
Os sete corpos astrais, as três correntes de Amithaba, as causas
E efeitos que seu avô berrava,
Nada disso te responde.
Seu coração é um oco imenso, o amor desistiu de ti faz tempo
As pessoas passam por seus olhos como pálidos reflexos
Como algo sem substância ou verdade.
Já nem consegues dar esmolas, desaprendeste compaixões,
Acumulaste palavras e perguntas
E teu girassol se afasta em um rodopio ensandecido.
Estás muito velho Juan Leon,
Viveste em demasia para uma vida tão pequena
Com pessoas menores ainda.
Até o vinho vagabundo que desce agora pela tua goela
Não é o que precisas para cauterizar
Suas feridas.
Tua ilha afundou, não há retorno
Juan Leon
Estás velho em demasia Juan Leon,
“Billie Holiday talvez entendesse”
“Bob Dylan talvez entendesse”
“Buk, Hemigway, Fante talvez compreendessem”
Não queres admitir que o jogo acabou,
Que tudo esteve errado desde o lance inicial
Que não vai haver prorrogação,
Nem o beijo do esquecimento para sua redenção.
quinta-feira, outubro 07, 2010
Um filme?
terça-feira, outubro 05, 2010
O PEQUENO VAGABUNDO- William Blake
Ó mamãe, mamãe, eis que a Igreja é tão fria,
e é bem mais quentinho na Cervejaria;
tu sabes que a isso já me acostumei,
embora tal uso não seja de lei.
Mas se fogo e assento nos dessem na Igreja
e a beber um gole da boa cerveja,
era canto e reza todo santo dia,
e ninguém da Igreja se escafederia.
E o Pastor pregava, bebendo e cantando,
e todos alegres, quais aves em bando;
e dona Abandono, que a igreja não deixa
não teria filhos, nem jejum, nem queixa.
E Deus, como um pai, bem contente vendo
seus filhos como Ele no prazer vivendo,
não teria brigas com o Diabo e a barrica,
mas lhe dava um beijo, um trago e roupa rica
segunda-feira, outubro 04, 2010
Leito de Procusto
quinta-feira, setembro 30, 2010
Mais uma sobre os 80
Arte
Um talento heróico esquecido entre as vassouras
Que eu usava para varrer as pontas de cigarro
E os sorrisos de desdém das mulheres lindas.
Uma vontade nobre que caiu em algum lugar
Entre os horrendos cagalhões enormes que eu via toda noite
Depois que suspirava fundo, colocava a farda
e me relembrava do que me levou até aquele ponto.
Caído entre aqueles baldes, perdido no quarto da despensa
Coberto de sabão em pó e lama
Olhando em volta e tremendo
Talvez relendo lao-tsé.
Essa coisa breve, esse sopro lindo
Ficou lá.
Toda noite quando chego em casa,
Quando ligo a televisão, o computador, atendo o telefone
Vou dar aula na universidade onde garotos sadios e amados
Esperam que eu lhes diga
Eu lembro que aquilo está lá
Pensando em mim.
É uma vertigem...
Isso quase me dá força
E quase me destrói.
quarta-feira, setembro 22, 2010
Sigo
Eis uma palavra sobre o que eu penso de tudo:
Eu sigo.
Completamente imerso na trama das coisas,
o mistério para mim é o som de uma vida que se esconde do incerto
E a morte uma flor sem perfume.
As coisas chegam e se vão, a dor é bebida nos goles
A alegria é permeada de dúvidas
O atrito dos dias é uma coisa confusa.
Quando as palavras fantásticas deixaram
De ter sentido para mim?
Amor, Deus, tragédia, infinito,
Sílabas organizadas sobre o desejo
De ser algo mais ou ser tudo.
Um desejo que não me basta,
Sigo em frente, não me iludo.
segunda-feira, setembro 20, 2010
Metempsicose Cínica
Um dia eu fui um monge em Bombain
E me contorcia entorpecido de Alah
Dava corpo em verso as visões, Rishi
E tentava superar as contradições do meu Torah
Também já me vesti de Dharmapada
E caminhei orando do Tsé até Ganges
Transportando Sunyata e Amitaba
Adorando Brahma que tudo em si abrange
Já fui sacerdote silencioso na Alemanha
Ouvi Ekhart pregar os seu louco sermão
Bebi na América o suco de uma planta estranha
Que deixou nas portas da extrema comunhão
De tanta andança, tanta busca, sequei o meu ardor
Tomo alguns goles, crio os filhos, sigo em frente
E se algum cristão me aparece louvando o senhor
Sorrio, e me afasto da criança inconseqüente.
terça-feira, setembro 14, 2010
A vida pode ser uma coisa estranha que nos acontece
Ou que nós somos.
Um surto de cotidiano que seguimos, uma trajetória cega que sorrimos
Uma queda pesada no porão.
Quase sempre é nada disso, muito menos
Meros acenos sorridentes em direção ao sol poente
Que nos ignora como faz a multidão.
A vida pode ser a coisa errada que acontece a um menino
Maltratado, a uma mulher abandonada, a aquele velho que mora
Na escada
O único caminho que nós conhecemos,
Um golpe de pistola que assusta
Um sono doce que aos poucos esquecemos.
A vida pode ser nossa quinhão de pena, de medo, de desvelo,
De bravura
O monstro escondido as escuras
Que nada mais é senão nossa verdadePara redimir Friedrich
Estar vivo
Quebrado
sexta-feira, setembro 03, 2010
Rio
Ela agora encontra-se em algum ponto
Entre o verbo caído e a sentença sem chão
Entre o contexto inscrito nos medos
Entre o oceano a o infinito do céu.
Eu penso nela que nem face possui,
Não tem ancas ou mechas mais inebria
O que penso,
como um tormento de sentimentos sedosos
com dedos de lindo futuro.
Ela agora tem meus sonhos sem forma
Sem memória ou zelo,
Telas cobertas de olvido
onde se desdobra pra mim.
Transita, equaciona e se divide
Em rostos, palavras, temores,
Questões inacabadas
e uma dor de ser eu.
Uma folha de prata refletida
Na língua fina do rio
Onde deslizas
Em outra direção.
sábado, agosto 28, 2010
Nem Jung explica
Cheguei em casa quebrado. A cabeça e os olhos doíam porque a lente direita do meu óculos estava arranhada. Joguei uma água no corpo e entornei meia garrafa de vinho que estava sobrando na geladeira. A casa vazia, a mulher no trabalho e meu vizinho pouco sapiente com o rádio desligado, sem ouvir reggae ou samba. Na televisão era mais do mesmo. Nada que pudesse servir para uma punheta. Mesmo assim consegui arrancar uma das boas, minha memória nunca me deixou na mão, ou melhor, sempre me deixou. (Hehehe) Tombei na cama e comecei sonhar. Eu estava voando. Lá embaixo as pessoas me apontavam e riam. Eu não achava graça nenhuma. Estava de camisa e sem calças e um vento noturno bem friozinho me gelava os testículos. Atravessei algumas ruas assim, feito um balão imbecil balançando pra lá a para cá sem saber de porra nenhuma. Ao chegar a uma auto estrada na saída do bairro onde cresci um vento mais forte me jogou nos fios de alta tensão. Levei um choque dos diabos e acordei com a lateral do corpo doendo. Levantei, era já madrugada e do meu lado a patroa dormia. Levantei, fumei um cigarro e abri a janela. Tudo parado. As pessoas agora também acertavam as contas com suas pegadas. Tudo me pareceu frio e distante. Vago. A substancia do mundo tinha o gosto de algodão doce sem açúcar. Tudo é muito engraçado, mas eu não rio. E você?
terça-feira, agosto 24, 2010
Preâmbulo
segunda-feira, agosto 23, 2010
Deus, amor e todo o resto...
domingo, agosto 22, 2010
O fim do futebol
terça-feira, agosto 10, 2010
Distância e sentido
Amo os teus olhos diluídos
Em um mar vermelho
onde deságuam enxames.
Teus gestos de vestal sem templo ou castidade
Sua pouca inclinação para o sagrado
e sério.
Amo tua mania de inquietações, teu hábito de entrega
Furiosa,
Os segredos gritantes do teu medo
Onde sacio a minha fome de igualdades.
Dessa maneira eu permaneço em mim quando me procuras
Me esquivando com verdades e me oferecendo em silêncios
Onde somos dois irmãos malditos
Permanecidos na lembrança de tardes de partilha
Ocultos na vestimenta dos segredos improváveis
Porque deveria haver sentido nesse mundo,
Porque esse mundo deveria fazer algum sentido.
segunda-feira, agosto 09, 2010
Alegro ma...
Procuro por um Sutra que cale meus tombos
Uma estrutura mais branda,
E a remissão do meu tédio.
Procuro por uma sonata de luz, um breve intervalo
Sutil
Onde possa sentar-me comigo e aceitar essa rigidez
Que me cerca.
Procuro um Alegro ma non Tropo
Um beijo sem memórias e um gesto sem condenações
Sem a tensão dos seus braços, sem a distração do meu jeito
Sem o tudo que tem sido nós dois.
Procuro, já não cabe fingir, o mesmo de sempre
O ponto cego para sentir-me estável
Olhar na face do medo
E beber plenamente
a minha taça de tempo.
sexta-feira, julho 23, 2010
Soneto (mal feito) para o amigo
Depois de tanta trincheira, tanto corte,
porrada na carcaça carcumida
Olho para o perfil sereno e forte
de quem, como eu, não teme a vida.
Sinalizo o verme camuflado, esperando
Sem brio, vertendo seu veneno antigo
com o rebanho dos invejosos rastejando.
Comungamos do combate contra esse inimigo
Com ilhas imensas de solidão a cada caçhaçada
Para dividirmos as conquistas e o cinismo
Como se a vida mais não fosse que uma luta armada
Sigo contigo, embora isolado, bem sabemos
Que o auge da amizade é esse isomorfismo
Da consciência de que somos homens e morremos
terça-feira, julho 20, 2010
Algumas vezes você tem um amor
E outras vezes é o mar quem governa
Você tem trabalho, medo da morte, cinismo
E ainda colocam em seus ombros
A obrigação de ser reto.
Você tem uma mal que não cura,
Não sabe seguir de mãos dadas
Sustenta uma guerra perdida
E coloca nos socos o desespero
Da vida.
Você vê a face negada, a traço calcado
E as pessoas utilizando lindas palavras
Para espremer seu pescoço.
Você as vezes para, limpa o suor
Entorna alguns copos
E dorme,
Mas o pretendido repouso não chega.
sexta-feira, julho 16, 2010
Quem são eles (e elas)
Ou pela vitória ter escapado entre os dedos
Por causa de um pai escroto, ausente ou doente
Por uma mãe muito boa, muito santa e frustrada
Pelas fases da vida em que se cai no buraco
Pelos amigos que deram inveja
Pelas amigas que são mais bonitas
Pelos gritos calados, esquartejados, enterrados
Pelos jogos de dados que não contemplaram
O projeto.
Por tudo isso, por tudo aquilo, por tudo o mais
Carregam a foice do gesto,
Afiam a garra do olhar
E nunca deixam de demonstrar
O que são.
Bombas de ódio esperando para explodir.
quinta-feira, julho 01, 2010
Nivele as desigualdades
Segure-o
Se você nasceu entre nuvens e trevos
mantenha-se.
Um dia você saberá que existem poucos alicerces
E muita gente precisando de escoras,
Muitos detritos sendo arrastados e poucas formas de
Fugir do esgoto.
Quase ninguém pode fugir,
Quase ninguém pode mover-se
Quase ninguém para angustiar-se consigo
E se você pode então faça,
Segure com fome e com força
Esse pedaço de acaso que lhe dá
O sorriso completo.
Corra,
Corra,
Corra,
Sorria e lance um beijo ao luar
Beba essa dose de sobriedade e bom senso
Mastigue essa fatia de doce prudência
Que te faz dormir sem demônios.
Lembre das datas certas,
Não leve ofensa pra casa
Revide a porrada e mande foder-se
Todo mundo que não encaixa
Em seu conceito
Mas tenha cautela, oh sim, tenha cautela
Quando for comentar
pessoas
ssim Como eu.
segunda-feira, junho 28, 2010
Uma piada
Depois comentou a minha vasta erudição
E aquilo me soou como uma desculpa.
No outro dia foi a minha distração,
Meu modo confuso e livre de amar
Sazonalmente.
“Não serves para um marido”
É o que ela quase disse,
mas a palavra tropeçou
Em uma outra imagem mais exigente
e refinada.
“És muito cínico”
ISSO É ALGUMA MERDA DE PIADA?
Coloque a língua em um formigueiro
insone
e depois me diga algo belo sobre a natureza
dos insetos.
terça-feira, junho 15, 2010
Angustia de influência
as pessoas nunca acharão que foi o bastante.
Nós sabemos disso, e ainda sim tentamos fazer de uma forma melhor
De um modo menos cruel
De um jeito mais honesto.
Que certamente será ignorado e pouco.
Não importa a força,
O empenho,
A doçura
Com a qual acalentas o mais belo
Broto de sonho
Ou nome de deusa.
No final serás apenas uma pedra
Encaixada em um caminho de sombra.
domingo, junho 13, 2010
Apresentação de si
Conhece o peso
De noites sem fim.
Sem tempo para perder com detalhes
Sem energia bastante para se ocupar com a fama
A fome, a fúria e o olhar do carrasco
A velhice e a putrefação dos destroços
No seu encalço
Constante.
É nesse instante que você percebe
Que não importa o que faça
Uma marca invisível lhe foi pregada na testa.
E no fim tudo lhe parecerá inútil
E tolo.
A tristeza vai estar lá
A solidão vai estar lá
A vergonha e a ferrugem de seu
Brio vão estar lá
Como golpes,
A cada segundo exausto de ti
A cada aflição sem nome e calada.
sábado, junho 05, 2010
Cabala cínica
Elaboro as estratégias que sancionarão os meus gritos de loucura.
As raízes marginais, as origens perturbadas, o futuro fétido
E a morte solitária;
Signos arcanos escritos com a lama fedorenta de um bairro detestável
Gotas de chuva inexistente tombam nas carcaças oriundas dessa profunda
Artilharia, dessa foice de sorrisos, dessa exigência de afagos,
Talvez eu te mande um cartão das catacumbas
Adornado com esperança para que chegues atormentada
Aonde eu cheguei.
Aonde eu cheguei, aonde chegamos, onde faremos o que for preciso
Na compreensão intensa de que não nos devemos nada
Senão a cortesia da não exigência,
Aqui seremos em nós mesmos passageiros prestativos
Indiferentes e dispostos a rasgar o tempo
Com sorrisos sem sarcasmo
Com meditações cruéis sobre o coração
De Deus.
segunda-feira, maio 24, 2010
Jorge Maluco
Havia um mendigo que volta e meia sempre rondava o bar do Mario. As pessoas o chamavam de Jorge Maluco, mas ninguém sabia ao certo se esse era mesmo seu nome. Jorge não conversava com ninguém. Sabia falar corretamente, as vezes passava cantando, mas se alguém puxasse papo ele simplesmente ficava olhando para o chão e não dizia nada. Dirigia-se às pessoas apenas para pedir; às vezes pedia um copo de café, as vezes um trocado para o pão, as vezes uma calça velha e etc. Jorge era sobretudo um mendigo anti social. Mario, por outro lado, era um sujeito bem seco e pão duro. “Sou igual a Mandacaru”- Ele costumava dizer a quem lhe devia dinheiro “não dou encosto nem refresco para ninguém.” Todavia o Mario possuía um vínculo silencioso com o Jorge. Era o único mendigo que recebia alguma coisa naquele bar. Todos os dias, às 16:00 hrs precisamente Jorge maluco parava na porta do bar do Mario que prontamente saia com um saco de pão e uma garrafa de café e lhe entregava em silêncio. Jorge tampouco mexia os lábios para agradecer. Como lhe era comum, pegava o donativo e ia-se embora em passo curto e rápido balbuciando coisas que se alguém entendia era apenas ele mesmo.
Um dia, durante a cerveja pós-expediente comentei com o Groto o açougueiro, um branco de Irecê; grande sujeito, bom de trabalho e de copo.
-Por quê o Mário todo dia, no mesmo horário, dá ao Jorge maluco o mesmo saco de pão?
-Eu soube de uma história, mas não sei se é verdadeira – Respondeu o Groto e continuou- Mas o Mário não gosta de ouvir as pessoas falando disso. Fica brabo como cavalo xucro.
Groto entornou mais um copo, olhou para os lados para se certificar de que o Mário não estava por perto e continuou:
-Há algumas décadas atrás o Mário também foi açougueiro. Dizem que era dos melhores. Tão bom que o dono do matadouro o promoveu a gerente. Mas sabe como é, depois de um tempo trabalhando nessa coisa a gente vai ficando um bocado insensível e duro- Parou, deu outra golada e uma trago no cigarro barato. – Bom, como gerente o Mário tratava todo mundo como tratava a carne que destrinchava. Era direto, cortante e sem compaixão. O Jorge nessa época era um auxiliar de carne como você Juan Leon.
-Mesmo?- Interrompi assustado.
-Exatamente, e também era dos bons. Mas o filho único que ele tinha caiu doente, uma doença séria sabe? E naquela época se ganhava ainda menos que hoje em dia. O Jorge faltou ao trabalho alguns dias, correndo para cima e para baixo com a patroa e o filho a procura de um medico, mas o menino continuava cada vez pior. Quando apareceu no açougue para dar satisfação do período ausente o Mário foi cruel. Mandou o pobre infeliz voltar imediatamente para o batente.
- Caralho. Que escroto!
-Pois é. Mas o Jorge se recusou. Aí o Mario disse que se ele não voltasse ao batente não recebia nada. Sem dinheiro, como ele ia comprar comida e remédios para o menino doente? O Jorge desde aquela época era sozinho no mundo. A mulher dele também. Nem parentes, nem amigos...sozinhos. Sem escolha Jorge voltou ao trabalho. No meio do expediente recebeu a noticia de que o filho tinha morrido chamando seu nome. Largou a faca e o avental e saiu alucinado correndo. Ao chegar em casa viu um tumulto em frente ao barraco em que morava. Sua mulher estava estendida ao lado da cama do garoto com os pulsos cortados.
-É, qualquer um ficaria maluco com uma coisa dessas.
-Pois então. Desde esse dia Jorge não dirige uma palavra a ninguém, exceto para pedir uma coisa ou outra. Por remorso o Mario lhe dá essa esmola todo dia. Também passou a se interessar por essas coisas de santo, espiritismo e etc.
Quando terminou de contar a história percebi que o Groto balançou a cabeça e suspirou fundo. Uma coisa triste mesmo. Também era triste para os bois que a gente sangrava todo dia. Mario era duro, escroto também, mas estava apenas fazendo serviço dele. Depois de se estar a tanto tempo procurando um jeito de passar pela trincheira sem sangrar a gente desiste. De uma forma ou de outra alguma coisa vai se partir. As vezes de forma visivelmente cruel, como aconteceu ao Jorge, as vezes de forma silenciosa e lenta. Terminamos a cerveja e fomos embora. No dia seguinte haveria mais sangue em nossas mãos.
sexta-feira, maio 14, 2010
Batalha
-E aí Leon.
-E aí Batalha.
-Como vão as coisas?
-Pergunte ao Pó
-Porra, essa é velha, “Pulp”
-Isso aí, Dante e depois Fante.
-E no Mais.
-Um da Escola casou.
-Porra, também? É, todo homem precisa de um seguro para os dias difíceis.
-Mas para esse cara os dias difíceis já chegaram- eu disse.
-Como assim Man?
-O Sujeito saiu do emprego.
Batalha ficou assustado. Todos nós sabemos o que significa ficar desempregado no Brasil. Seus olhos saltaram.
-Caralho! Fudeu! Como ele ta se virando?
- A patroa dele arranjou emprego de tempo integral, mas isso não é o pior.
-Como assim Leon, você está estranho, cheio de rodeios, que porra aconteceu finalmente?
Era difícil para mim contar o lance todo assim na lata. Da Escola era um dos nossos. Um filho do subúrbio como nós que tinha colhões o bastante para não se render ao tráfico, a igreja, ao partido nem ao pagode. Ele TINHA sim colhões, mas os perdeu, de forma trágica.
-Bom, sabe aqueles animais que mudam de sexo quando as fêmeas desaparecem?- Falei, dei uma golada, uma tragada e continuei- Aconteceu algo parecido com o da Escola.
-Como assim Man???
Bom, primeiro ele ficou desempregado, como eu contei. Em seguida a mulher dele arranjou emprego, Também citei isso.
-È, mas e aí?
-No início o problema era só uma brochada uma vez ou outra. Normal, quem nunca brochou não aprendeu o valor um serviço bem feito. Depois o Da Escola começou a cuidar das coisas de casa enquanto a patroa trabalhava, tipo lavar prato, roupa, fazer comida e etc. Parou de tomar uma com a gente, você deve ter percebido.
-É, percebi sim.
-Foi nesse ponto que as coisas começaram a ficar estranhas, tipo aquele seriado.
-Arquivo X- Batalha completou.
-Isso aí. O Da Escola começou manifestar insensibilidade na ferramenta. Não sentia nadinha ali. A coisa começou a ficar roxa e fedorenta até que simplesmente despencou no chão.
-CARALHO!
-Isso, caiu podre e sem vida. E o pior, no buraco que ficou começou a se formar uma xana.
-Porra! Peeeeera aí Leon, você ta de sacanagem! Impossível.
-Um momento, não terminou. A vagina da mulher dele também começou a mudar. O clitóris cresceu e se transformou em um pênis. Os peitos atrofiaram. Agora ela é que segura o controle da televisão. Não preciso dizer que ele não vem mais beber com a gente. Tem novela sábado à noite e domingo é o dia que ele tira para ficar com ela.
Terminei meu relato e pedi outra rodada. O Batalha estava desconsolado. Sabíamos que em algum momento uma coisa daquelas iria acabar acontecendo com um de nós. De um momento para o outro não precisavamos dizer mais nada. Ficamos ali apenas bebericando e fumando. Os caminhos estavam se estreitando cada vez mais. Não dava para correr na direção contrária, lá também já tinham colocado barreiras. Eu não sabia a senha. Um pássaro congelando no inverno não tem pena de si mesmo. O velho Hemingway tinha razão. Nada de Deus, nada de família, nada de grandes discursos no funeral, sem obra para a posteridade, sem grupinho de amigos para fazer barreira contra a verdade de nossa decadência, infinito gozo sincero que se perde nessa súplica enviada para coisa nenhuma, para o nada, enfim estamos chegando ao cais, no caos nós já nascemos. Rachamos a conta e nos despedimos. Cada um para as reclamações e lamentos de suas recíprocas patroas. O Batalha e eu. Ainda inteiros, ainda inteiros.
domingo, maio 09, 2010
Consumatum est (menino partido)
Ainda sabia voar
com asas de seda dourada
na imensidão de um céu impossível.
Mesmo forrado de desgostos
vendo a própria mãe
Sem orgulho atormentada a chorar.
Ele ainda acreditava nas coisas, ainda olhava brilhantes
Estrelas e rabiscava versos horríveis
Que lhe pareciam tão lindos e puros
Quanto a polpa celeste
De sua alma partida.
Aquele menino poderia aprender a cantar
Poderia salvar muitas vidas
E construiria para vocês uma pousada segura
Após a tempestade dos dias.
Aquele menino resistiu de tantas formas
Guardou em caixas de papelão pequenos pedaços
De coisas sutis que se desfaziam a cada NÃO
A cada dia cruzando seus olhares
Tentando contornar os portantos
Até que desistiu
Ele abandonou-se e desapareceu
Esperando tê-los deixado orgulhosos
Com o vosso trabalho bem feito.
Apreciação do açougue
Estava de cara fechada como sempre. Uma criaturinha que já tinha sido tão doce e alegre, tão suave e vivaz quanto um girassol infinito brilhado no horizonte está se tornando cada dia mais cheia de raiva e de azedume, como aquelas carinhas doentes que vejo nas ruas aos milhares.A responsável pela degeneração i me gritou de dentro da casa. Um monstro de varizes, tecido adiposo e rancor amargurado que um dia já se deitou em minha cama, minhas tripas se contorcem só de imaginar. Eu havia presenteado minha filha com uma câmera fotográfica que deu defeito no dia seguinte, apesar de ser nova. Foi motivo o bastante para ela espumar pela boca enquanto gritava, ameaçava e lembrava de coisas enterradas no passado. Uma visão dantesca, irritante, mesquinha. Minha filha estava ali, dia e noite vivendo a sombra daquele monstro venenoso, amando uma víbora que lhe enxertava no coração pestilência, inveja e raiva.
Saí arrasado. Desejando que a raiva daquela criaturinha a fizesse explodir em um milhão de minúsculos pedacinhos. Comprei uma garrafa de vinho no caminho. Já estou no segundo copo. Um centopéia negra se move no canto da sala, eu sou sua janta e ela está cansada de morder apenas minhas extremidades. Não vou cruzar com nenhum Buk nem nenhum Jidu pelo meio do caminho. Não poderei começar de novo, descobri subitamente que minhas raízes estão definitivamente cravadas na lama suja, que não nutre, apenas suga e consome a minha energia. O beija flor pousou na cerca, não encontrou flores sem mercúrio, o muro está cada vez mais alto. Preciso de mais um copo.